Acórdão nº 50190963220208210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 08-07-2022

Data de Julgamento08 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50190963220208210008
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002420172
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5019096-32.2020.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Compra e venda

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: FABIANA CEZAR (AUTOR)

APELADO: CELOI PIRES SANTIAGO (RÉU)

RELATÓRIO

FABIANA CEZAR apela da sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na Ação de Revisão Contratual ajuizada em face de CELOI PIRES SANTIAGO. Transcrevo o dispositivo sentencial:

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por FABIANA CEZAR contra CELOI PIRES SANTIAGO.

Condendo a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, assim como de honorários advocatícios ao procurador da parte ré, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil. Suspendo a exigibilidade da sucumbência, contudo, em razão da autora ser beneficiária da gratuidade processual.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Em razões (Evento 89), a autora sustenta que o juízo de origem interpretou erroneamente os dispositivos do Código Civil e do Código de Processo Civil, julgando contra lei expressa, entrando em cristalina contradição, dizendo não estarem presentes informações que já constam claramente nos autos, enfim, causando perplexidade, principalmente quando fecha os olhos para ilicitude que poderia até ser configurada como estelionato. Alega que a sentença não considerou as buscas administrativas realizadas pela autora, não verificou as inúmeras mensagens enviadas para a autora, que desde as primeiras conversas, após sofrer o golpe por parte da ré, demonstrou ter sido vítima de um possível estelionato. Argumenta que a parte ré demonstrou total má-fé, agindo premeditadamente, tentando levar enorme vantagem onerosa, não informando o tamanho real do objeto do contrato, o que só foi identificado pela autora após o pagamento da entrada e da assinatura das promissórias, ocasionalmente quando solicitou que um profissional realizasse um projeto para iniciar algumas futuras benfeitorias no local, sendo surpreendida pela metragem informada, ou seja, míseros 200 metros quadrados, conforme documentação contida nos autos. Aduz que a ré se utilizou: a) do emprego de artifício ardil ou qualquer outro meio fraudulento; b) do induzimento ou manutenção da vítima em erro; c) e da obtenção de vantagem patrimonial ilícita em prejuízo alheio. Afirma que a ré confessou de que mentiu para a Apelante, situação em que a mesma confirma a venda ad mensuram, dos 375m², (mensagens em anexo nos autos) e que apresentava certeza de que sairia impune, ainda debochando da autora, enviando emotion e dizendo que se a mesma quiser que procure um advogado, situação que impressiona pela gritante má-fé com que agiu a ré. Sustenta ter alertado a ré de que, não sendo esta a metragem, não faria a negociação por pretender, no futuro, estabelecer um pequeno comércio do local. Alega que, após a autora verificar que a área era menor, a ré mudou seu discurso inicial, mandando seu filho Jean intimar a autora. Entende que não pode um mero contrato, que pode ser interpretado de inúmeras formas, ser a única prova com que o Julgador se baseie para de pronto querer resolver a demanda, pois agindo assim estaremos criando verdadeiras aberrações jurídicas e traremos o caos para a sociedade, já que o Judiciário estaria dando respaldo, por analogia, para que as pessoas vendam o seu imóvel e acrescentem parte do imóvel dos vizinhos na venda, desde que o contrato pareça ter sido ad corpus ou de “porteira fechada”, como popularmente é intitulado, embora seja ad mensuram. Assevera que no contrato há menção expressa à metragem do imóvel e, em se tratando de imóvel urbano, deve ser considerado se tratar de venda ad mensuram, razão pela qual, existindo diferença superior ao limite tolerado pelo Código Civil (art. 500, § 1º), o comprador passa a ter o direito a reclamar na justiça do vendedor a complementação da área (o que normalmente é impossível de acontecer) ou o abatimento proporcional do preço pago (ação quanti minoris ou ação estimatória) ou até mesmo pedir judicialmente a rescisão do negócio por culpa do vendedor. Alega que a disparidade entre a descrição do imóvel objeto do contrato e o que fisicamente existe provoca instabilidade na relação contratual e o Poder Judiciário deve, na coordenação da ordem econômica, exercer a repressão do abuso do poder econômico, com o objetivo de compatibilizar os objetivos do vendedor com a necessidade da sociedade, de modo que se existir ameaça ao equilíbrio contratual, deverá haver a correção de cláusulas do contrato. Postula o recebimento do recurso e seu provimento, a fim de que seja reformada integralmente a decisão a quo, nos moldes acima alinhavados, julgando procedente a ação e condenando a ré ao pagamento de indenização de R$ 46.500,00.

A parte ré apresentou contrarrazões no Evento 91 alegando estar provado que o contrato fora realizado ad corpus, tanto que em nenhum momento fora determinado um valor numérico pelo metro do imóvel, sendo pois, desnecessária a condenação em perdas e danos, eis que não houve qualquer tipo de prejuízo à apelante, que havia vistoriado o imóvel 04 vezes e ficado satisfeita com o que vira. Argumenta que, além disso, o valor de venda do bem está bem abaixo de seu valor de mercado, bastando ser realizada uma avaliação judicial do mesmo para se confirmar que a autora lucrou com a aquisição do imóvel e portanto, a forma de pagamento não é excessiva e nem onerosa

VOTO

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis à espécie.

Cuida-se, na origem, de Ação de Revisão Contratual proposta por Fabiana Cezar em face de Celoi Pires Santiago, por intermédio da qual pretende a condenação da ré, ora agravada, ao pagamento de indenização por perdas e danos, na quantia de R$ 47.500,00, por diferença de valor em razão da divergência de metragem. Narra que no dia 16 de junho de 2020, firmou com a parte ré um CONTRATO PARTICULAR DE CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS DE POSSE para a aquisição de um TERRENO que, conforme o contrato e de acordo com a parte ré, mediria 15 (quinze) metros de frente para a Rua Campinas, mesma medida dos fundos, por 25 (vinte e cinco) metros da frente aos fundos em ambos os lados, o que deveria perfazer o total de 375 (trezentos e setenta e cinco) metros quadrados, mas o tamanho real do terreno é de apenas 200 (duzentos) metros quadrados; logo após concretizar o negócio e pagar o valor de R$75.000,00 (setenta e cinco mil reais) acordado como entrada, no ato da assinatura do contrato, e após assinar as promissórias no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) cada, até que o total da soma da entrada e das promissórias perfizessem o valor total do objeto, que seria de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), a autora deparou-se com a entrega do objeto muito menor do que foi contratado, ou seja, comprou 375 metros quadrados, mas recebeu apenas 200 metros quadrados, conforme comprovado pelo Memorial Descritivo e pela Planimetria atualizada que constam dos autos. Após inúmeras tentativas de resolver a situação diretamente e de forma amigável, o diálogo começou a virar ameaças por parte da ré e de seu filho, JEAN ARTUR SANTIAGO, inclusive de morte, caso a Autora quisesse reclamar e procurar o seu direito, conforme Boletim de Ocorrência em anexo, sendo coagida a pagar “quieta”, pois o filho da ré não teria mais nada a perder, passando então a enviar áudios utilizando gírias ameaçadoras, iguais às usadas por presidiários, como forma de “torturar” psicologicamente a autora, inclusive indo até a frente da residência dela e gritando que a mataria caso procurasse os seus direitos e parasse de pagar as parcelas, sempre alegando que não teria nada a perder.

Em síntese, trata-se de ação em que a autora pretende o reconhecimento da ocorrência de venda ad mensuram e a condenação da ré ao pagamento de indenização com base na entrega de metragem inferior à pactuada.

A sentença recorrida compreendeu que o contrato não vinculou o preço a medidas exatas, tratando-se de modalidade de venda ad corpus, julgando improcedente a pretensão.

Pois bem.

Preliminarmente, necessário referir que, a rigor, somente por analogia se poderia ventilar a aplicação do art.500 do CCB, que versa sobre venda de "coisa imóvel", à hipótese de um contrato de mera "cessão de direitos" de posse. Mais adequada a ação "quanti minoris" calcada no disposto nos arts.441 e 442 do CCB, in verbis:

Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.

Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.

Art. 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato ( art. 441 ), pode o adquirente reclamar abatimento no preço.

Não se desconhece, entretanto, a existência de precedentes deste tribunal apreciando a matéria relativa à cessão de direitos possessórios sob a ótica da venda ad corpus ou ad mensuram, considerando que a posse transferida repousa sobre bem imóvel.

Veja-se:

Ementa: AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE C/C PERDAS E DANOS COM PEDIDO LIMINAR. INADIMPLEMENTO. AGRAVO RETIDO. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE DA CONTESTAÇÃO REJEITADA. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL MEDIANTE CONTRATO PARTICULAR DE PROMESSA DE CESSÃO DE DIREITOS POSSESSÓRIOS. VENDA AD COUS. CULPA DOS PROMITENTES COMPRADORES PELO INADIMPLEMENTO, JUSTIFICANDO A REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DE CHEQUES PRECLUSA, POIS DECIDIDA NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO, RESTANTO IRRECORRIDA. INCIDÊNCIA DO ART. 523, § 3º DO CPC. QUANTO ÀS BENFEITORIAS, REFERIDO APENAS DE MODO BREVE E...

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