Acórdão nº 50186395520208210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoDécima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50186395520208210022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002200261
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

14ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5018639-55.2020.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATOR: Desembargador ROBERTO SBRAVATI

APELANTE: IDELVINO DIAS (AUTOR)

APELANTE: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (RÉU)

APELADO: BANCO BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas por IDELVINO DIAS e BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. contra sentença proferida nos autos da Ação de Revisão de Contrato que litigam as partes e o BANCO BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A.

A sentença recorrida assim decidiu:

Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação revisional para limitar a taxa de juros remuneratórios do contrato firmado entre as partes à taxa média apurada pelo Banco Central na data da celebração do contrato, bem como afastar a cobrança da multa moratória, mantidos os demais encargos pactuados. Ante a sucumbência recíproca, os honorários dos procuradores das partes são arbitrados em 10% do valor da causa, dividindo-se igualmente as custas processuais.

JULGO IMPROCEDENTE a ação contra BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A. Arcará o autor com os honorários do procurador da seguradora demandada, também arbitrados em 10% do valor da causa.

Suspendo a execução das verbas da sucumbência, relativamente ao autor, ante o benefício da gratuidade processual.

Apela o Autor (evento 75). Requer, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento do direito de defesa. Pede o provimento do recurso para a reforma da sentença a fim de possibilitar a revisão das quantias cobradas em excesso, pleiteando pela limitação da taxa de juros remuneratórios em 0,99% a.m.; pelo afastamento da capitalização de juros; pela exclusão da comissão de permanência; pela declaração da inexistência da mora; pela exclusão das tarifas administrativas - TAC e TEC; pela declaração de nulidade da cláusula que prevê o vencimento antecipado do débito; pela declaração de ofício das abusividades contratuais, aplicando-se o Código de Defesa do Consumido.

O Réu recorre (evento 72). Requer o provimento do apelo para manter os juros remuneratórios e os encargos moratórios conforme pactuados e vedar a compensação/ e a repetição do indébito.

Embora intimados, apenas os Réus apresentaram as contrarrazões (eventos 82 e 84). Subiram os autos a este Tribunal.

Vieram os autos conclusos e em condições de julgamento.

Foram observadas as disposições legais dos artigos 931 e 934, ambos do CPC.

É o relatório.

VOTO

DO ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA

O apelante postula, em preliminar, pela nulidade da sentença por cerceamento do direito de defesa em razão do julgamento antecipado da lide sem oportunizar a parte que se manifestasse quanto às provas que pretendia produzir e sobre os documentos requeridos na inicial e não colacionados aos autos, havendo necessidade de dilação probatória.

Constata-se, no presente caso, que o apelante foi devidamente intimado para manifestar-se sobre as provas, permanecendo silente. Esperou, no entanto, a decisão ora atacada ser prolatada, para se insurgir alegando a sua nulidade por cerceamento de defesa, o que não é mais possível, uma vez que permaneceu inerte no momento processual oportuno. Além disso, como bem disse o juízo sentenciante, a matéria em debate é exclusivamente de direito, não ocorrendo, pois, no caso concreto, o alegado cerceamento de defesa.

Portanto, afasto a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa.

MÉRITO

DA APLICAÇÃO DO CDC

Enfrenta-se a questão da aplicabilidade do CDC ao caso em tela.

É consabido que se tem matéria sumulada – verbete 297, do colendo STJ.

Contudo, oportuno referir que, mesmo antes da edição de dita Súmula, já se admitia a incidência da lei consumerista para casos como o que se está a examinar.

O conceito de fornecedor e consumidor está plenamente caracterizado e o tema encontra-se pacificado nos Tribunais, razão pela qual a aplicabilidade do CDC, no caso concreto, é irrefragável.

DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO

A questão relativa à impossibilidade de o julgador conhecer de ofício da abusividade das cláusulas em contratos bancários é questão sumulada – in verbis:

“Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas." (Súmula 381/STJ – DJe 05/05/2009; RSTJ vol. 214 p. 537).

Estima-se que a parte há de provocar a manifestação judicial, que está limitada ao pedido, portanto. Cuida-se singelamente de obedecer ao Princípio da Adstrição (ou da congruência), consubstanciado nos artigos 141 e 492 do CPC.

E em relação ao exame de ofício em segundo grau, entende-se que a análise de ofício da abusividade de cláusula contratual também ofenderia o princípio tantum devolutum quantum appellatum. A análise do contrato é limitada ao teor do recurso, vedada a apreciação de ofício de eventuais abusividades contratuais se não houve pedido na irresignação interposta. Tal limitação, vale dizer, harmoniza-se com a necessidade de segurança jurídica e, ainda, evita a supressão de instância.

Anote-se que o colendo STJ mantinha entendimento dominante em tal sentido, ou seja, de que eventuais nulidades do pacto, não tendo sido suscitadas pela parte, não são passíveis de apreciação ex officio, tendo sido tal jurisprudência dominante tornada paradigma mediante o julgamento do RESP 1061.530/RS, que, no ponto, preconiza: “(...) DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO - É vedado aos juízes de primeiro e segundo graus de jurisdição julgar, com fundamento no art. 51 do CDC, sem pedido expresso, a abusividade de cláusulas nos contratos bancários”. É esta a orientação que adotamos, portanto.

JUROS REMUNERATÓRIOS

No que pertine com a questão dos juros remuneratórios, o colendo STJ já pacificou o tema, preconizando que é livre a pactuação da taxa de juros entre os contratantes, exceto em havendo excesso manifestamente comprovado (na forma do decisório tornado paradigma – RESP 1.061.530/RS, rela. Min. Nancy Andrighi, j. 22/10/08), ocasião em que se limitam os juros.

Decidiu-se, à ocasião, o que segue:

a) que as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) que são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) que vai admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto.

Como asseverado no voto pela eminente relatora, quanto à limitação dos juros remuneratórios, “a dificuldade do tema, que envolve o controle do preço do dinheiro é enorme. Isso não é, entretanto, suficiente para revogar o art. 39, V, CDC, que veda ao fornecedor, dentre outras práticas abusivas, “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”, e o art. 51, IV, do mesmo diploma, que torna nulas as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade”.

Então, cumpre dizer que os juros serão limitados, a um patamar razoável, para expungir abusividade, e que a diretriz que se adota para fixar tal patamar é a taxa média do mercado, tal como fornecida pelo BACEN em seu site, consoante estipulado no acórdão paradigma suso mencionado. Os juros são limitados, então, em hipótese excepcional, qual seja, quando ultrapassada a taxa média de mercado.

No mesmo sentido, num dos precedentes que deu esteio ao decisório paradigma antes mencionado, o Min. João Otávio de Noronha decidiu que “a alteração da taxa de juros pactuada depende da demonstração cabal de sua abusividade em relação à taxa média do mercado”(AgRg no REsp 939.242/RS, Quarta Turma, DJe de 14.04.2008). Neste mesmo tom, o Min. Fernando Gonçalves sustentou que “a alteração da taxa de juros pactuada depende da demonstração cabal da sua abusividade em relação à taxa média de mercado” (AgRg no REsp 1.041.086/RS, Quarta Turma, DJe de 01.09.2008).

Ou seja, os juros remuneratórios não estão limitados pelos lindes legais – CCB ou Lei de Usura -, mas tampouco estão de todo liberados, devendo estar em harmonia com a taxa média do mercado divulgada pelo BACEN.

Quanto ao critério para fins de aferição da abusividade, colaciono precedentes deste Tribunal:

APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. Código de Defesa do Consumidor. Aplicável às operações de concessão de crédito e financiamento. Súmula n. 297 do STJ. Juros remuneratórios. São abusivos apenas se fixados em valor expressivamente superior à taxa média do mercado divulgada pelo BACEN para o período da contratação (REsp n. 1.061.530/RS). Compensação e/ou repetição simples. Cabível caso verificada a cobrança de valores indevidos. Da tutela provisória. A concessão da tutela provisória está condicionada, cumulativamente: a) à existência de ação fundada em questionamento integral ou parcial do débito; b) à demonstração da cobrança indevida, com fundamento na aparência do bom direito e na jurisprudência consolidada do STF ou do STJ; c) ao depósito do valor incontroverso das parcelas ou à prestação de caução idônea. Do prequestionamento. Desnecessária a indicação expressa de todos os fundamentos legais eventualmente incidentes no caso, sendo suficiente prequestionamento implícito. APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível, Nº 70083416776, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miriam A....

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT