Acórdão nº 50187576720208210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50187576720208210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001533883
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5018757-67.2020.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATOR: Desembargador JORGE LUIZ LOPES DO CANTO

APELANTE: ROCHANE TISATTO MARCON (AUTOR)

ADVOGADO: JACKSON BALENS ROSA (OAB RS121849)

ADVOGADO: William de Souza Ditzel (OAB RS105426)

APELADO: UNIMED NORDESTE RS SOCIEDADE COOP DE SERV MEDICOS LTDA (RÉU)

ADVOGADO: CASSIO AUGUSTO VIONE DA ROSA (OAB RS050660)

ADVOGADO: PAULO ROBERTO DO NASCIMENTO MARTINS (OAB RS028992)

ADVOGADO: MARCO TÚLIO DE ROSE (OAB rs009551)

RELATÓRIO

ROCHANE TISATTO MARCON interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida nos autos da ação de ação de obrigação de fazer movida em face de UNIMED NORDESTE RS SOCIEDADE COOP. DE SERV. MÉDICOS LTDA.

Na decisão atacada, os pedidos foram julgados nos seguintes termos:

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS INDENIZATÓRIOS formulados pela autora Rochane Tisatto Marcon em face da requerida Unimed Nordeste – RS (Sociedade Cooperativa de Serviços Médicos Ltda.), a fim de:

a) Confirmar os efeitos da antecipação de tutela, (evento 03), condenando a operadora de saúde requerida a autorizar e dar cobertura à internação psiquiátrica da autora, pelo período prescrito pelo seu médico assistente, no atestado médico juntado no “evento 01 – ATESTMED14", independentemente do cumprimento do prazo de carência;

b) Indeferir o pedido de indenização por danos morais; e

c) Indeferir os demais pedidos de indenização por danos materiais.

Em face da sucumbência recíproca, mas em maior parte da autora, condeno-a ao pagamento de 70% das custas processuais, ficando o remanescente, de 30%, a cargo da parte demandada. Fixo honorários advocatícios aos procuradores da autora em R$800,00 oitocentos reais), e aos procuradores da requerida em R$1.200,00 (um mil e duzentos reais), acrescido de correção monetária pelo IGP-M, a contar desta data, e de juros de mora de 1% ao mês, a partir do trânsito em julgado da sentença, vedada a compensação, na forma do artigo 85, §§2.º, 8.º, 14 e 16 com o artigo 86, do CPC, suspendendo a exigibilidade com relação à autora, em face do benefício da gratuidade da Justiça deferido no “evento 03”, consoante artigo 98, §3.º, do mesmo diploma legal.

Em suas razões recursais, a parte autora defendeu a ocorrência de danos morais indenizáveis, tendo em vista a negativa injustificada da internação postulada, ainda mais considerando a gravidade do quadro de saúde apresentado, com risco de morte, configurando caso de atendimento de urgência/emergência.

Colacionando jurisprudência, postulou a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais fixadas em no mínimo R$ 15.000,00.

Contra-arrazoado o recurso, os autos foram remetidos a esta Colenda Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade e objeto do recurso

Eminentes colegas, o recurso intentado objetiva a reforma da decisão de primeiro grau, versando a causa sobre contrato de plano de saúde.

Os pressupostos processuais foram atendidos, utilizado o recurso cabível, há interesse e legitimidade para recorrer, é tempestivo e está dispensado de preparo, inexistindo fato impeditivo do direito recursal noticiado nos autos.

Assim, verificados os pressupostos legais, conheço do recurso intentado para o exame das questões suscitadas.

Mérito do recurso em exame

Preambularmente, é preciso consignar que os planos ou seguros de saúde estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, enquanto relação de consumo atinente ao mercado de prestação de serviços médicos.

Aliás, sobre o tema em discussão o STJ editou a súmula n. 608, dispondo esta que: aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

Ademais, entendo aplicável ao caso em tela o disposto no art. 47 do Código de Defesa do Consumidor, no que concerne à interpretação de forma mais favorável à parte agravante quanto às cláusulas do contrato do plano de saúde avençado, levando-se em conta a relação de consumo entre as partes.

No presente feito, busca a parte autora a cobertura pela demandada pelas diárias de internação, sem a exigência de período de carência por se tratar de urgência, em razão de uso compulsivo de álcool (CID 10- F10.2) e transtorno de humor bipolar (CID 10- F31.4), o que já restou reconhecido na decisão singular, postulando a parte autora, tão somente, a condenação da ré ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos em razão da negativa de cobertura.

Nesse sentido, cabe colacionar os argumentos da culta Magistrada de primeiro grau, Dra. Maria Olivier, os quais serviram de fundamento para a parcial procedência da demanda, cujas razões adoto como de decidir e transcrevo a seguir:

Comporta o feito julgamento antecipado, nos termos do artigo 355, inciso I, do CPC, diante do desinteresse das partes na produção de provas.

Objetiva a autora seja a requerida compelida a garantir a cobertura dos serviços de internação psiquiátrica, sem a exigência do cumprimento do prazo de carência, ou seja, de 180 dias, da assinatura da contratação, devido ao seu grave estado de saúde, além do recebimento de indenização por danos morais e por danos materiais suportados, em decorrência da falha na prestação de serviços da operadora de plano de saúde requerida.

A requerida, por sua vez, defendeu a licitude na negativa de cobertura do tratamento objeto da lide, diante da necessidade de cumprimento de prazo de carência de 180 dias para internação psiquiátrica, refutando as pretensões indenizatórias por danos morais e por danos materiais postuladas pela autora.

As provas produzidas consubstanciam-se nos documentos acostados aos autos do processo.

Cumpre referir, inicialmente, que se está diante de típica relação de consumo, aplicando-se, ao caso em tela, as disposições do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que as partes integrantes encaixam-se nos conceitos descritos nos artigos 2.º e 3.º, §2.º, ambos do Código de Defesa do Consumidor, bem como por força da Súmula n.º 608 do STJ.

Tratando-se de relação de consumo, o referido diploma legal estabelece, dentre os direitos básicos do consumidor, a inversão do ônus da prova, prevista no inciso VIII do artigo 6.º.

Como se vê, o intuito do Código de Defesa do Consumidor é estabelecer o equilíbrio necessário para uma relação harmônica entre as partes, na relação de consumo, suprindo a hipossuficiência do mais frágil, que é, obviamente, o consumidor.

Importante ressaltar, entretanto, que a inversão do ônus da prova não exime a consumidora autora da comprovação do fato constitutivo do direito alegado, nos termos do artigo 373, inciso I, do CPC.

Analisando os autos do processo, verifica-se que a autora é beneficiária de plano de saúde da operadora requerida na modalidade individual/familiar, denominado Unipart Estadual 31, desde 01/09/2020, nos termos do contrato e documentos acostados no “evento 01 – CONTR10”.

De acordo com o atestado do médico assistente da autora, emitido em 05/09/2020 (evento 01 - ATESTMED14), foi prescrito a ela a necessidade de “internação psiquiátrica em caráter de urgência por uso compulsivo de álcool e transtorno de humor bipolar em episódio depressivo grave, com alto risco de suicídio, com duas tentativas de suicídio recentes”.

Em que pese a autora sustente que não houve negativa administrativa por parte da operadora do plano de saúde, tenho que o documento juntado no “evento 01 - OUT17, fl.32” evidencia tanto o pedido quanto a negativa de cobertura, no qual constou, inclusive, que a autora, beneficiária, se encontrava em período de carência para internações até a data de 27/02/2021.

Além disso, cumpre observar que a judicialização do pedido postulado pela autora independe de requerimento administrativo prévio.

Sobre o presente caso, cumpre mencionar que conforme o Item XVI do contrato pactuado entre as partes, “evento 01 - CONTR10, fl.43”, há previsão da necessidade de cumprimento do período de carência por 180 dias, no caso do procedimento postulado pela autora, o qual, considerando a data da adesão ao plano, ainda não havia sido cumprido, quando da prescrição médica para internação.

Ocorre que, a Lei n.º 9.656/98, no artigo 12, inciso V, alínea “c”, ao dispor sobre os períodos de carência, prevê para os casos de urgência e emergência que o prazo a ser considerado é de apenas 24 horas, in verbis:

Artigo 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o §1.o do artigo 1.º desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: (...)

"V - quando fixar períodos de carência:

"a) prazo máximo de trezentos dias para partos a termo;

"b) prazo máximo de cento e oitenta dias para os demais casos;

c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência.

Outrossim, a referida lei estabelece, em seu artigo 35-C, a obrigatoriedade de cobertura, em casos de emergência, como o caso dos autos do processo, em que o próprio médico indicou ser caso de urgência:

Artigo 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:

"I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizada em declaração do médico assistente; e

"II- de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional.”

Portanto, comprovada a situação de urgência, com necessidade de internação psiquiátrica da autora, o prazo de carência a ser considerado é de 24 horas,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT