Acórdão nº 50218076520198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 15-06-2023

Data de Julgamento15 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50218076520198210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003319240
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5021807-65.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Investigação de Paternidade

RELATOR: Desembargador JOSE ANTONIO DALTOE CEZAR

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por FABIO D. S. R., ANDREA D. S. R. e ALINE D. S. R., contra sentença proferida pelo magistrado de origem que, nos autos da ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva post mortem ajuizada pelos recorrentes em face de ALESSANDRA R., filha do de cujus WILSON N., julgou improcedente apresente ação. Por fim, condenou a parte autora ao pagamento de custas processuais (proporcionais) e dos honorários, os quais fixo em R$ 2.000,00, na forma do artigo 85, §8º, do NCPC, restando suspensa a exigibilidade dos encargos com relação às autoras Aline e Andréa, em razão da gratuidade.

Em razões (evento 139 - origem), os apelantes asseveraram que a sua genitora conviveu em união estável com o Sr. Wilson por 32 anos, até o seu falecimento, ocorrido em 2017. Referiram que o falecido exerceu a função paterna, dando-lhes amor, carinho, conforto, educação, frequentando reuniões de colégio, levando-os ao médico e participando ativamente da vida dos demandantes. Destacaram que, em inúmeras oportunidades, fora suscitada a intenção de Wilson e dos próprios autores em incluir o sobrenome Nunes nos seus documentos oficiais, porém, diante da doença do de cujus, os mesmos foram deixados para depois. Alegaram que, em 2009, fora promulgada a Lei nº 11.924/2009, abrindo a possibilidade da multiparentalidade, porém, nesta época, o falecido já estava doente, sofrendo o primeiro AVC em 2008, não sendo possível ingressar com ação para inclusão/reconhecimento do Sr. Wilson como pai dos demandantes. Pontuaram que conviveram por 32 anos com Wilson, de modo que nada mais justo a sua inclusão como pai na Certidão de Nascimento dos demandantes. Requereram o provimento do recurso, a fim de que seja julgada procedente a presente ação de paternidade socioafetiva post mortem.

Em contrarrazões (evento 143 - origem), a apelada suiscitou, preliminarmente, preliminares de ausência de preparo em relação ao apelante Fábio, bem como de razões dissociadas da sentença, configurando litigância de má -fé, interpondo recurso meramente protelatório, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

A Procuradora de Justiça, Dra. Josiane Superti Brasil Camejo, em parecer de evento 8 destes autos, opinou pelo acolhimento da preliminar, a fim de intimar o apelante Fábio para efetuar o preparo, o desacolhimento das demais preliminares e pelo desprovimento do recurso.

A preliminar de intimação do apelante FÁBIO para que efetuasse o preparo restou acolhida (evento 10 destes autos), tendo sido cumprida a determinação.

É o relatório.

VOTO

Conheço o presente recurso, pois atendidos os requisitos legais de admissibilidade, sobretudo porque efetuado o preparo pelo apelante FÁBIO.

Inicialmente, não merece prosperar as preliminares arguidas em contrarrazões, alegando que as razões recursais estão dissociadas da sentença recorrida, bem como que os demandantes interpuseram o presente recurso de apelação com intuito meramente protelatório, pois se encontram na possse de bens arrolados no inventário.

No caso, a peça observa adequadamente todos os requisitos previstos na legislação processual civil, nos moldes do artigo 1.016, mormente no inciso III, tendo sido devidamente deduzidas as razões recursais.

Assim, perfeitamente compreensível a irresignação recursal, que trata da discussão acerca do reconhecimento da paternidade post mortem.

Já no que se refere ao pedido de condenação dos apelantes em litigância de má-fé, em razão da interposição de recurso meramente protelatório, tenho que não deve ser acolhido, eis que é garantia constitucional às partes postularem o que entenderem por direito, de modo que a interposição de recurso visando alterar a sentença que julgou improcedente a ação por eles ajuizada não caracteriza as hipóteses previstas no artigo 80do CPC/2015, a ensejar em multa como postulado pela recorrida.

Para corroborar:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. PRELIMINARES REJEITADAS. DECISÃO AGRAVADA QUE REMETEU O QUESTIONAMENTO CONCERNENTE À PRESTAÇÃO DE CONTAS ÁS VIAS ORIGINÁRIAS E INDEFERIU OS PEDIDOS DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ E DE FIXAÇÃO DE ALUGUERES. MANUTENÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INOCORRÊNCIA. 1. Considerando que a decisão interlocutória proferida em inventário é atacável por agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único, do CPC) e que a parte agravante apresentou as razões pelas quais entende deva ser reformada, atendendo, dessa forma, ao disposto no art. 1.016, III, do CPC, não há que se falar em violação ao princípio da dialeticidade. Preliminares rejeitadas. 2. No caso, é irretocável a decisão vergastada que indeferiu o pedido de expedição de alvará para a transferência da cota parte do falecido em relação ao imóvel prometido à venda, em vida, por ele e sua então esposa, uma vez que, como explicitado pelo juízo de origem, compete à inventariante, como representante e administradora do espólio, requerer essa providência, e não aos herdeiros, e desde que comprovada a quitação do preço ajustado pelos contratantes e o adimplemento dos tributos. 3. Por isso, é descabida a pretensão de divisão desse bem, visto que, como dito, prometido à venda em vida pelo inventariado. 4. Identicamente, considerando que não há provas de que o imóvel litorâneo é ocupado exclusivamente pela viúva e que, quanto aos outros dois imóveis, um está locado (com ordem judicial de depósito em juízo dos locativos) e o outro serve de moradia ao cônjuge sobrevivente, na forma do art. 1.831 do CCB, ante o direito real de habitação que lhe é assegurado, não há que se falar em arbitramento de alugueres. 5. Com relação à prestação de contas, na linha da decisão vergastada, considerando que os herdeiros questionam os valores (como os pagos às cuidadoras, v. g.) e a natureza das despesas (algumas seriam pessoais da inventariante, e não do espólio), há necessidade de dilação probatória, com o que tais questões devem ser dirimidas em ação própria. 6. Não se encontra ocorrente situação para autorizar a condenação da recorrida por litigância de má-fé. PRELIMINARES REJEITADAS. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 70077507267, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em: 30-08-2018) – grifei

Deste modo, rejeito as preliminares arguidas em contrarrazões e passo à análise de mérito.

O presente recurso tem por objetivo a reforma da sentença proferida pelo juízo de origem que, nos autos da ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva post mortem ajuizada pelos demandantes, julgou improcedente a presente ação.

Com efeito, o artigo 42, § 6º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, preconiza que a “a adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença”.

A inequívoca vontade do de cujus em adotar deve observar as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva. E as ações pautadas na socioafetividade ensejam minuciosa análise do substrato probatório, especialmente diante da diversidade de realidades fáticas dos núcleos de convivência, havendo necessidade de incontestável comprovação dos elementos caracterizadores da referida parentalidade, quais sejam, o nomem – utilização do sobrenome paterno; o tratactus – pessoa deve ser tratada e educada como filho; e a reputatio – reconhecimento pela sociedade e pela família na condição de filho, em que pese possam ser feitas certas relativizações.

No caso dos autos, os demandantes ANDREA, FÁBIO e ALINE ajuizaram a presente demanda, a fim de ver reconhecida a paternidade socioafetiva do de cujus WILSON N., companheiro de sua genitora, falecido em 05/09/2017 (fl. 3 do evento 1 - OUT - INST PROC7 - origem). Explicaram que o seu genitor, Sr. Luiz, abdicou da obrigação de pai, ao passo que o Sr Wilson conviveu em união estável com a sua genitora por 32 anos, até o seu falecimento, exercendo a figura paterna.

Outrossim, juntou fotografias de momentos com o falecido.

Por outro lado, a demandada, filha do falecido, alegou que o de cujus nunca adotou qualquer providência para reconhecer os autores como filho, inclusive porque já são registrados em nome do pai biológico, devendo ser respeitada sua vontade.

Em relação às oitivas das testemunhas, transcrevo trecho da sentença que bem analisou o ponto:

Ione - irmã do de cujus. Declarou que conheceu os autores pequenos, pois viviam com o seu irmão. Disse que são filhos do seu irmão também, pois ele os criou. Acrescentou que Aline o chamava de pai e Wilson os chamava de filhos.

Luiz carlos - primo do de cujus. Conheceu os autores em meados dos anos 80. Disse que Wilson tinha uma relação de pai com os autores, que os chamavam de pai. Referiu que Wilson chamava os autores pelo nome e participava da vida escolar destes. Confirmou que o pai biológico dos autores se omitiu após a separação, não sabendo de pagava pensão. Informou que Wilson tinha grau de instrução primário e nunca comentou que tinha intenção de adotar os autores.

- Jane - vizinha da família. Afirmou que a relação do de cujus com os autores era muito familiar. Disse que autores chamavam Wilson de pai e apresentavam a ré como irmã. Confirmou que autores não tinham contato com o pai biológico e somente Andrea manteve algum contato quando ele ficou doente, pouco antes de morrer. Afirmou que Andrea também sempre manteve contato com o de cujus. Disse, ainda, que Wilson participava da vida escolar dos autores. Esclareceu que Wilson foi pai presente na vida da ré...

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