Acórdão nº 50206969320228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 21-03-2022

Data de Julgamento21 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo50206969320228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001882841
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5020696-93.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Desembargadora ROSAURA MARQUES BORBA

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Juliano Viali dos Santos em favor de Angélica Nalin, cuja prisão preventiva foi decretada em 06.02.2022, pela prática, em tese, dos delitos de tráfico de drogas e associação para o tráfico.

Em suas razões, o impetrante alega, em síntese, que não estariam preenchidos os requisitos autorizadores da segregação cautelar. Aponta predicados pessoais favoráveis e invoca o princípio da presunção de inocência. Ressalta o risco de contágio, em virtude da pandemia de COVID-19. Pede a concessão liminar da ordem para revogar a prisão preventiva da paciente; ou, subsidiariamente, substituí-la por medidas cautelares diversas (evento 1 – INIC1).

Indeferida a liminar (evento 4), foram dispensadas as informações.

A Procuradoria de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Eduardo Bernstein Iriart, opinou pela denegação da ordem (Evento 11, PARECER1).

VOTO

Com efeito, quando da análise do pedido liminar, proferi a seguinte decisão:

"O deferimento de liminares em habeas corpus é medida excepcional, que se justifica somente quando demonstrada que manifestamente ilegal a prisão.

Com efeito, analisando os elementos de convicção ora apresentados, não identifico a ilegalidade na decisão que converteu a prisão em flagrante da paciente em preventiva.

Ao menos em uma análise perfunctória dos fatos apresentados, não vislumbro razões para o deferimento da liminar.

Verifico que o decreto prisional, lançado em desfavor da paciente, está devidamente fundamentado, em observância ao disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, como se pode constatar de sua transcrição, in verbis:

"O Delegado de Polícia de Flores da Cunha procedeu à prisão em flagrante de Gelson Taboda Weschenfelder e de Angélica Nalin pela prática do crime de tráfico e associação para o tráfico fazendo constar da ocorrência: DURANTE PATRULHAMENTO DE ROTINA, EM LOCAL CONHECIDO COMO PONTO DE VENDA DE DROGAS, FOI AVISTADO UM CASAL TRANSITANDO EM VIA PÚBLICA, EM ATITUDE SUSPEITA. REALIZARAM A ABORDAGEM PARA AVERIGUAÇÃO. A DUPLA FOI IDENTIFICADA COMO: GELSON TABORDA WESCHENFELDER E ANGELICA NALIN. EM REVISTA PESSOAL, NO BOLSO DE GELSON, FOI APREENDIDO 10 PORÇÕES DE MACONHA, EMBALADAS EM SACOS ZIP; 41 PEDRAS DE CRACK, ENVOLTAS EM PAPEL ALUMINIO E UMA PEDRA, MAIS ROBUSTA, DE CRACK, EMBALADA EM SACO ZIP. FOI DADO VOZ DE PRISÃO A GELSON. EM REVISTA NA BOLSA DE ANGELICA, DENTRO DE UM ESTOJO PARA MAQUIAGEM, FOI APREENDIDO 60 PEDRAS DE CRACK, EMBALADAS EM PAPEL ALUMINIO E 28 TIJOLINHOS DE MACONHA, EMBALADAS EM SACOS ZIP E UM CELULAR MOTOROLA, COM DISPLAY AVARIADO. FOI DADO VOZ DE PRISÃO A ANGELICA. A GUARNIÇÃO TEM CONHECIMENTO QUE O CASAL REALIZAVA O TRÁFICO, EM COMUNHÃO DE ESFORÇOS. GELSON COSTUMA FICAR COM POUCA DROGA E FICA CUIDANDO ANGELICA VENDENDO. ELE FICA DE "OLHEIRO" E VENDO A APROXIMAÇÃO DAS VIATURA, PARA ALERTAR ANGELICA DA PRESENÇA POLICIAL NO LOCAL. APÓS, OS PRESOS FORAM CONDUZIDOS A DPPA DE CAXIAS DO SUL PARA O REGISTRO E OUTRAS PROVIDÊNCIAS. POR FIM, QUE NA CONDUÇÃO DE GELSON E ANGELICA, FOI FEITO O USO DE ALGEMAS, A FIM DE SALVAGUARDAR A SEGURANÇA DOS POLICIAIS E DOS PRESOS.

O APF-Auto de Prisão em Flagrante foi homologado por este juízo, assegurando manifestação do Ministério Público e da DPE para análise, agora, da conversão do flagrante em preventiva.

Relatei. Decido.

Trata-se de crime de tráfico de entorpecentes, na hipótese e na espécie. Observando os autos de apreensão que instruem o APF-Auto de Prisão em Flagrante a quantidade de entorpecentes, quer a maconha, quer crack, é bastante considerável, afastando-se, de plano, qualquer hipótese para uso próprio. Parece evidente que esta quantidade é destinada à venda, ou ao consumidor diretamente, ou como fornecedores para outros traficantes.

A quantidade de entorpecentes e os demais petrechos comuns ao crime de tráfico, repito de forma enfática, não permitem, mesmo em juízo de cognição sumária, aceitar eventual tese de uso próprio, de viciados que apenas tinham "seu estoque" de entorpecentes.

Relativamente aos indícios da autoria, Vinícius Rodrigues Carvalho trouxe a versão que é a própria ocorrência policial, ou seja, de que estavam em patrulhamento de rotina e que flagraram o casal caminhando (juntos); procederam à abordagem e lograram encontrar os entorpecentes com os dois presos, uma parte com um deles e a outra parte com a outra, conforme autos de apreensão.

Arlan Batista dos Santos depõe no mesmo sentido, isto é, de que ambos foram abordados, dando a entender que Gelson primeiro, e com ambos foram encontrados os entorpecentes, conforme autos de apreensão.

O indiciado Gelson alega que não estava junto com Angélica, embora caminhasse na mesma via pública; Angélica teria sido abordada pela autoridade policial e TODA A DROGA estava em seu poder; nada teria sido encontrado com Gelson, o que não encontra amparo no relato dos policiais. Negou qualquer relacionamento com Angélica, mas que a conhece de Flores da Cunha.

Angélica, a seu turno, começa narrando o inacreditável, de que não sabia que no interior de sua bolsa havia entorpecentes. Todavia, e divergindo do comparsa, afirma que já teve relacionamento com Gelson, mas que atualmente não mantêm mais este relacionamento. Por fim, alega que todo o entorpecente estava em seu poder (o que não sabia) e que nada foi encontrado com Gelson.

Os indicios da autoria são veementes e a materialidade do crime, na hipótese e na espécie, são inquestionáveis, considerando os elementos até aqui carreados.

A conversão do flagrante em prisão preventiva é imperativa, não apenas por se tratar de crime equiparado aos hediondos, mas por revelar elementos perniciosos ao meio social, que tem feito do ataque à saúde pública sua forma mais usual de ganhos e sustento econômico, impondo-se ao final, se procedente a ação penal, a perda de todo o material do tráfico, quer saibam, quer não, o que Angélica tinha em seu poder.

A transformação deste flagrante em preventiva depende da análise, no caso concreto, dos requisitos do art. 312 do CPP e por se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão.

Em sintonia com o modelo internacional de combate às drogas, capitaneado pelos Estados Unidos, o Brasil desenvolve ações de combate e punição para reprimir o tráfico.

Essa tendência, porém, vem desde os tempos de colônia. As Ordenações Filipinas, de 1603, já previam penas de confisco de bens e degredo para os que portassem, usassem ou vendessem substâncias tóxicas. O país continuou nessa linha com a adesão à Conferência Internacional do Ópio, de 1912.

A visão de que as drogas seriam tanto um problema de saúde quanto de segurança pública, desenvolvida pelos tratados internacionais da primeira metade do século passado, foi paulatinamente traduzida para a legislação nacional.

Porém, a ação militar de 1964 e a Lei de Segurança Nacional deslocaram o foco do modelo sanitário para o modelo bélico de política criminal, que equiparava os traficantes aos inimigos internos do regime.

Não por acaso, a juventude associou o consumo de drogas à luta pela liberdade. Nesse contexto, da Europa às Américas, a partir da década de 60, a droga passou a ter uma conotação libertária, associada às manifestações políticas democráticas, aos movimentos contestatórios, à contracultura, especialmente as drogas psicodélicas, como maconha e LSD.

Em 1973, o Brasil aderiu ao Acordo Sul-Americano sobre Estupefacientes e Psicotrópicos e, com base nele, baixou a Lei 6.368/1976, que separou as figuras penais do traficante e do usuário.

Finalmente, entendemos que o tráfico de drogas seria crime inafiançável e sem anistia. Em seguida, a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) proibiu o a liberdade provisória e alterou rito e prazos processuais, com o objetivo de aumentar o rigor sobre este tipo de ilícito.

Já a atual Lei de Drogas (Lei 11.343/06) eliminou a pena de prisão para o usuário e o dependente, ou seja, para aquele que tem droga ou a planta para consumo pessoal. A legislação também passou a distinguir o traficante profissional do eventual, que trafica pela necessidade de obter a droga para consumo próprio e que passou a ter direito a uma sensível redução de pena (tráfico privilegiado).

Já a criação da Força Nacional de Segurança e as operações nas favelas do Rio de Janeiro, apoiadas pelas Forças Armadas, seguidas da implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), reforçaram a repressão e levaram a presença do Estado a regiões antes entregues ao tráfico, não apenas atendendo às críticas internacionais, como também como preparação para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

As discussões em torno das leis que tratam do tráfico e dependência de drogas continuam a ser feitas no Congresso e inclusive no STF, visando à descriminação do uso.

Nesta linha, há algum tempo instalou-se na sociedade o entendimento de que o uso deve ser considerado figura absolutamente atípica, sem qualquer penalidade, calcado no princípio da liberdade de uso do corpo e outros quejandos, dos quais tenho a plena liberdade de não concordar, até mesmo porque é a sociedade,...

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