Acórdão nº 50196322420218210003 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 27-06-2022

Data de Julgamento27 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50196322420218210003
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002244343
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5019632-24.2021.8.21.0003/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: ERMANDINA MARTINS (AUTOR)

APELADO: BANCO INTER S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

ERMANDINA MARTINS apela de sentença proferida nos autos da ação de obrigação de fazer que move em face de BANCO INTER S.A, assim lavrada:

ERMANDINA MARTINS ingressou com a presente ação de obrigação de fazer em desfavor do BANCO INTER S.A., alegando, em síntese, que contratou com o réu um empréstimo consignado, contudo, no curso da cobrança das parcelas, veio a descobrir que na verdade lhe foi disponibilizado o chamado cartão de crédito consignado, cuja parcela mínima mensal da fatura é descontada do seu benefício previdenciário. Asseverou que, quando da celebração do ajuste, procurava, na verdade, apenas realizar um empréstimo consignado e não adquirir um cartão de crédito, sendo que jamais chegou a usar o cartão após o início da contratação. Pediu, em sede de tutela provisória, a determinação para que o requerido que se abstenha de reservar margem consignável e empréstimo da parte Autora, com o seu respectivo cancelamento/suspensão dos descontos, sob pena de multa diária. Ao final, requereu a procedência dos pedidos, para que seja realizada a readequação/conversão do “empréstimo” via cartão de crédito consignado para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de RMC utilizados para amortizar o saldo devedor, o qual deverá ser feito com base no valor liberado (negociado) a parte Autora, desprezando-se o saldo devedor atual, ou seja, não deverá ser considerado para o cálculo o valor acrescido de juros e encargos. Anexou documentos (evento 1).
Foi concedido o benefício da gratuidade judiciária e indeferida a tutela provisória (evento 3).

Citado, o requerido apresentou contestação.
Arguiu, preliminarmente, a prescrição e impugnou o benefício da gratuidade judiciária. No mérito, discorreu sobre o contrato entabulado entre as partes, defendendo sua legalidade. Mencionou que a parte autora usou da modalidade para realizar compras. Alegou a ausência de abusividade contratual. Asseverou a necessidade de devolução dos valores disponibilizados a parte autora. Foi contra a inversão do ônus da prova. Por fim, pugnou pelo acolhimento das preliminares, ou, subsidiariamente, a improcedência do mérito, com as cominações de praxe. Acostou documentos (evento 10).
Houve réplica (evento 14).

Vieram os autos conclusos para a sentença.

É O RELATÓRIO.
PASSO ÀS RAZÕES DE DECIDIR.

Oportuno o julgamento antecipado do feito, nos termos do artigo 355, inciso I do Código de Processo Civil.
De plano, sinalo que a concessão do benefício da gratuidade judiciária é possível àqueles que percebem renda bruta mensal de até 5 salários-mínimos e comprovem sua hipossuficiência financeira.

No caso dos autos, o demandante comprovou com documentos hábeis sua hipossuficiência financeira e a impossibilidade de arcar com as custas processuais, porquanto, deve ser mantido o benefício.

Não há se falar em prescrição no caso em comento, pois se trata de contrato firmado com prestações mensais e sucessivas, não sendo incidente o instituto.

Dito isto, afasto as preliminares arguidas.

Conforme narrativa inicial, a autora contratou empréstimo consignado com o Banco réu, vindo a descobrir, posteriormente, que se tratava de modalidade de empréstimo com cartão de crédito.
Por não ter a contratação se dado nos termos em que pretendia, postulou que seja realizada a readequação/conversão do “empréstimo” via cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de RMC utilizados para amortizar o saldo devedor.
Entretanto, cumprindo com o ônus de provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do artigo 373, inciso II do Código de Processo Civil, a instituição financeira juntou aos autos o contrato firmado pelo requerente (evento 10, Anexo 2), devidamente assinado por ele, restando evidente a contratação do empréstimo consignado pela modalidade cartão de crédito, bem como a autorização para desconto no seu benefício previdenciário.

Ademais, não há indicativos que o autor teve a sua vontade viciada no ato da contratação do empréstimo.
Aliás, como enfatizado pelo Desembargador Dilso Domingos Pereira em análise de feitos similares ao presente, “em que pese seja a autora pessoa idosa, tal condição não pressupõe que não entenda o que está assinando, inclusive porque, conforme documentação [...], possui inúmeros outros empréstimos, levando a crer que possui familiaridade com esse tipo de contratação” (Apelação Cível Nº 70079319802, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 31/10/2018).
Assim, é lícito concluir que, por ocasião da celebração do negócio jurídico, a autora teve ciência da modalidade contratada e dos descontos efetuados de seu benefício previdenciário a título do pagamento mínimo da fatura do cartão de crédito consignado.

Diante disso, não há que se falar em nulidade do contrato.

Por outro lado, a instituição financeira requerida demonstrou a efetiva utilização do cartão de crédito pelo consumidor, modo a justificar a realização dos descontos a título reserva de margem consignável.

Juntamente à contestação, o requerido aportou documentos demonstrando que houve a fruição das utilidades do cartão de crédito, visto que, após o saque inicial, foi efetuado pela demandante diversas compras, o que afasta a alegação de vício de consentimento
Nesse cenário, não é verossímil a alegação da parte autora de que queria apenas contratar um empréstimo financeiro comum, consignado em seu benefício previdenciário, pois, conforme demonstrado, utilizou-se, em mais de uma oportunidade, da modalidade contratada.

Dito isso, não há como descaracterizar o Contrato de Cartão de Crédito Consignado e determinar que o pacto subsista como empréstimo pessoal consignado.

Destarte, a improcedência do pedido é a medida que se impõe.

FUNDAMENTEI.
DECIDO.

Diante do exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial.
Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios ao patrono do requerido, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, atenta as diretrizes prevista no artigo 85, parágrafo 2º do Código de Processo Civil, atenta ao trabalho realizado, tempo de tramitação e natureza da causa.

Suste-se a exigibilidade da sucumbência, tendo em vista o benefício da gratuidade judiciária anteriormente deferido.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, nada mais sendo requerido, arquive-se o feito com baixa.

Nas razões sustenta que pela análise dos autos, comprova-se o alegado pela parte recorrente, qual seja, de que a contratação ora discutida é abusiva; que o banco recorrido obriga a parte recorrente a pagar o mínimo da fatura mediante desconto em folha diretamente em seu benefício previdenciário; que há prática de juros abusivos de 3,36% ao mês, ao passo que em empréstimos consignados comuns a taxa é bem menor – limite de 1,80% ao mês; que o cartão de crédito jamais fora utilizado, sendo que o banco recorrido disponibilizou o valor através de TED, o que corrobora a tese de se tratar empréstimo consignado comum; que não há prazo final para pagamento das faturas, ocasionando prejuízo excessivo ao consumidor, visto que a dívida se torna impagável; que o cartão não foi desbloqueado e tampouco utilizado, o que reforça não ser conhecedor da modalidade escolhida; que seja realizada a readequação/conversão do “empréstimo” via cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de RMC utilizados para amortizar o saldo devedor, o qual deverá ser feito com base no valor liberado (negociado) a parte recorrente, desprezando-se o saldo devedor atual, ou seja, não deverá ser considerado para o cálculo o valor acrescido de juros e encargos e, em sendo o caso, determinando a repetição em dobro dos valores pagos a maior, os quais deverão ser corrigidos monetariamente pelo IGP-M desde o efetivo; que a parte recorrida seja condenada ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais que deverão ser fixados entre no valor de R$ 3.000,00, sob pena de configurar aviltamento dos honorários. Postula pelo provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (evento nº 25).

Vieram-me conclusos para julgamento

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas!

O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece conhecimento. Assim, analiso-o.

CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. NULIDADE. PROVA.

O Código Civil, ao tratar da nulidade dos negócios jurídicos, assim dispõe:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III - os instrumentos particulares forem antedatados,
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