Acórdão nº 50196183020238217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Criminal, 09-03-2023

Data de Julgamento09 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualConflito de Jurisdição
Número do processo50196183020238217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003324331
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Conflito de Jurisdição (Câmara) Nº 5019618-30.2023.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Vias de fato

RELATOR: Desembargador JOSE RICARDO COUTINHO SILVA

RELATÓRIO

Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo 2º Juizado Especial Criminal do Foro Central da Comarca de Porto Alegre em face do 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da mesma Comarca.

Alega o suscitante, em síntese, que a competência para processar e julgar o feito, instaurado em decorrência da prática da contravenção penal de vias de fato praticado por filho contra a mãe é do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (processo 5006675-26.2023.8.21.0001/RS, evento 13, DESPADEC1).

Sobreveio parecer da Procuradoria de Justiça pelo provimento do conflito (evento 7, PARECER1).

Os autos vieram conclusos.

VOTO

Conforme se verifica, o boletim de ocorrência registrado para investigar a prática da contravenção penal de vias de fato cometido contra a vítima S. M. F. D. M., de 64 anos de idade, que foi empurrada e jogada no chão por seu filho M. F. D. S. (evento 1, REGOP4).

Submetida a questão ao juízo do 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, esse determinou a redistribuição dos autos ao juízo comum, em decisão datada de 23.0.2021, e, assim, fundamentada (processo 5006675-26.2023.8.21.0001/RS, evento 3, DESPADEC1):

Vistos.

Trata-se de pedido de medidas protetivas de proibição de aproximação e de contato. Pede também a proibição de aproximação de seus familiares e das testemunhas e o tratamento terapêutico do ofensor, originado pelo registro de ocorrência nº 535/2023/100330, pela prática, em tese, do delito de vias de fato.

A vítima, quando da ocorrência policial, relatou:

Vítima comparece nesta Especializada, encaminhada pelo 9BPM, para registrar ocorrência contra seu filho, que as partes residem na casa de propriedade da vítima. Vítima não possui deficiência e relata que o suspeito faz uso de alcool e de drogas e não possui arma de fogo. Foram apresentados os serviços do CRAM e defensoria Pública Estadual e oferecido abrigo a vítima rejeita. A vítima já registrou ocorrência contra o suspeito e não depende financeiramente do mesmo. A vítima relata que estavam em um bar nas proximidades da residência, onde consumiram bebida alcoólica, o suspeito ficou bravo aparentemente sem motivo e retornou para casa. A vítima permaneceu no bar por mais um tempo e quando chegou em casa não encontrou a chave do seu quarto que estava trancado e fio perguntar ao filho onde estava a chave do quarto. O suspeito não a respondeu e quando falou disse que a vítima era quem deveria saber. A vítima tentou abrir a porta do quarto dele, mas não conseguiu e pegou um martelo para abrir a porta que estava sem maçaneta. A seguir, o suspeito abriu a porta, pegou a vítima, a empurrou para os lados e a jogou no chão. A vítima pegou o telefone e o suspeito pegou o telefone, a vítima relata não lembrar-se como conseguiu pegar o telefone de volta do suspeito e ligou para o 190 acionando a Brigada Militar. Posteriormente a Policia Militar compareceu no local e encaminharam as partes para esta DEAM para as formalidades legais.

Registre-se que o ofensor possui 01 passagem por Vara de Violêcia Doméstica.

Relatei. Passo a fundamentar e a decidir.

A violência doméstica e familiar contra a mulher abarcada pela Lei Maria da Penha, conforme disposto em seu art. 5º, decorrerá de qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial à ofendida. A ação ou a omissão devem ocorrer no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto. E as relações pessoais independem de orientação sexual.

A necessidade de que o ato de violência seja motivado por questões de GÊNERO consta na Exposição de Motivos do Projeto de Lei (EM nº 016 - SPM/PR), no item 15, onde se verifica que “Cabe especial atenção a um conceito basilar previsto na proposta: a relação de gênero”, visto que “A violência intra-familiar expressa dinâmicas de poder e afeto, nas quais estão presentes relações de subordinação e dominação.

E no item 16 assim consta: “As desigualdades de gênero entre homens e mulheres advêm de uma construção sócio-cultural que não encontra respaldo nas diferenças biológicas dadas pela natureza. Um sistema de dominação passa a considerar natural uma desigualdade socialmente construída, campo fértil para atos de discriminação e violência que se “naturalizam” e de incorporam ao cotidiano de milhares de mulheres. (…)”

Portanto, para o fim da lei, NÃO é suficiente que a vítima seja do sexo feminino. O ato de violência praticado sempre deverá ser motivado por questões de DESIGUALDADE GÊNERO, além de se enquadrar em algum dos incisos do art. 5º da LMP.

Nesse sentido, inclusive o ENUNCIADO 24 do FONAVID - Fórum Nacional dos Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher: “A competência do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher restringe-se aos delitos cometidos em razão do gênero, na forma dos arts. 5º e 7º da Lei Maria da Penha, não sendo suficiente que a vítima seja do sexo feminino.”

No caso em apreço, conforme admitido pela própria vítima, a violência atribuída ao acusado não possui motivação de gênero e não diz respeito ao fato de a vítima ser mulher, cuidando-se, em verdade, de conflito familiar envolvendo mãe e filho – litígio que se agrava, como informado pela ofendida, pelo uso de drogas e álcool pelo autor e sua consequente maior agressividade nessas condições –, situação a ser enfrentada, logicamente, no juízo apropriado, seja cível (com medidas de internação), seja criminal comum (para apuração de eventuais condutas delitivas e concessão de medidas cautelares), estando ausentes os requisitos do art. 5º da Lei 11.340/06, razão de ser do indeferimento da medida solicitada.

Nesse sentido:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL. VIOLAÇÃO DO ART. 5º DA LEI N. 11.340/2006. ACÓRDÃO IMPUGNADO QUE CONCLUI PELA INAPLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA. INEXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE INDICASSEM VIOLÊNCIA DE GÊNERO. LEGALIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE. REEXAME DA CONVICÇÃO CALCADA NO EXAME DA PROVA. DESCABIMENTO. SÚMULA 7/STJ. 1. A orientação jurisprudencial atual desta Corte é no sentido de que, para que a competência dos Juizados Especiais de Violência Doméstica seja firmada, não basta que o crime seja praticado contra mulher no âmbito doméstico ou familiar, exigindo-se que a motivação do acusado seja de gênero, ou que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua condição de mulher (AgRg no REsp n. 1.842.913/GO, Ministro Leopoldo de Arruda Raposo, Desembargador convocado do TJ/PE, Quinta Turma, DJe 19/12/2019). 2. No caso, a Corte de origem, soberana na análise das circunstâncias fáticas, concluiu pela inaplicabilidade da Lei Maria da Penha ao caso dos autos, considerando que as agressões perpetradas pelo agravado contra sua mãe não tinham motivação de gênero. 3. Interpretação consentânea com a orientação jurisprudencial desta Corte, sendo inviável rever a convicção, calcada no exame da prova, ante a incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental improvido.AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1658396 - GO (2020/0025177-4) (grifei)

Ainda:

CONFLITO DE JURISDIÇÃO. PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. AUSÊNCIA DE OPRESSÃO DE GÊNERO. DISSÍDIO FAMILIAR EM RAZÃO DA DROGADIÇÃO. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. O processo não abarca situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, não incidindo a Lei Maria da Penha. Competente, portanto, para o processamento e julgamento do feito o juizado especial criminal e não o juizado de violência doméstica e familiar. CONFLITO JULGADO IMPROCEDENTE. (Conflito de Jurisdição Nº 70075253229, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Alberto Etcheverry, Julgado em 23/11/2017) Grifei.

Diante do exposto, INDEFIRO o pedido de medidas protetivas e ORDENO a redistribuição deste expediente, com urgência, ao JECriminal/Juízo Criminal para conhecimento e providências, inclusive a concessão de medidas acautelatórios, se for o caso, nos termos do que dispõe o art. 319 do Código de Processo Penal em vigor.

Ainda, diante da dependência química atribuída ao acusado, poderá a ofendida, querendo, procurar a Defensoria Pública, de segunda a quinta-feira, das 14h às 18h, através do telefone 21360048 (Alô Defensoria), para ingressar com eventual pedido de internação, se for o caso, além de outras medidas judiciais que entender cabíveis.

Intimem-se, inclusive a vítima, por telefone/Whatsapp, se possível.

Diligências Legais.

O acesso aos autos pode ser feito através do link www.tjrs.jus/site, consulta processual, informando o número do processo 50066752620238210001 e a respectiva chave de consulta 537048459523

Redistribuídos os autos ao juízo do 2º Juizado Especial Criminal do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, esse, por entender haver a incidência da Lei nº 11.340/06, suscitou conflito...

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