Acórdão nº 50191251920198210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Criminal, 09-03-2023

Data de Julgamento09 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50191251920198210008
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002907209
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5019125-19.2019.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Vias de fato

RELATOR: Desembargador JOSE RICARDO COUTINHO SILVA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra L. DOS P. F., com 36 anos de idade à época dos fatos, dando-o como incurso nas sanções do art. 147, caput, c/c o art. 61, inc. II, alíneas "e" e "f", do Código Penal e art. 21 do Decreto-Lei n° 3.688/41, ambos na forma do art. 69, caput, do Código Penal, e sob a disciplina da Lei nº 11.340/2006, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

" 1º FATO:

No dia 07 de junho de 2019, cedo pela manhã, numa residência localizada na Avenida Dezessete de Abril, A-3, 02/403, nesta cidade de Canoas, o denunciado L. DOS P. F. ameaçou praticar mal injusto e grave contra sua genitora E. E. F., mediante gesto e palavras consistentes em empunhar uma faca e prenunciar para a vítima que ia feri-la ou mesmo matá-la.

O denunciado residia com sua genitora e rotineiramente importunava essa idosa com insultos aviltantes e furtava aparelhos e objetos dessa residência para trocar por drogas. Na data descrita acima, o denunciado estava transtornado, verbalizava alucinações e havia passado toda a madrugada importunando a vítima e destruindo louças e mobiliário dessa residência, sendo que, em determinado momento, ele desferiu empurrões contra sua genitora com brutalidade. Logo o denunciado empunhou uma faca e passou a prenunciar que ia ferir ou mesmo matar a vítima.

Esse crime foi cometido contra vítima maior de sessenta anos de idade.

2º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o denunciado L. D. P. F. praticou vias de fato contra sua genitora E. E. F., desferindo empurrões nessa idosa, agressões físicas que não resultaram vestígios corporais perceptíveis.

Ao tempo que insultava e intimidava a vítima, o denunciado também lhe desferia empurrões com brutalidade.

Com a chegada de policiais militares nessa residência, o denunciado foi conduzido preso em flagrante."

Autuado em flagrante delito em 07.06.2019, o auto foi homologado e a prisão convertida em preventiva em 07.06.2019 (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 36/38).

A denúncia foi recebida em 21.06.2019 (evento 3, PROCJUDIC3, fl. 08).

Citado (evento 3, PROCJUDIC3, fls. 12/14), o acusado apresentou resposta à acusação através da Defensoria Pública (evento 3, PROCJUDIC3, fl. 16).

Durante a instrução, foi ouvida a testemunha e interrogado o réu em uma primeira audiência realizada em 15.07.2019 (evento 3, PROCJUDIC3, fls. 34/36, 37/40), e, em audiência realizada em 09.09.2019, ouvida a vítima e revogada prisão preventiva do réu, sendo colocado em liberdade na mesma data (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 25/26 e 34)

Foi instaurado incidente de insanidade mental do acusado em 05.08.2019 (evento 3, PROCJUDIC3, fl. 49).

Convertido o debate oral em memoriais, foram esses apresentados no evento 3, PROCJUDIC4, fls. 41/47 e 49/50, com continuação no evento 3, PROCJUDIC5, fls. 01/04.

Sobreveio sentença, considerada publicada em 01.06.2021 (evento 3, PROCJUDIC5, fl. 10), julgando parcialmente procedente a ação penal para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 21 do Decreto-Lei nº 3.688/41, às penas de 15 dias de prisão simples, em regime inicial aberto, sendo concedida a suspensão condicional da pena pelo período de três anos, mediante o cumprimento das condições de a) comparecimento bimestral em juízo, para manter seu endereço atualizado e informar suas atividades; e b) prestação de serviços à comunidade pelo período da pena privativa de liberdade, a razão de uma hora por dia de pena aplicada, em entidade a ser indicada pelo juízo da Execução; e absolvê-lo das sanções previstas no art. 147, caput, do Código Penal, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal (evento 3, PROCJUDIC5, fls. 05/10).

Na sequencia, o Juízo a quo proferiu decisão corrigindo erro material na sentença para constar o nome correto do acusado (evento 3, PROCJUDIC5, fl. 16).

Irresignada, a defesa interpôs apelação alegando insuficiência probatória quanto à autoria delitiva, resumindo-se à palavra da vítima, ressaltando, ainda, que o réu negou a autoria dos fatos que lhe foram imputados, razões pelas quais postulou sua absolvição (evento 3, PROCJUDIC5, fls. 18/21).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (evento 3, PROCJUDIC5, fls. 24/29).

Em parecer, a Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo (evento 9, PARECER1).

Esta Câmara adotou o procedimento informatizado e foi observado o art. 613, inc. I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

A materialidade e a autoria delitivas foram bem analisadas pela ilustre Juíza de Direito, Dra. Fabiana Pagel da Silva, ao proferir a sentença, não sendo verificada qualquer inovação em sede de apelação em relação aos pontos analisados em primeiro grau, pelo que adoto seus fundamentos para evitar inútil tautologia (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 05/10):

"(...)

Trata-se de analisar a responsabilidade do réu pela suposta prática do crime de ameaça e da contravenção penal de vias de fato cometida no âmbito das relações afetivas ou domésticas, tendo como vítima E. E. F., sua genitora.

A existência dos fatos vem demonstrada pelo boletim de ocorrência de fls. 15/17, bem como pelas demais provas produzidas em juízo.

A autoria recai certa sobre o réu quanto ao primeiro fato descrito na denúncia.

A vítima E. E. F., durante sua oitiva em juízo, declarou que o réu e um outro filho residiam consigo à época. Na data do fato, o acusado brigou na rua e chegou em casa revoltado, dizendo que quebraria tudo. Recordou que o réu jogou uma cadeira pela janela, tendo tal fato sido presenciado por uma vizinha, que chamou a Brigada Militar. L. sempre foi um guri bom, porém alterado. Disse acreditar que o réu não faz uso de entorpecentes e bebida alcoólica. O acusado já teve atitudes similares anteriormente. L. já trabalhou como ajudante de obra. Seu outro filho possui um bom relacionamento com o réu. Negou que o acusado tenha apontado uma faca contra ela e que tenha a ameaçado de morte. Todavia, L. disse que se alguém fosse até sua casa, mataria tal pessoa. O réu também a empurrou, fazendo com que caísse em cima da cama. Entretanto, disse que o empurrão não foi forte. Disse que ficou surpresa com a conduta do acusado. O acusado desferiu apenas um empurrão contra ela. Afirmou aceitar que L. volte a residir consigo. Às vezes, L. via “coisas”, todavia, jamais foi atendido por médicos. O irmão do acusado está aposentado por ser esquizofrênico.

A testemunha de acusação M. T. de O., policial militar, relatou que sua equipe foi despachada via sala de operações para atender uma ocorrência envolvendo violência doméstica. Ao chegarem no local, ele e seus colegas encontraram a vítima, que afirmou que seu filho estava alterado e havia tentado agredi-la fisicamente. Diante disso, foram até o apartamento da ofendida, onde localizaram o réu, que “não falava coisa com coisa”, referindo que não havia sentido no que L. dizia. Assim, conduziram as partes à Delegacia. A vítima disse que o réu a ameaçou com uma faca, todavia, não encontraram tal artefato no local, que estava bastante bagunçado. A ofendida estava abatida e alterada, pois L. a incomodou durante a noite inteira. L. não foi agressivo com a guarnição e apenas dizia que era do exército e policial. Um irmão do acusado disse a guarnição que esse era usuário de entorpecentes e, inclusive, referiu que este também ficou batendo em sua porta durante a noite.

O réu L. dos P. F., na oportunidade de seu interrogatório, negou a prática dos fatos descritos na denúncia. Informou que sua mãe é alcoólatra e que estava tentando ajudá-la apenas. Negou ser usuário de entorpecentes ou que faça uso de bebida alcoólica. Sua genitora estava embriagada na data do fato.

Essa é a prova coligida.

Sabe-se que, em situações de violência doméstica, à palavra da vítima é atribuído especial valor, sobretudo quando aliado aos demais elementos de prova colhidos nos autos, sendo suficiente para ensejar um juízo condenatório. Por outro lado, é ônus da defesa demonstrar que a vítima tem especial interesse em prejudicá-lo, o que não acontece nos autos.

Nesse sentido:

EMBARGOS INFRINGENTES. APELAÇÃO CRIME. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AMEAÇA E VIAS DE FATO. PROVA SUFICIENTE. PALAVRA DA VÍTIMA. PREVALÊNCIA DO VOTO MAJORITÁRIO. Há de se levar em consideração que a aceitação do relato da vítima como meio probatório revela-se de especial importância em delitos deste estilo, amiúde sem testemunhas. Na espécie, o depoimento da vítima mostrou-se firme e coerente com o relato apresentado em sede policial, indicando a autoria delitiva e as circunstâncias do crime. A aceitação do relato da ofendida, mormente na ausência de versão do réu, é juízo de valor, que o aprecia em face do conjunto da prova e verifica sua harmonia no caso concreto. EMBARGOS DESACOLHIDOS. POR MAIORIA. (Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 70079581062, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jayme Weingartner Neto, Julgado em 07/12/2018) (grifei)

EMBARGOS INFRINGENTES. APELAÇÃO CRIME. AMEAÇA. LEI MARIA DA PENHA. VOTO MINORITÁRIO PELA ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. 3 PREVALÊNCIA DO VOTO MAJORITÁRIO. Nos crimes de violência doméstica, praticados geralmente na intimidade da convivência familiar, dificilmente existe alguma testemunha ocular, afora as partes diretamente envolvidas no ocorrido; assim, nesses casos a palavra da ofendida assume especial relevância probatória, sendo suficiente, se coerente, para ensejar condenação. Manutenção da...

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