Acórdão nº 50223428620228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quinta Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50223428620228210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003336847
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

25ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5022342-86.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador EDUARDO KOTHE WERLANG

APELANTE: CLENER ROSANIA SOARES DORNELLES (AUTOR)

APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por CLENER ROSANIA SOARES DORNELLES, nos autos da ação revisional movida contra o BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S.A. - BANRISUL, da sentença lançada com dispositivo conforme segue (evento 22, SENT1):

DIANTE DO EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora, para o fim de manter as estipulações pactuadas no contrato ora analisado. Condeno a parte autora, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em R$1000,00 (um mil reais) para o procurador da requerida. Suspensa a exigibilidade à parte autora, em razão da AJG.

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

A parte apelante alega, em preliminar, que o contrato acostado não é original e tampouco cópia autenticada impugnando meras tabelas e documentos produzidos pela demandada, arguindo que postulou a revisão de todos os contratos de empréstimo pessoal no período de cinco anos a contar da propositura da ação devendo ser a parte ré intimada a juntá-los com planilha de débito discriminada. Postula a reforma da sentença para: "deferir tutela antecipada à parte autora nos seguintes termos: conceder à parte autora a inversão do ônus da prova em face da hipossuficiência perante a relação de consumo, para que em contestação, o demandado junte aos autos todos os contratos assinados com a parte autora nos últimos 05 anos, comprovação do crédito em conta da autora, apresentando planilha de cálculo contendo os históricos de valores concedidos e pagamentos realizados, sob pena de ser declarada a inexistência de relação jurídica entre os litigantes; deferir a autora depósitos judiciais do valor incontroverso, bem como ser intimado o demandado para que cesse os descontos em folha de pagamento; determinar ordem ao demandado para que se abstenham de apontar o nome da autora em órgãos pertencentes ao sistema de cadastro de crédito (SPC, SERASA, etc.) bem assim de proceder ao apontamento em Cartório de Protestos de Títulos; julgar procedente a presente ação para que: determinar sejam revistas as cláusulas de juros remuneratórios dos contratos de financiamento, acima descritos pela parte autora, considerando todos os contratos assinados com a parte autora nos últimos 05 anos, bem como todos que serão juntados com a defesa, arbitrando-se em substituição, a taxa média de mercado à época da celebração de cada contrato; determinar a exclusão de cláusula de fixação de capitalização mensal de juros, devendo incidir a anual, de acordo com art. 591 do Código Civil; decretar ilegalidade da cobrança de comissão de permanência, uma vez que não é cabível sua incidência cumulada com quaisquer outros encargos contratuais, incluindo-se o da fixação de juros remuneratórios; determinar a não incidência de juros, multa ou quaisquer encargos moratórios, desde que revistas qualquer uma das cláusulas contratuais; decretar a ilegalidade na cobrança de tarifa de cadastro, seguros, consideradas cobrança de despesa administrativa pela concessão do financiamento, por ofensa aos art. 46, primeira parte, e 51, inc. IV, do CDC; deferir a utilização do INP-C como índice de correção monetária, com base na abusividade nas cláusulas contratadas; deferir a compensação em favor da parte autora de valores pagos a maior, para que sirvam de amortização em prestações futuras. E, em não havendo saldo devedor, após recálculo da dívida pelos critérios fixados em respeitável decisão, seja o valor pago a maior repetido à parte autora; deferir a nomeação de perito judicial para apuração/contabilidade de valores a serem devolvidos a parte autora; condenar o réu ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em 20% do valor da causa".

A parte apelada apresentou contrarrazões (evento 30, CONTRAZ1).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço da apelação e passo à respectiva análise.

Preliminares da parte recorrente

A parte alega ausência de comprovação do crédito concedido, reclama do contrato acostado não ser original e tampouco cópia autenticada. No entanto, denota-se pela inicial dos autos de origem que a prova entranhada demonstra terem firmado os contratos em questão (evento 1, OUT6), demonstrando-os por meio do extrato de empréstimo consignado expedido pelo Instituto Nacional de Seguridade Social -INSS. Além disso, inverídica a alegação de que a assinatura do consumidor não consta das cópias juntadas, como se pode verificar do contrato (evento 17, CONTR2). Falta com a verdade ao negar os pactos e mútuos comprovados na lide.

Note-se que por ocasião da contestação, quando a instituição financeira acostou o contrato, a parte autora nada referiu sobre serem inautênticos, anuindo com a documentação, bem como na inicial nada referiu acerca da negativa de existência dos pactos contra os quais insurgiu-se aleatoriamente e com teses abstratas e genéricas, não podendo em grau recursal pretender a declaração de inexistência de relação jurídica entre os litigantes sequer cogitada na inicial revisional de contrato. Os mútusos ocorreram e as irregularidades em nenhum momento ficaram estampadas na contratação ocorrida entre as parte ora litigantes.

No que diz respeito à existência de outros contratos, ainda que os tenha solicitado, limitou-se a discutir de modo genérico que na contestação a instituição financeira tratou do último pacto firmado entre as partes, somente, restando o autor silente relativamente a quais outros pactos refere ter por revisar, porventura existente entre as partes, restando delimitada a controvérsia ao pacto em vigor e não provada a existência de contratação finda e ultrapassada.

Assim, restam afastadas as preliminares.

No mérito

Juros remuneratórios

Os juros remuneratórios constituem fator de remuneração do capital.

Diz o Código de defesa do Consumidor:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

(...)

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

(...)

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

(...)

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

§ 2º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

(...)

Diz a Súmula nº 382 do Superior Tribunal de Justiça-STJ:

“A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.

Diz a Súmula nº 596 do Supremo Tribunal federal-STF:

“As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”

Assim, os juros remuneratórios podem ser livremente pactuados, entretanto a ausência de fixação legal da taxa não significa que a parte mutuante está livre para abusar dos índices e lesar os mutuários, de tal modo que a liberdade para negociação não implique em pacto leonino onde a taxa seja cabalmente abusiva. Tal controvérsia já foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.061.530-RS, sob o rito dos recursos repetitivos, decidindo conforme segue:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO. (...) Neste julgamento, os requisitos específicos do incidente foram verificados quanto às seguintes questões: i) juros remuneratórios; ii) configuração da mora; iii) juros moratórios; iv) inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes e v) disposições de ofício. (...) I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS. a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (...) (REsp 1.061.530/RS, Rel....

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT