Acórdão nº 50195117520168210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 06-04-2022

Data de Julgamento06 Abril 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50195117520168210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001741617
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5019511-75.2016.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador EDUARDO KRAEMER

APELANTE: MARLI ELENA ZONTA (AUTOR)

APELADO: CHARLES FARIAS DE OLIVEIRA (RÉU)

APELADO: PERFEKTION CLINICA MEDICA LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por MARLI ELENA ZONTA, inconformada com a sentença (Evento 3, PROCJUDIC7, Páginas 13/16) que julgou improcedente a ação de indenização para reparação de danos morais, materiais e estéticos, movida em face de CHARLES FARIAS DE OLIVEIRA e PERFEKTION CLINICA MEDICA LTDA e procedente a reconvenção, nos seguintes termos:

"Pelo exposto, julgo improcedente a ação indenizatória proposta por MARLI ELENA ZONTA em face de CHARLES FARIAS DE OLIVEIRA e PERFEKTION CLINICA MÉDICA, qualificados nos autos, condenando a autora à satisfação das custas processuais e honorários advocatícios, esses arbitrados em R$ 1.500,00 em favor do procurador do réu, a ser satisfeita pela autora.

Julgo procedente a reconvenção ajuizada por CHARLES FARIAS DE OLIVEIRA e PERFEKTION CLINICA MÉDICA em face de MARLI ELENA ZONTA para o fim de condenar a autora/reconvinda ao pagamento dos seis cheques no valor cada qual de R$ 666,00 (2ª a 6ª parcelas, fls. 71), com correção pelo IGPM-FGV e juros de mora de 1% ao mês a contar de cada vencimento. Condeno-a, ainda, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, esses fixados em 15% sobre o valor da condenação,

Em face da gratuidade judiciária, resta suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência."

Em suas razões (Evento 3, PROCJUDIC7, Páginas 19/23), tece uma breve exposição fática, destacando que para efeito de responsabilidade subjetiva a demandante se desincumbiu do ônus de provar a culpa da ré no evento danoso, nos termos do art. 373, I, do CPC. Aponta falha de informação por parte dos réus, que omitiram a informação quanto ao tipo de cirurgia a ser realizada. Aponta que a autora quando se dirigiu à parte ré para realizar a cirurgia desejava fazer uma cirurgia (lifting) para melhorar sua aparência e não corrigir defeitos congênitos ou adquiridos. Aponta que além de não ter ocorrido a melhora na aparência dos braços, a cirurgia ainda gerou danos estéticos (cicatrizes), dores e abalo moral. Requer o provimento do recurso para que seja julgada procedente a ação.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 3, PROCJUDIC7, Páginas 26/28).

Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 932 e 934, do CPC/2015, considerando a adoção do sistema informatizado por este Tribunal (Ato nº 24/2008-P).

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Cuida-se de ação indenizatória por danos morais, materiais e estéticos decorrentes de alegado erro médico, que é imputado ao demandado Charles Farias de Oliveira, por ocasião de cirurgia plástica reparadora nos braços, denominada "lifting de braço", na data de 16/09/2015.

Narra a exordial que após a cirurgia permaneceu em recuperação por alguns dias e começou a sentir fortes dores e a perceber seus braços roxos e doloridos, sentindo um repuxo ao levantar os braços. Aponta que não aguentando as dores retornou ao consultório do réu, que sem examinar adequadamente a autora alegou que os sintomas eram normais. Refere que desde então se passaram cinco meses da realização da cirurgia e a autora continua com dores, sendo necessária a administração de analgésicos e outros medicamentos com frequência. Acrescenta que tentou outros contatos com o réu, sendo informada pela secretária que ele estava assoberbado e que a autora deveria pagar por novas consultas para ser atendida. Aponta erro médico, arguindo que a cirurgia não surtiu o efeito desejado, permanecendo a autora com quadro depressivo e fortes dores no local, além do dano estético visível. Pugna pelo pagamento de indenização por danos materiais, no valor de R$ 6.400,00 pagos pela cirurgia; e indenização por danos morais e estéticos.

Os réus, por seu turno, afirmam que a autora procurou o médico requerido em 2012, quando ele ainda trabalhava em outro consultório, buscando cirurgia reparadora nos braços devido a flacidez em decorrência de prévia cirurgia bariátrica realizada. Refere que passados alguns anos, retornou então na clinica ora ré, Perfektion, procurando o médico réu para fazer o mesmo procedimento: cirurgia plástica reparadora nos braços. Refere que solicitou os exames e marcou o procedimento, mencionando que a autora tinha pressa. Afirma que o procedimento foi realizado no dia 16/09/2015 no Hospital Ernesto Dornelles, sem qualquer complicação ou intercorrência. Aponta que a consulta pós-cirúrgica já esta marcada desde 10/09/2015, sendo inverídico que a autora somente procurou o réu por fortes dores. Afirma ser o procedimento normal do médico marcar a primeira consulta pós-cirúrgica, o que ocorreu em 22/09/2015, quando a autora compareceu apresentando aspecto normal e sem dores. Aponta que na ocasião foi indicado o uso de medicação tópica para melhorar a cicatrização. E no mesmo dia foi agendado retorno para 02/10/2015 para retirada dos pontos, tendo a autora comparecido e retirado os pontos, sem nenhuma queixa de dores ou desconforto. Refere que neste dia a autora foi orientada a agendar nova consulta pós-operatória, entre 15 e 20 dias, para avaliar a evolução e fazer as fotos pós-cirúrgicas. Aduz que, contudo, a autora nunca mais entrou em contato com o consultório, tampouco pagou os honorários médicos, sustando 5 cheques no valor de R$ 660,00 (seiscentos e sessenta reais) cada. Refere que qualquer cirurgia deixa cicatriz, que poderá ser mais ou menos visível, tendo a autora assinado termo de consentimento depois de ler e fazer consulta para tirar as dúvidas. Discorre sobre a cirurgia plástica reparadora, que é diferente da cirurgia plástica estética, apontando que não é possível conhecer previamente o resultado das cirurgias plásticas reparadoras em ex obesos, sendo a realização de retoques procedimento complementar e comum. Defende que a obrigação no caso é de meio e não de resultado, não tendo havido negligência, imperícia ou imprudência médica. Pugna pelo julgamento de improcedência da ação. Formula reconvenção, consistente no valor dos cheques sustados pela autora, de R$ 3.596,40.

Processado e instruído o feito – inclusive com a produção de prova pericial, sobreveio sentença de improcedência dos pedidos; irresignada, apela a parte autora.

O recurso, adianto, não prospera.

A respeito da responsabilidade civil do médico, em caso de cirurgia estética, o que diz Sérgio Cavalieri Filho1:

Importa, nessa especialidade, distinguir a cirurgia corretiva da estética. A primeira tem por finalidade corrigir deformidade física congênita ou traumática. O paciente, como sói acontecer, tem o rosto cortado, às vezes deformado, em acidente automobilístico; casos existem de pessoas com deformidade da face e outras com defeitos físicos, sendo, então, recomendável a cirurgia plástica corretiva. O médico, nesses casos, por mais competente que seja, nem sempre pode garantir, nem pretender, eliminar completamente o defeito. Sua obrigação, por conseguinte, continua sendo de meio. Tudo fará para melhorar a aparência física do paciente, minorar-lhe o defeito, sendo, às vezes, necessárias várias cirurgias sucessivas.

O mesmo já não ocorre com a cirurgia estética. O objetivo do paciente é melhorar a aparência, corrigir alguma imperfeição física – afinar o nariz, eliminar as rugas do rosto, etc. Nestes casos, não há dúvida, o médico assume obrigação de resultado, pois se compromete a proporcionar ao paciente o resultado pretendido. Se esse resultado não é possível, deve desde logo alertá-lo e se negar a realizar a cirurgia. O ponto nodal, conforme já salientado (...), será o que foi informado ao paciente quanto ao resultado esperável. Se o paciente só foi informado dos resultados positivos que poderiam ser obtidos, sem ser advertido dos possíveis efeitos negativos (riscos inerentes), eis aí a violação do dever de informar, suficiente para respaldar a responsabilidade médica.

Há quem conteste, tanto na doutrina estrangeira como na brasileira, assumir o médico obrigação de resultado na cirurgia estética. O eminente Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr., depois de anotar que a orientação hoje vigente na França, na doutrina e na jurisprudência, se inclina por admitir que a obrigação a que está submetido o cirurgião plástico não é diferente daquela dos demais cirurgiões, pois corre os mesmos riscos e depende da mesma álea, endossa esse entendimento, tendo em vista que em toda operação existe um risco ligado à reação do próprio organismo humano, tipo de pele extremamente sensível, infecção hospitalar etc., situações muitas vezes imprevisíveis e que não podem ser imputadas ao médico. A eventual falta de informação precisa sobre o risco, e a não obtenção de consentimento plenamente esclarecido, arremata o ilustre Ministro, conduzirão à responsabilidade do cirurgião, mas por descumprimento culposo da obrigação de meios (RT 718/40).

Na realidade, a crônica médica registra casos em que o cirurgião, embora aplicando corretamente as técnicas que sempre utilizou com absoluto sucesso em inúmeros pacientes, não obtêm o resultado esperado em razão de características peculiares do próprio paciente, não detectáveis antes da operação.

Tais circunstâncias, entretanto, em meu entender, não afastam a obrigação de resultado.

Não se pode negar o óbvio, que decorre das regras da experiência comum; ninguém se submete aos riscos de uma cirurgia, nem se dispõe a fazer elevados gastos, para ficar com a mesma aparência, ou ainda pior. O resultado que se quer é claro e...

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