Acórdão nº 50223345920208210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 06-02-2023

Data de Julgamento06 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50223345920208210008
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003076150
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5022334-59.2020.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: MARADIONE BENDIK TROMBETTA (AUTOR)

APELADO: BANCO DO BRASIL S/A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por MARADIONE BENDIK TROMBETTA em face da sentença prolatada nos autos da ação declaratória de inexigibilidade de débito com pedido de indenização por danos morais em que contende com BANCO DO BRASIL S/A. Constou na sentença apelada (Evento 47):

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos.

Sucumbente, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios da parte adversa, os quais, ante a simplicidade da causa e o trabalho desenvolvido, observados os parâmetros do art. 85, § 2º, do CPC, aplicáveis à espécie, fixo em 10% sobre o valor dado à causa, atualizados monetariamente pelo IGP-M desde a data de publicação desta sentença, e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, contados do trânsito em julgado, restando suspensa a exigibilidade de tal condenação por ser beneficiária da gratuidade da justiça.

Intimem-se.

Posteriores embargos de declaração opostos pela parte autora foram desacolhidos (Evento 55).

Em suas razões recursais, a parte apelante sustenta, preliminarmente, a nulidade da sentença recorrida, ao argumento de que esta apresenta fundamentação dissociada dos fatos. Ressalta que a situação dos autos atine a golpe efetivado por meio de ligação telefônica, a qual refere ter sido realizada pelo mesmo número telefônico informado pelo banco réu. Explana que, em tal telefonema, foi solicitado que ela efetuasse procedimento de segurança em terminal de autoatendimento da instituição financeira ré. Assevera que tal golpe de engenharia social burlou os sistemas de segurança do demandado, porquanto alega que os falsários tiveram acesso aos seus dados pessoais e bancários e à informação de que seu cartão já havia sido clonado no mês de outubro de 2020. Preconiza que os golpistas utilizaram seu plástico de maneira atípica, em valor superior à média mensal por ela usada, sem qualquer autorização/confirmação para tanto solicitada pela parte ré. Alude a existência de vícios na sentença recorrida. Pondera que não houve menção de ressarcimento do valor de R$ 14.700,00 cobrado na fatura com vencimento em janeiro de 2021. Aduz que a sentença é contraditória quando assenta que "o cartão utilizado para as compras impugnadas era dotado de chip e sua utilização se dava mediante o emprego obrigatório de senha”, salientando que não se encontra em debate no feito furto/roubo ou entrega do plástico a terceiro. Destaca que nem sempre é necessária a apresentação de senha ou chip para a utilização da tarjeta. Afirma que a sentença é omissa no tocante à alegação de que a ligação dos fraudadores teria sido realizada pelo número 4004 - 0001. Alude a existência de contradição quanto ao ônus da prova. No mérito, defende a inexistência de análise do nexo causal decorrente da fraude praticada pelos estelionatários. Enfatiza que havia a necessidade de autorização da operação em seu cartão de crédito, alegando que esta fora efetuada em montante maior que o comumente por ela praticado e fora do seu limite de crédito. Reitera a existência de falha na prestação de serviços da instituição bancária ré. Relata que paga anuidade e proteção ouro de sua conta bancária e cartão de crédito com o intuito de servir de proteção em casos de fraude. Requer a procedência da ação. Pede provimento (Evento 60).

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 61, nas quais a parte ré preliminarmente, impugna o benefício da gratuidade judiciária concedido à parte autora, postulando a revogação deste.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação, interposta no Evento 60 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 03/03/2022 e findou em 23/03/2022 (Evento 56), sendo que o recurso foi interposto no dia 16/03/2022 (Evento 60). Além disso, a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária (Evento 3). Dessa forma, considerando que é própria e tempestiva, recebo a apelação, a qual passo a examinar.

1. PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA. DESCABIMENTO.

Quanto ao pedido de revogação da gratuidade da justiça deferida à parte autora formulado pelo demandado, tenho que razão não lhe assiste.

Senão vejamos.

Quando o benefício da gratuidade judiciária for deferido, a eficácia da sua concessão prevalecerá, independentemente de renovação do pedido, em todas as instâncias e para todos os atos do processo, alcançando, inclusive, as ações incidentais ao processo de conhecimento, os recursos, assim como o subsequente processo de execução e eventuais embargos à execução.

Assim, depois de haver a concessão do benefício, este irá perdurar automaticamente até o final do processo e só perderá sua eficácia se o juiz ou o Tribunal expressamente o revogarem, caso haja comprovada alteração da situação econômico-financeira do beneficiário, se produzidas provas em sentido contrário ou se demonstrada a concessão indevida pela parte que impugnar o beneplácito.

No caso em tela, foi deferido o benefício da gratuidade judiciária à demandante na decisão proferida no Evento 3, com base nos documentos colacionados ao feito no Evento 1, o que restou confirmado em sentença.

Ademais, a parte ré sequer impugna especificamente a documentação apresentada pela parte autora. Pelo contrário, afirma que a demandante não apresentou documentos suficientes para comprovar a situação financeira, enquanto esta juntou aos autos o seu contracheque, com a percepção de renda mensal em valor inferior a cinco salários mínimos mensais (Evento 1 - Cheq3).

Destarte, ausente demonstração pela ré da alteração da situação financeira da parte autora, apta a ensejar a revogação do benefício, deve ser tal benesse mantida.

Sendo assim, entendo não ser razoável a revogação do benefício concedido à autora.

Preliminar recursal desacolhida.

2. PRELIMINAR RECURSAL. NULIDADE DA SENTENÇA.

A preliminar recursal de nulidade da sentença arguida pela apelante confunde-se com o mérito e será com ele analisada.

3. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

O entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

No que diz respeito ao contrato de cartão de crédito, da mesma forma, resta induvidoso que as empresas de cartão de crédito são prestadoras de serviços, não só ao titular, pelo credenciamento e abertura de crédito, como também ao fornecedor pelo agenciamento de clientes.

A respeito da normatização dos contratos de cartão de crédito, Sergio Cavalieri Filho refere que:

“(...) Embora não exista lei específica disciplinando a atividade econômica exercida pelas empresas de cartão de crédito, estão elas enquadradas no Código de Defesa do Consumidor no que diz respeito aos limites das cláusulas do contrato que celebram com o titular do cartão, bem como no pertinente à natureza da sua responsabilidade”1.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco, da administradora do cartão de crédito e do estabelecimento comercial é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

“(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos”2.

Nesse sentido, vale reproduzir precedente do Superior Tribunal de Justiça:

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT