Acórdão nº 50199455920208210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarto Grupo de Câmaras Criminais, 29-04-2022

Data de Julgamento29 Abril 2022
ÓrgãoQuarto Grupo de Câmaras Criminais
Classe processualEmbargos Infringentes e de Nulidade
Número do processo50199455920208210022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001681902
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4º Grupo Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 5019945-59.2020.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Trânsito (Lei 9.503/97

RELATOR: Desembargador LEANDRO FIGUEIRA MARTINS

EMBARGANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMBARGADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

FÁTIMA SILVA DE ALMEIDA ingressou com EMBARGOS INFRINGENTES (Evento 18, EMBINFRI1), em razão de acórdão proferido pela colenda 7ª Câmara Criminal (Evento 10, ACOR2).

Em suma, alegou que a "Colenda 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado/RS, ao julgar o recurso, decidiu, por maioria, em dar provimento ao recurso, para manter a condição oferecida pelo Ministério Público na oferta da suspensão condicional do processo" (fl. 2), ficando vencido o Desembargador Carlos Alberto Etcheverry. Assim, transcrevendo o voto vencido, disse que as condições não poderiam ser aquelas estabelecidas pelo Ministério Público. Por isso, pediu o provimento do recurso, "para o efeito de fazer prevalecer o douto voto vencido exarado pelo eminente Des. Carlos Alberto Etcheverry, a fim de negar provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público" (fl. 4).

O Ministério Público apresentou parecer (Evento 6, PARECER1).

Este Grupo Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, tendo-se atendido ao disposto no artigo 609 do Código de Processo Penal (CPP), bem como no artigo 207, inciso II, do RITJERGS.

Conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Dispõe o artigo 609, parágrafo único, do CPP:

"Art. 609. Os recursos, apelações e embargos serão julgados pelos Tribunais de Justiça, câmaras ou turmas criminais, de acordo com a competência estabelecida nas leis de organização judiciária.

Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência" (grifou-se).

Sobre o tema, conforme assinalado por Júlio Fabbrini Mirabete, "pressuposto indeclinável para o oferecimento de embargos é a existência de um ou mais votos vencidos na decisão desfavorável ao réu"1.

Desta forma, presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, porém, não assiste razão à embargante.

No caso concreto, a embargante busca, em suma, a prevalência do voto vencido, proferido pelo Desembargador Carlos Alberto Etcheverry, o qual entendeu por negar provimento ao recurso, para manter a decisão que excluiu, das condições apresentadas na oferta de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público, o pagamento de prestação pecuniária e a prestação de serviços à comunidade (doação), nos seguintes termos (Evento 12, VOTODIVERG1):

"Divirjo do eminente relator.

A Lei nº 9.099/95, em seu art. 89, concede ao Ministério Público a faculdade, quando do oferecimento da denúncia, de propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).”

Nos termos do § 1º do mesmo dispositivo legal, se aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, o juiz, recebendo a denúncia, poderá (vocábulo, a propósito, também aqui indicando a existência de uma faculdade) suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as condições que a lei – e digo a lei porque estão relacionadas nos incisos I, II, II e IV do mencionado parágrafo 1º - estabelece.

E me parece inevitável concluir, diante dessa análise gramatical do enunciado legal, que, se as condições para a suspensão condicional do processo já estão estabelecidas na lei, evidentemente elas não são estabelecidas pelo Ministério Público. Este pode apenas propor a suspensão, pura e simplesmente, mas deve se submeter ao que o legislador já definiu.

Não que essas condições sejam imutáveis. Outras podem ser especificadas. Mas por quem? Pelo magistrado. É o que se infere, inelutavelmente, da claríssima redação do § 2° do art. 89:

§ 2° - O juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.” (grifei)

Outras condições poderão ser especificadas, portanto, pelo juiz, e apenas pelo juiz. Ou seja, não pelo Ministério Público.

Nada impede, naturalmente, que este último faça uma sugestão, dê um palpite sobre o que ele considera mais adequado para o caso concreto, em adição ao que a lei já prevê, ou substitutivamente. Mas de palpite se tratará, podendo ser aceito ou não pelo juiz. Este, sim, tem poder decisório sobre a matéria, sequer precisando justificar a razão da não aceitação.

É em razão do exposto que se torna incompreensível a postulação recursal, que tem como pressuposto oculto a atribuição ao parquet de uma faculdade que sequer implicitamente a lei lhe confere, mas que, pela incompreensível inércia do Poder Judiciário, é tida como incontestável, por efeito de uma “alquimia” jurídica: o que era um hábito – sugerir condições na proposta de suspensão – acabou se transmutando em apropriação de faculdade atribuída apenas ao julgador.

Diante disso, não vejo como seja possível modificar a decisão atacada, pois apenas ao magistrado cabe especificar condições para a suspensão condicional do processo diversas das estabelecidas pela lei.

Isso posto, voto por negar provimento ao recurso".

O voto condutor do acórdão recorrido, de lavra do Juiz de Direito Convocado Alexandre Kreutz, por sua vez, foi no sentido de prover o recurso em sentido estrito para que inclua, na proposta de suspensão condicional do processo, todas as condições elencadas pelo Ministério Público (evento 10, RELVOTO1).

Por oportuno, transcrevo excertos do voto majoritário:

"Com efeito, esta Colenda Câmara já se manifestou em diversas oportunidades que não há óbice que o Ministério Público inclua outras condições além das obrigatórias como forma de sugestão. Aliás, o próprio juízo de origem assim se posicionou.

Nesse sentido:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. AFASTAMENTO DE CONDIÇÕES PROPOSTAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. FACULDADE DO MAGISTRADO. POSSIBILIDADE, NO CASO DOS AUTOS. O § 1º do Art. 89 da Lei 9.099/95 arrola as condições obrigatórias que devem constar na proposta pelo Ministério Público. No ponto, há ressaltar que a proposta de suspensão, com as condições obrigatórias, pode ser apresentada pelo Parquet sempre que entender preenchidos os requisitos legais previstos no Art. 89, caput, da Lei nº 9.099/95. Por sua vez, o Art. 89, § 2º, da mesma lei, estabelece que o juiz não está adstrito às condições estipuladas nos incisos do § 1º da referida Lei, podendo ele subordinar a suspensão a medidas outras que achar mais adequadas. Nada impede, contudo, que o Ministério Público inclua outras condições, além daquelas obrigatórias, na proposta de suspensão, todavia pode fazê-lo como forma de sugestão, pois que compete ao juiz a especificação de outras condições. (...). RECURSO DESPROVIDO. POR MAIORIA.(Recurso em Sentido Estrito, Nº 70079168555, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Julgado em: 31-01-2019)

Todavia, ao contrário do Julgador de 1º grau, entendo que a inclusão da prestação de serviços à comunidade ou o pagamento de prestação pecuniária não caracterizam adiantamento de pena, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

Nesse aspecto, ademais, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 25.11.2015, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.498.034/RS, processado sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973, fixou a seguinte tese (Tema nº 930):

Não há óbice a que se estabeleçam, no prudente uso da faculdade judicial disposta no art. 89, § 2º, da Lei n. 9.099/1995, obrigações equivalentes, do ponto de vista prático, a sanções penais (tais como a prestação de serviços comunitários ou a prestação pecuniária), mas que, para os fins do sursis processual, se apresentam tão somente como condições para sua incidência.

Trago a ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSAMENTO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. AMEAÇA. LESÃO COORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES IMPOSTAS DURANTE O PERÍODO DE PROVA. FATO OCORRIDO DURANTE SUA VIGÊNCIA. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO MESMO QUE ULTRAPASSADO O PRAZO LEGAL. ESTABELECIMENTO DE CONDIÇÕES JUDICIAIS EQUIVALENTES A SANÇÕES PENAIS. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Recurso especial processado sob o regime previsto no art. 543-C, § 2º, do CPC, c/c o art. 3º do CPP, e na Resolução n. 8/2008 do STJ. PRIMEIRA TESE: Se descumpridas as condições impostas durante o período de prova da suspensão condicional do processo, o benefício poderá ser revogado, mesmo se já ultrapassado o prazo legal, desde que referente a fato ocorrido durante sua vigência. SEGUNDA TESE: Não há óbice a que se estabeleçam, no prudente uso da faculdade judicial disposta no art. 89, § 2º, da Lei n. 9.099/1995, obrigações equivalentes, do ponto de vista prático, a sanções penais (tais como a prestação de serviços comunitários ou a prestação pecuniária), mas que, para os fins do sursis processual, se apresentam tão somente como condições para sua incidência. 2. Da exegese do § 4º do art. 89 da Lei n. 9.099/1995 ("a suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta), constata-se...

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