Acórdão nº 50222184020218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 01-06-2022

Data de Julgamento01 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50222184020218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001767407
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5022218-40.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias

RELATOR: Desembargador NEWTON LUIS MEDEIROS FABRICIO

APELANTE: ZEE DOG S.A. (IMPETRANTE)

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Trata-se apelação interposta por ZEE DOG S/A, em face da sentença prolatada nos autos do mandado de segurança impetrado contra ato do SUBSECRETÁRIO DA RECEITA ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL, que indeferiu a inicial, julgando extindo o feito, com base no art. 485, I, do CPC.

Em suas razões, assevera a apelante, preliminarmente, a nulidade da sentença, por ter havido ofensa ao princípio da não-surpresa. No mérito, refere, em apertada síntese, que o STF julgou que, para a regularização do DIFAL, é necessária a edição de Lei Complementar, e modulou os efeito da decisão, ressalvando as ações já em curso. Sustenta que o mandamus foi impetrado em 03/03/2021, mesma data em que foi publicada a ata de julgamento do leading case. Cita julgados sobre o tema. Menciona que não pode ter o tributo exigido contra si. Requer o deferimento da tutela de urgência e o provimento do recurso.

Foram apresentadas as contrarrazões.

O Ministério Público deste grau de jurisdição opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço da apelação.

A parte autora impetrou mandado de segurança objetivando o afastamento da exigência do diferencial de alíquotas pelo Fisco do Estado do Rio Grande do Sul, em operações de vendas interestaduais de mercadorias a consumidores finais, enquanto não editada lei complementar regulamentando a Emenda Constitucional nº 87/2015.

O Juízo a quo indeferiu a inicial, sob o fundamento de que o presente writ foi impetrado após o julgamento da Tese pelo STF, não estando abarcado nos casos da moduação dos efeitos, inexistindo, assim violação a direito líquido e certo.

Pois bem.

Adianto que merece ser acolhida a preliminar suscitada pela apelante de nulidade da sentença.

Como é sabido, a ampla defesa e o contraditório constituem um dos direitos fundamentais previstos no art. 5º, LV, da Constituição Federal.

Da mesma forma, o Código de Processo Civil veda a adoção de decisões surpresas, devendo ser assegurado às partes o direito à manifestação prévia acerca de todas as questões suscitadas no processo.

Assim estabelece o artigo 9º do CPC:

Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:

I - à tutela provisória de urgência;

II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III ;

III - à decisão prevista no art. 701.

Ainda, reforça:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Ao comentar a norma legal, os doutrinadores Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam que a proibição de decisão surpresa no processo decorre diretamente da cláusula do devido processo, integrante do princípio do due process of law (CF 5.º LIV), e do princípio do contraditório (CF 5.º LV), sendo essa proteção um aspecto especial da garantia constitucional do contraditório.

Ainda, o art. 10 da Lei 12016/2009 autoriza o indeferimento da inicial do mandado de segurança quando faltarem requisitos legais, como, por exemplo, legitimidade do impetrante, decadência, dentre outros. Nesses casos, o juiz extingue o processo sem resolução de mérito, ou seja, sem analisar o direito alegado como fundamento da impetração.

Importante registrar que o artigo supra não poderá servir de fundamento para julgamento que conclui pela inexistência de direito da impetrante.

Compulsando os autos, verifico que o presente writ não foi impetrado contra lei em tese, além de não estar sendo utilizado para questionar atos normativos de efeitos abstratos, o que seria vedado em nosso ordenamento jurídico.

Assim, cabe desconstituir a sentença, a fim de que o mandamus seja procedimentalizado.

Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. RAZÕES DE MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ 1. O Superior Tribunal de Justiça possui orientação consolidada de que é inadmissível o indeferimento da petição inicial do mandado de segurança com base em questões de mérito. Precedentes.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt nos EDcl no RMS 46.264/RO, Rel.
Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 14/06/2021)

Por fim, quanto ao pedido de deferimento da tutela de urgência, não prospera, tendo em vista a ausência da probabilidade do direito.

Com efeito, no julgamento em conjunto da ADI nº 5.469 e do RE nº 1287019 (com repercussão geral), Tema n° 1093 do STF, debateu-se a necessidade de edição de lei complementar a ensejar a cobrança da Diferença de Alíquotas do ICMS (DIFAL) nas operações interestaduais envolvendo consumidores finais que não são contribuintes do imposto, nos termos da EC n° 87/2015.

De acordo com o Relator, Min. Marco Aurélio Mello, ao definirem os elementos essenciais da cobrança do Diferencial de Alíquota do ICMS através do convênio no CONFAZ, os Estados e o Distrito Federal apropriaram-se da competência da União, a quem cumpre a edição de norma geral sobre o tema, nos termos do que dispõe a Constituição Federal, nos artigos 146, I e II e 155, §2º, XIII, in verbis:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

(...)

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...)

XII - cabe à lei complementar:

a) definir seus contribuintes;

b) dispor sobre substituição tributária;

c) disciplinar o regime de compensação do imposto;

d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços;

e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, "a"

f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias;

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso

i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço

Com isso, o STF firmou a tese no sentido de que A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais”.

Com efeito, a decisão supra produz efeito vinculante e eficácia erga omnes desde a publicação da ata de julgamento, revelando-se desnecessário aguardar o trânsito em julgado. Isto porque, embora pendente de publicação do paradigma em questão, o Supremo Tribunal Federal já consolidou o entendimento de que “a ausência de publicação ou do trânsito em julgado do paradigma não constitui obstáculo processual ao imediato julgamento monocrático da causa. A propósito, a jurisprudência do STF possui entendimento no sentido de que a existência de precedente firmado pelo Plenário autoriza o julgamento imediato de causas que versem o mesmo tema” (AI 856786 AgR-terceiro, Relator. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 27/04/2018).

Importante registrar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal aprovou, por maioria dos votos, a modulação de efeitos, para que o aludido julgamento produza efeitos a partir de 1º/01/2022 (exercício seguinte à data do julgamento), ficando ressalvados os direitos dos contribuintes que já possuíam ações judiciais em curso, não sendo este o caso dos autos, visto que o mandado de segurança foi impetrado em 03/03/2021, conforme se infere do evento 1 dos autos originários, e o julgamento no Supremo Tribunal Federal ocorreu em 24/02/2021.

Assim, cabe indeferir a tutela de urgência, pois o caso em análise não se enquadra como sendo "ação em curso" para que seja aplicada a modulação da tese do Tema nº 1.093 do STF.

Ante o exposto, VOTO POR DAR PROVIMENTO ao apelo para desconstituir a sentença.



Documento assinado eletronicamente por NEWTON LUIS MEDEIROS FABRICIO, Desembargador Relator, em 1/6/2022, às 18:32:33, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc2g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 20001767407v12 e o código CRC bdea7496.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): NEWTON LUIS MEDEIROS FABRICIO
Data e Hora: 1/6/2022, às 18:32:33



Documento:20002063065
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