Acórdão nº 50221907220218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 03-11-2022

Data de Julgamento03 Novembro 2022
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50221907220218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002599283
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5022190-72.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: IPTU/ Imposto Predial e Territorial Urbano

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSE MOESCH

APELANTE: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE (RÉU)

APELADO: ASSOCIACAO CRUZEIRAS DE SAO FRANCISCO - ACSF (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE contra a sentença que, nos autos da ação declaratória ajuizada por ASSOCIAÇÃO CRUZEIRAS DE SÃO FRANCISCO - ACSF, julgou procedente o pedido, declarando a imunidade tributária em benefício da autora sobre os imóveis com inscrição municipal 245755, 8077037, 8077096, 8077118, 8077126, 8077134, 8077142, 6753019, 6753027, 9274898, 384747, 388068, 452556, 7107692, 7106254, 1216880, 1244132, 5570514, 3533328, 1792849, 1885189, 1927736, 1925350, 1925369, 1925377, 6295584, 6295568, 6295592, 6295622, 6295649, 6295665, 6295533, 6295673, 6295703, 6295738, 6295754, 6295827, 6295924 e 1101498, relativamente ao IPTU, com fundamento no art. 150, inciso VI, alínea 'c', da Constituição Federal. Condenou o Município ao pagar as despesas processuais e aos honorários advocatícios da parte adversa, fixados em 15% sobre o valor atualizado da causa.

Em suas razões recursais, o apelante argui preliminar de cerceamento de defesa, em razão do indeferimento da prova pericial, que objetivava a examinar se estariam presentes os requisitos à concessão da imunidade, especialmente a destinação dos imóveis em conformidade com as finalidades essenciais da autora. Quanto ao mérito, sustenta que a sentença merece reforma, pois a concessão da imunidade depende do exame das finalidades às quais ela está vinculada. Assevera que "utilizar a imunidade como escudo para a prática de atividades cuja finalidade não se conhece ou não esteja comprovada nos termos do artigo 14 do CTN é uma conduta que não encontra amparo na Constituição." Requer, ao final, o provimento do apelo e inversão dos ônus sucumbenciais.

Foram apresentadas as contrarrazões.

Neste grau de jurisdição, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo.

Vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas.

Recebo o recurso, porquanto cabível e tempestivo, preenchendo os requisitos previstos nos arts. 1.003, § 5º, e 1.010 do CPC.

Preliminarmente, alega a ora apelante, a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, devido ao indeferimento da realização de prova pericial, a fim de verificar a destinação dos imóveis objeto de tributação.

Adianto que lhe assiste razão.

Como já decidiu o colendo STJ:

"Deve-se ensejar a produção de provas sempre que ela se apresentar imprescindível à boa realização da justiça."

(RSTJ 26/378).

"Constitui cerceamento de defesa o julgamento sem o deferimento de provas pelas quais a parte protestou especificamente; falta de prova de matéria de fato que é premissa de decisão desfavorável àquele litigante.”

(RSTJ 3/1025).

“Fazendo-se mister, ao deslinde da causa, a produção de provas oportuna e fundamentadamente requeridas, o julgamento antecipado da lide implica cerceamento de defesa.

(RESP 45.665-7/RJ)

A Constituição Federal apresenta o contraditório e a ampla defesa como princípios basilares do Direito, estatui em seu artigo 5º, inciso LV:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Assim, existindo a necessidade de dilação probatória para a aferição de aspectos relevantes da causa, o julgamento antecipado da lide importa violação desse princípio.

Na lição de Rui Portanova (PRINCÍPIOS, p. 125-127), "a defesa não é uma generosidade, mas um interesse público. Para além de uma garantia constitucional, de qualquer país, o direito de defender-se é essencial a todo e qualquer Estado que se pretenda minimamente democrático. (...) o princípio da ampla defesa, para atender perfeitamente aos termos constitucionais, mais do que nunca, deve ser cuidadosamente informado pelo princípio da efetividade social do processo. Exige-se interpretação a mais abrangente possível. Não basta só o direito de defender-se; é indispensável, para que a defesa seja plena, que a parte tenha a liberdade de oferecer alegações e meios de uma defesa efetiva. Só assim ter-se-á certa paridade de partes no processo".

Ainda, com o eminente Rui Portanova, em obra notória à p. 161, “o contraditório assenta-se em fundamentos lógico e político. A bilateralidade da ação (e da pretensão) que gera a bilateralidade do processo (e a contradição recíproca) é o fundamento lógico. O sentido de que ninguém por ser julgado sem ser ouvido é o fundamento político. Sustentado sobre esses dois pilares, o princípio dinamiza a dialética processual e vai tocar, como momento argumentativo, todos os atos que preparam o espírito do juiz”.

Diz Araken de Assis, que muito honrou esta Corte de Justiça e hoje honra a Advocacia brasileira, na obra “Manual do Processo de Execução”, p. 998, com a habitual precisão, que “um dos princípios fundamentais do processo civil é a bilateralidade de audiência. Ele significa que a prestação jurisdicional reclamada pelo autor não lhe será apresentada, quando mais efetivamente entregue com a blindagem da indiscutibilidade, antes de prévia audiência do réu”.

Passo a análise do caso concreto.

ASSOCIAÇÃO CRUZEIRAS DE SÃO FRANCISCO ajuizou ação declaratória contra o MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE, a fim de ver reconhecida a imunidade tributária com base no art. 150, VI, “c” da Constituição Federal c/c art. 14 do CTN, com a consequente anulação dos os débitos de IPTU de diversos imóveis de sua propriedade, relativos ao exercício de 2021.

Instadas as partes sobre as provas a serem produzidas, a autora postulou o julgamento do feito no estado em que se encontrava e o réu requereu a produção de prova pericial, a fim de verificar se os bens estariam sendo efetivamente utilizados nas atividades institucionais de assistência social, educacional desenvolvidos pela autora ( Evento 26, PET1 e Evento 28, PET1 dos autos de origem).

A prova requerida pelo réu foi indeferida pelo juízo, sob os seguintes fundamentos:

"Vistos.

Ocorre que milita em favor de entidade de assistência social, sem fins lucrativos, a presunção de que os imóveis adquiridos estão relacionados com as finalidades da referida entidade, descabendo à municipalidade furtar-se de conceder a exoneração e abrir o correlato processo administrativo para apurar se o imóvel teve a destinação que lhe assegura o benefício. E a ação fiscal deve se dar fora do processo judicial, não havendo lugar para distribuir ônus probatório ao réu para que este demonstre, no âmbito do processo judicial, o desvio de finalidade do imóvel adquirido.

A parte autora é proprietária de imóveis, presumindo-se a utilização em suas finalidades institucionais, cabendo ao Fisco a prova em contrário através de procedimento administrativo, conforme jurisprudência do STF.

Dessa forma, militando em favor da entidade de assistência social o direito à imunidade, não pode o Município de Porto Alegre/RS frustrar o benefício e obrigar a autora a manejar ação judicial a cadaexercício, transferindo o ônus de comprovar em desfavor de quem está estabelecida a presunção, bem como furtando-se de apurar, em processo administrativo, a destinação do patrimônio às finalidades essenciais, nos moldes do § 4º do art. 150 da CF.

Logo, não há viabilidade jurídica de produzir prova, em processo judicial, em substituição ao necessário processo administrativo.

INDEFIRO, por tais motivos, a produção da prova pericial pretendida pelo réu.

Intimem-se.

Superado prazo recursal, abra-se vista dos autos ao Ministério Público."

Após manifestação do Ministério Público pela não intervenção no feito, sobreveio a sentença de procedência proferida na origem, sob o fundamento de que:

" (...) demonstrando a associação autora que está cadastrada no Conselho de Serviço Social, com certificação válida como entidade beneficente de assistência social – havendo protocolo de renovação no prazo legal, a pretensão merece juízo favorável.

Reserva-se à autoridade tributária exigir, em ação fiscal própria, a comprovação dos requisitos do art. 14 do CTN, bastando à pessoa jurídica que almeja a imunidade sob tal fundamento apenas comprovar a sua qualidade de ser instituição de assistência social, atestada na forma da lei. Descabe, à evidência, inverter o ônus probatório, e impor à pessoa jurídica dessa natureza (entidade beneficente de assistência social) o dever de comprovar, a cada aquisição imobiliária, no caso de ITBI, ou a cada exercício fiscal, no caso do ITPU, os requisitos do mencionado art. 14, conduta que é própria da fiscalização tributária que outorga a imunidade em caráter precário."

Pois bem.

A imunidade às instituições de assistência social sem fins lucrativos está prevista no art. 150, inciso VI, alínea ‘c’, da Constituição Federal, nos seguintes termos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI – instituir impostos sobre:

(...)

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.

(...)

§ 4º - As vedações expressas no inciso VI,...

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