Acórdão nº 50214551020198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 24-11-2022

Data de Julgamento24 Novembro 2022
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50214551020198210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002943831
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5021455-10.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Usucapião Especial Coletiva

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: HABITASUL - NEGOCIOS IMOBILIARIOS E ADMINISTRACAO DE BENS S.A (RÉU)

APELADO: ECLEA DA SILVA CRISTOFARI (AUTOR)

RELATÓRIO

HABITASUL - NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS E ADMINISTRAÇÃO DE BENS S.A apela de sentença proferida nos autos da ação de usucapião que lhe move ECLEA DA SILVA CRISTOFARI, assim lavrada:

Vistos, etc.
Trata-se de AÇÃO DE USUCAPIÃO proposta por ECLÉA DA SILVA CRISTOFARI qualificada na inicial, por defensor público, contra HABITASUL DESENVOLVIMENTO IMOBILIÁRIOS S.A, tendo por objeto o imóvel: Um terreno localizado no Beco Dois Rua José Grimberg, nº 150, Vila Dom Pedro, Bairro Costa e Silva, Cidade de Porto Alegre/RS.
Formando quarteirão com o referido Beco, a Rua Hermes Pereira de Souza, o Beco Quatro Rua José Grimberg, e o Beco Três Rua José Grimberg. Com área total de 253,93m², medindo 9,90m de frente a leste de fundo a oeste. Tendo 25,65m de extensão da frente ao fundo em ambos os lados norte e sul. Fazendo frente a leste para o Beco Dois Rua José Grimberg; a norte fazendo divisa com o terreno nº 160 (do Beco Dois Rua José Grimberg; a oeste fazendo divisa com os terrenos nº 20 e nº 30 (do Beco Quatro Rua José Grimberg); e a sul fazendo divisa com o terreno nº 140 (do Beco Dois Rua José Grimberg). Existe uma edificação residencial de alvenaria com projeção total de 60,21m² construídos. O referido terreno está distante pela face leste 27,10m até a Rua Hermes Pereira de Souza. Ainda, o imóvel usucapiendo está inserido em um todo maior constante da matrícula nº 36.808, junto Registro de Imóveis da 6ª Zona.
Alega, em suma e principalmente, exercer a posse do imóvel há 17 anos, de forma mansa, pacífica e ininterrupta, sem contestação, impugnação ou oposição de terceiros, caracterizando, assim, o animus domini.

Juntados documentos. Citados os confrontantes fáticos Isabel Fernandes de Lima (Evento 51, AR1), Cesar Cristofari (Evento 48, AR1), Graziele Freitas Gonçalves (Evento 83, CERT1) e Flora Werle Franke (Evento 70, CERTGM1), eis que se trata de imóvel inserido dentro de todo maior. Efetivadas as citações e intimações legais. Publicado edital (Evento-88 EDITAL1). O Ministério Público foi devidamente intimado (Evento-95 PROMOÇÃO1).
A empresa ré Habitasul Desenvolvimento Imobiliários S.A apresentou contestação (Evento 53, CONT1, Página 1/17), arguindo, em preliminar, impugnação ao valor da causa, denunciação à lide da Caixa Econômica Federal, carência de ação por ilegitimidade ativa e impossibilidade jurídica, documentos juntados pela parte autora e depoimento pessoal da autora.

Alegou ser controverso o direito da autora ante as ações de reintegração de posse nºs 001/1.05.0060833-8 e 001/1.05.0061331-5 e processo nº 001/1.05.006083-20, que tramitam na 1ª Vara Cível, Foro Central II.
Afirmou, em síntese, que a área usucapienda faz parte de um empreendimento que foi ocupado de maneira clandestina, sendo que a parte autora teria adquirido certamente de Eugênio Petry ou de terceiros que, por sua vez, destes adquiriu. Assim, aduz não estarem presentes os requisitos da ação de usucapião, ou porque não provada a posse mansa, justa, pacífica e ininterrupta sobre o bem, ou por que a parte autora recebeu a posse de terceiro que não a detinha. Por fim, a empresa contestante postula o reconhecimento de litispendência, em razão das decisões nas ações supramencionadas, que sejam acolhidas as preliminares e requer o depoimento pessoal da autora. Quanto ao mérito, requereu a improcedência. Acostou documentos. Réplica à contestação (Evento 59, RÉPLICA1, Página 1/8).
Posteriormente, passado alguns meses, a ré Habitasul renunciou ao direito de propriedade do imóvel descrito e caracterizado na matrícula nº 36.808, Registro de Imóveis da 6ª Zona desta capital, do qual faz parte o usucapiendo, através de Escritura Pública, lavrada junto ao 5º Tabelionato de Notas de Porto Alegre, sob o n. 072190, anexada ao Evento-117.
Ademais, informou, inclusive, que a referida Escritura Pública foi levada a registro em dezembro de 2.021 (Protocolo n. D 2021 1200206). Desse modo, assevera que diante da sua renúncia ao imóvel usucapiendo, passou a não se opor ao pedido da inicial, pretendendo, ao fim, a isenção de custas iniciais e honorários sucumbenciais.
Relatei. Decido
DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE
Para a aquisição da propriedade mediante usucapião extraordinária é necessário a comprovação dos requisitos do art. 1.238 do Código Civil, que estabelece: Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único – O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo."

Maria Helena Diniz (Sistemas de Registros de Imóveis, 11ª edição, Saraiva, São Paulo, 2014), sobre o usucapião registra:
“O usucapião tem por fundamento a consolidação da propriedade, dando juridicidade a uma situação de fato: a posse justa unida ao tempo fixado em lei. Será preciso que o usucapiente, adquirindo o domínio pela posse, requeira ao Magistrado que assim declare por sentença. Tal registro não será necessário para que haja a aquisição do domínio do imóvel usucapido, visto que já se operou pelo preenchimento dos requisitos legais; a sentença do Magistrado apenas declara esse fato. O registro da sentença tão somente dará publicidade àquele fato, permitindo a disponibilidade do imóvel, os atos de disposição subsequentes poderão ser admitidos a registro ao se abrir matrícula para assento desta sentença, será mencionado, se houver, registro anterior”.
José Celso de Mello Filho (Constituição Federal Anotada, 2ª ed., Saraiva, 1986, p. 500) preleciona:
“O usucapião constitui modo originário de aquisição da propriedade. (...) A inércia, omissão e desinteresse do proprietário são sancionados pela perda do domínio, em favor, precisamente, daquele que, possuindo o bem pro suo, vem a dar-lhe a destinação e a utilização reclamadas pelo interesse social. (...) É por isso que se legitima, em face da ordem constitucional, a regra legislativa ordinária que atribui ao usucapião eficácia extintiva do direito real de propriedade.”
Portanto, o usucapiente tem que possuir o bem com ânimo de dono e a posse do acessório conserva os mesmos requisitos e as mesmas características da posse do principal.
Orlando Gomes (Direitos Reais, p. 159, 19ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 2017) consigna: “O ‘animus domini’ precisa ser frisado para, de logo, afastar a possibilidade de usucapião dos fâmulos da posse. Em seguida, devem ser excluídos os que exercem temporariamente a posse direta, por força de obrigação ou direito, como, dentre outros, o usufrutuário, o credor pignoratício e o locatário. Nenhum deles pode adquirir, por usucapião, a propriedade da coisa que possui em razão do usufruto, penhor ou locação. É que, devido à causa da posse, impossível se torna possuírem como proprietários. Necessário, por conseguinte, que o possuidor exerça posse com ‘animus domini’. Se há obstáculo objetivo a que possua com esse ‘animus’, não pode adquirir a propriedade por usucapião. A existência de obstáculo subjetivo impede apenas a aquisição que requer boa-fé. Por fim, é preciso que a intenção de possuir como dono exista desde o momento em que o prescribente se apossa do bem. Inexistindo obstáculo objetivo, presume-se o ‘animus domini’ (autor citado, Direitos Reais, p. 158, 9ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1985).
Requisito indispensável, portanto, para a configuração da usucapião é a existência de posse mansa, pacífica, sem contestação, impugnação ou oposição de terceiros, para caracterizar, assim, um dos requisitos do animus domini.

A prova documental coligida demonstra a posse do imóvel pela autora, há muitos anos, há pelo menos 17 (dezessete) anos com efeito de moradia, evidenciando, assim, a continuidade sem qualquer objeção.

Os documentos colacionados ao Evento 1, END4 e Evento 1, END13 demonstram que a autora ultrapassa o tempo exigido por Lei (10 anos).
Tratam-se de comprovantes de ligação de energia elétrica e termo de adesão de seguro residencial, ao contrário do que alega a parte ré em petição juntada ao Evento-53 CONT1.
Logo, não prospera a contestação apresentada, eis que em momento algum foi demonstrado que a demandante não preenche os requisitos necessários para requerer usucapião do imóvel descrito na inicial, conforme preceitua o art.
artigo 373, II, do CPC. Razão não assiste a ré, vez que não demonstrou, repetindo, em desatendimento ao ônus que lhe impunha, que o imóvel se encontrava em situação distinta da descrita pelas autoras, o que leva à compreensão do verdadeiro estado de abandono do loteamento.
Por outro lado, a parte autora comprova os requisitos do instituto que pretende ver reconhecido, tendo em vista que provou o decurso do tempo exigido na Lei e a posse qualificada, o que era seu dever, nos termos do art. 373, I, do CPC.

A propósito do tema, dispõe o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do RS:

"APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO (BENS IMÓVEIS). AÇÃO DE USUCAPIÃO. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. ART. 1.238 DO CÓDIGO CIVIL. REQUISITOS PRESENTES. DEMANDA PROCEDENTE. O pedido de usucapião, por constituir forma originária de aquisição de propriedade, deve vir acompanhado de todos os requisitos legais autorizadores. Caso em que a prova produzida é suficiente a propiciar...

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