Acórdão nº 50221588520228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo50221588520228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001718886
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5022158-85.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Decorrente de violência doméstica (art. 129, §§ 9º e 11)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: ANTONIO FLAVIO DE OLIVEIRA (DPE)

ADVOGADO: CRISTIANO VIEIRA HEERDT (DPE)

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, impetrou a presente ordem de habeas corpus em favor de MÁRCIO LEÔNIDAS FERNANDES, apontando como autoridade coatora o JUÍZO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CAMPO BOM.

Relatou a impetrante, em apertada síntese, que o paciente foi preso preventivamente, pela suposta prática dos delitos de lesão corporal, dano, ameaça e injúria, todos no âmbito da violência doméstica.

Sustentou a carência de fundamentação da decisão que decretou a segregação do paciente, apontando a ausência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, e por estar baseada no perigo abstrato do delito, sem elementos do caso concreto.

Referiu que a prisão preventiva não pode configurar cumprimento antecipado de eventual condenação, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência.

Salientou que o flagrado possui bons antecedentes, endereço fixo e trabalho, sendo cabível a substituição da segregação por medidas cautelares diversas.

Destacou que os delitos imputados ao paciente possuem penas máximas não superiores a 4 (quatro) anos, sendo que, isoladamente, não autorizariam a decretação da prisão preventiva, uma vez que não há notícia prévia do deferimento das MPU.

Pugnou, liminarmente, a concessão de liberdade ao paciente e no mérito, a concessão definitiva da ordem.

O pleito liminar restou indeferido (evento 5, DESPADEC1).

O Ministério Público ofertou parecer, através da douta Procuradora de Justiça, Dra. Jacqueline Fagundes Rosenfeld, pela denegação da ordem (evento 12, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor do paciente preso preventivamente pela suposta prática dos crimes de lesão corporal, dano, ameaça e injúria, todos no âmbito da violência doméstica.

Examinando os autos, concluo pela denegação da ordem.

Com efeito, analisando os elementos de convicção ora apresentados, não identifico a ilegalidade na decisão que converteu a prisão em flagrante do paciente em preventiva, tampouco na que indeferiu a pretensão revogatória da segregação.

Como se sabe, o habeas corpus é garantia constitucional fundamental (art. 5º, LXVIII, CF), com previsão, também, no Código de Processo Penal no artigo 647 e seguintes.

Tem por finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou a restrição da liberdade de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder, mediante ação autônoma, denominada, conforme a melhor doutrina, de ação constitucional.

O artigo 648 do Código de Processo Penal, arrola as hipóteses em que o writ será passível de concessão. Em que pese a discussão doutrinária a respeito de ser esse rol taxativo ou exemplificativo, a verdade é que o mandamento do inciso I (quando não houver justa causa) poderia abarcar todas as demais situações legais.

Na hipótese em julgamento, tanto a decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva (i), quanto a que indeferiu o pleito revogatório da segregação, em audiência (ii), de lavra dos Juízes de Direito, Dr. Leandro Preci e Dra. Greice Witt, respectivamente, encontram-se sobejamente motivadas, em observância ao disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, como se pode constatar de suas transcrições, in verbis:

(i). "Vistos etc. em regime de plantão.

Narra o expediente que SOLANGE LEMES DA SILVA, após diligências da BM que resultaram na prisão em flagrante de MÁRCIO LEÔNIDAS FERNANDES, compareceu à Delegacia de Polícia e requereu a aplicação de algumas das medidas específicas de proteção elencadas na Lei nº 11.340/06 contra MÁRCIO LEÔNIDAS FERNANDES, seu ex-companheiro.

Foram colhidas declarações da vítima, e demais participantes do APF, fls.

O flagrado permaneceu em silêncio.

Com vista, o MP requereu a prisão preventiva do flagrado.

Com vista, a DPE requereu a liberdade provisória do flagrado.

Vieram os autos conclusos em regime de plantão.

É o sucinto relatório. Decido.

DO APF:

A prisão foi efetuada legalmente e na forma preconizada pelo inciso IV, do art. 302 do Código de Processo Penal.

Não existem, portanto, vícios formais ou materiais que venham a macular a peça, razão pela qual REPUTO VÁLIDO o auto de prisão em flagrante de MÁRCIO LEÔNIDAS FERNANDES.

1 – DA PRISÃO PREVENTIVA:

No caso dos autos, verifica-se que a prisão postulada se faz necessária neste momento, como veremos.

Com o advento da Lei 12.403/11 e do "pacote anticrime" de 2019, o sistema processual penal sofreu enormes mudanças, especialmente no que diz respeito a prisão cautelar.

Dessa forma, diante da análise acurada dos autos, percebe-se que se vislumbram motivos para a DECRETAÇÃO da prisão de MÁRCIO LEÔNIDAS FERNANDES.

É que, a princípio, a liberdade do preso representará risco à garantia da ordem pública, à conveniência da instrução criminal, à aplicação da lei penal e principalmente à integridade física da ofendida e dos familares desta.

Outrossim, tenho que “In casu”, as medidas protetivas requeridas [afastamento do lar, proibição de aproximação e contato] não se mostram suficientes isoladamente, porquanto se depreende pelo rol de antecedentes policiais do agressor que anteriormente outros procedimentos penais envolvendo violência doméstica e familiar já foram registrados contra o mesmo – todavia não se mostraram suficientes para evitar a reiteração de conduta violenta contra a mulher/ofendida.

Logo, verifica-se que a medida de prisão preventiva é necessária neste momento processual.

Dessa feita, entendo que a medida de prisão mostra-se necessária, adequada e proporcional, sendo incabível in casu quaisquer das outras medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, por ora.

Nesse sentido:

HABEAS COUS. LESÃO COORAL EM CONTEXTO DOMÉSTICO E FAMILIAR CONTRA A MULHER. CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. 1. CUSTÓDIA PROVISÓRIA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. Decisão que converteu a prisão em flagrante do paciente em segregação preventiva devidamente fundamentada na garantia da ordem pública, haja vista a gravidade concreta das condutas e o risco à integridade física da vítima. Contundentes indicativos de que o coacto é pessoa sem freios e que, em liberdade, poderá colocar em risco a ordem pública e a integridade física de Marlise. Isso porque há notícia de que o constrito, com visíveis sinais de embriaguez, agrediu a vítima com socos, bem ainda a ameaçado de morte, caso fosse preso. Trata-se da apuração, portanto, de crimes graves, pois envolve a violência doméstica contra a mulher no Brasil. É sabido que a violência contra as mulheres, por razões de gênero, é um fenômeno estrutural e institucional, com causas múltiplas, entre as quais o sistema patriarcal e a cultura machista, fomentadores da imposição de papéis distintos a homens e mulheres. Em se tratando de violência doméstica, a tendência é que ocorra agravamento das agressões (ciclo da violência), as quais têm início com ofensas, humilhações, controle das roupas, do patrimônio e da liberdade da mulher, com progressão para ameaça, violência física e, por fim, o feminicídio, o qual poderia ser evitado em muitos casos, se não houvesse conivência institucional e social diante das discriminações e violências praticadas contra as mulheres em razão do gênero. Destaco que é de conhecimento público a problemática que envolve a questão da violência doméstica em nosso país, sendo alarmantes os números de agressões e de homicídios praticados contra mulheres, quase em sua maioria no âmbito do lar e decorrentes de relacionamentos abusivos. Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2019, uma mulher foi vítima de agressão a cada 2 minutos e um estupro ocorria a cada 8 minutos (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2020). Antes de que a vida de uma mulher seja retirada por aquele com quem alguma vez se relacionou afetivamente, cabe ao Poder Judiciário empreender todos os esforços para conter o ímpeto criminoso de homens violentos, indicando a eles que, se não compreendem a igualdade de gênero, inclusive constitucionalmente garantida. Não se pode esperar que “meras importunações” e ameaças de morte, transmutem-se em agressões físicas e estas, ao fim, tornem-se tão comuns que o autor possa chegar ao ponto de ter desprezo pela vida da vítima, concluindo que dela pode dispor como se nada valesse, quando bem entender, tudo isso reflexo do patriarcalismo, caracterizado pela necessidade de controle social e exercício da autoridade do homem sobre mulher, em função dos papéis de gênero que foram culturalmente atribuídos a cada sexo. Quantas “Marias” (da Penha) precisarão existir, paralíticas, paraplégicas, queimadas, com mãos decepadas, agredidas em frente aos filhos, para que se possa compreender que nenhum tipo de agressão contra a mulher pode ser tolerado? Elementos que, em análise conjunta, deixam assente a gravidade concreta das condutas e o perigo gerado pelo estado de liberdade do coacto e, por conseguinte, a necessidade de manutenção da prisão preventiva para garantia da ordem pública. Fumus comissi delicti e periculum libertatis presentes. Requisitos dos artigos 312 e 313, ambos do Código de Processo Penal, atendidos. Observância dos preceitos contidos no artigo 315 do Código de Processo Penal. Constrangimento ilegal não evidenciado. 2. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA EX OFFICIO. a ordem judicial que encontra previsão no artigo...

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