Acórdão nº 50225606120158210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segundo Grupo de Câmaras Criminais, 09-12-2022

Data de Julgamento09 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualEmbargos Infringentes e de Nulidade
Número do processo50225606120158210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegundo Grupo de Câmaras Criminais

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003051648
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2º Grupo Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 5022560-61.2015.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio Simples (art. 121 caput)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

EMBARGANTE: FLAVIO DANIEL SANTOS DA ROSA (ACUSADO)

ADVOGADO: TATIANA VIZZOTTO BORSA (OAB RS047419)

EMBARGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

FLAVIO DANIEL SANTOS DA ROSA opôs, por intermédio de defensor constituído, embargos infringentes e de nulidade contra acórdão proferido pelos integrantes da egrégia 3ª Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça.

Na decisão, a 3ª Câmara Criminal, por maioria, votou por negar provimento ao recurso em sentido estrito defensivo e dar parcial provimento ao recurso ministerial, para incluir a qualificadora de perigo comum à pronúncia. Restou vencido o Dr. Leandro Augusto Sassi, que divergiu no tocante à qualificadora, negando provimento ao recurso ministerial.

Em razões, o embargante transcreveu o voto dissidente e requereu a sua prevalência, uma vez que representa a melhor solução para o tema.

Em parecer, a ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Maria Ignez Franco Santos, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento dos infringentes.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas:

Conheço do recurso porque adequado e tempestivo.

O réu foi pronunciado como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal, na forma do artigo 29, caput, do mesmo Estatuto Repressivo.

Dessa feita, o embargante e o Ministério Público recorreram. Por ocasião do julgamento, a 3ª Câmara Criminal, por maioria, votou por negar provimento ao recurso em sentido estrito defensivo e dar parcial provimento ao recurso ministerial, para incluir a qualificadora de perigo comum à pronúncia. Restou vencido o Dr. Leandro Augusto Sassi, que divergiu no tocante à qualificadora, negando provimento ao recurso ministerial.

Primeiramente, por oportuno, ressalto que, nos termos do parágrafo único do artigo 609 do Código de Processo Penal1, a análise da matéria devolvida nos embargos infringentes e de nulidade deve se restringir ao objeto da divergência.

O embargante busca a prevalência do voto proferido pelo Dr. Leandro Augusto Sassi, o qual, pela pertinência transcrevo:

Com a devida vênia, vou divergir da eminente Relatora, apenas em parte, tão somente no que diz com a qualificadora do crime ter sido cometido por meio que resultou perigo comum, afastando-a.

A denúncia afirma que, o crime foi cometido por meio que resultou em perigo comum "(...) visto que os disparos se deram no interior de um coletivo em horário de pico, em uma via pública de grande movimentação e em local com grande quantidade de pessoas, colocando em risco demais transeuntes que se encontravam na localidade e passageiros do coletivo (...)".

Contudo, embora possam atingir outra pessoa que não a vítima visada, os disparos de arma de fogo não apresentam a mesma espécie de perigo que qualifica o delito. Com efeito, a qualificadora se configura quando o agente maneja um meio que, por natureza, tem uma potencialidade lesiva que supera e transcende a pessoa visada e que não se submete a seu total controle, como um incêndio, uma explosão ou uma inundação.

O disparo de arma de fogo, ao contrário, tem objetivo definido, com trajetória retilínea e preconcebida. Não se ignora que os agentes podem errar o alvo e atingirem pessoa diversa, o que, infelizmente, não é incomum. Contudo, para esta hipótese existem as regras do erro de execução, o que não é o caso aqui.

Assim, voto por acompanhar o voto da eminente Relatora, divergindo tão somente no que diz com a qualificadora do perigo comum, a fim de negar provimento ao recurso ministerial.

Rogando a vênia ao Dr. Leandro Augusto Sassi, prolator do voto vencido, tenho que os embargos infringentes e de nulidade não merecem acolhimento. Entendo que deve ser mantido o voto majoritário, de relatoria da eminente Desembargadora Rosane Wanner da Silva Bordasch, que deu provimento ao recurso no ponto, como se pode ver de sua transcrição:

(...)

No que se refere às qualificadoras, havendo sido produzida prova mínima sobre elas, também não podem ser afastadas, tendo em vista que "somente é possível a exclusão das qualificadoras na decisão de pronúncia quando manifestamente improcedentes e descabidas, porquanto o juízo acerca da sua caracterização ou não deve ficar a cargo do Conselho de Sentença" (AgRg no AREsp n. 1.339.038/RS, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 11/12/2018, DJe 4/2/2019).

Nessa direção, entendo que deve ser mantida a qualificadora do motivo fútil, uma vez que há relatos no sentido de que o crime se deu em razão de vingança pela morte de líder vinculado à facção bala na cara e à disputa relacionada ao tráfico de drogas. Da mesma forma, o recurso que dificultou a defesa da vítima, visto que foi atingida de inopino quando viajava em coletivo na cidade.

Quanto ao meio que causa perigo comum, tenho que deve ser acolhido o recurso ministerial. Foram desferidos diversos disparos, dentro de um ônibus coletivo ocupado por outros passageiros, contra vítima, a qual também era envolvida com a criminalidade e estava armada. Assim, embora o disparo da arma de fogo tenha trajetória retilínea, não se pode descartar que a conduta tenha colocado em risco a vida de outras pessoas.

Por outro lado, quanto à forma de participação, deve ser mantida a decisão da origem, a qual trasncrevo no ponto:

A denúncia imputa ao réu a concorrência para o homicídio na forma de ajustar e planejar a execução do delito, bem como ao prestar, com sua presença, apoio moral e certeza de eventual auxílio a seus comparsas, solidarizando-se para a prática delitiva. Entretanto, a suposta presença de alguém no local dos crimes não é suficiente para amparar, por si só, essa forma de concorrência. É certo que o concurso de pessoas exige um vínculo de natureza psicológica ligando as condutas entre si, o que em tese seria indicado pelas suas presenças no local dos delitos. Contudo, é hipoteticamente possível que algum dos concorrentes tenha almejado participar de crime menos grave, o que faria com que recebesse a pena de um tipo penal distinto, conforme prevê o art. 29, §2º, do Código Penal. Também é possível que alguém acompanhe o autor para uma finalidade lícita, não prevendo que viria a ocorrer um crime, como, por exemplo, ao dar uma carona para amigos e conhecidos.

Dessa forma, é necessário que existam indícios que minimamente evidenciem o suporte moral à ação delitiva, para além da mera presença no local dos fatos. Exigem-se, pois, indícios de que o acusado instigou, induziu, coagiu, dirigiu ou determinou outrem à execução material dos crimes, o que efetivamente configuraria o apoio moral à empreitada criminosa. Considerando que não há indícios concretos de induzimento, instigação, coação etc. por parte do denunciado, EXCLUO da pronúncia, como forma de autoria/participação nos delitos narrados na denúncia, a imputação de que o réu concorreu para a prática dos delitos ao ajustar e planejar a execução do crime, bem como ao prestar apoio moral e solidariedade mútua para a prática delitiva.

Portanto, a descrição das formas de autoria/participação no crime descrito na denúncia fica da seguinte forma: FLÁVIO DANIEL concorreu para a prática do delito ao embarcar no coletivo onde a vítima se encontrava e ao efetivar disparos de arma de fogo no ofendido.”.

Do que se vê, sendo a hipótese da denúncia e das investigações no sentido de que Flávio Daniel foi o responsável pelos disparos, não há versão na qual ele teria participado do delito apenas na forma de "ajustar e planejar a execução do crime, bem como ao prestar apoio moral e solidariedade mútua para a prática delitiva", razão pela qual descabe a pronúncia nestes termos.

Primeiramente, cabe destacar que pronúncia é mero juízo de admissibilidade acusatória, e não condenatório. Logo, se após a instrução criminal, existirem elementos, mesmo que indiciários, a apontar a autoria/participação, provada substancialmente a materialidade, cabe ao juiz remeter a acusação a exame pelos jurados.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. LEGÍTIMA DEFESA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. PRONÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. REVISÃO FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Tendo a Corte de origem, ao manter a pronúncia, concluído pela presença dos indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do crime, salientando não haver prova cabal e irrefutável da prática da conduta sob legítima defesa, não é possível rever tal posicionamento, por demandar revisão do conteúdo fático-probatório dos autos, providência incabível em habeas corpus.
2. A sentença de pronúncia não encerra juízo de procedência acerca da pretensão punitiva, tão somente viabilizando a competência para o Tribunal do Júri, a quem competirá apreciar o pleito de reconhecimento da legítima defesa, decidindo a lide de acordo com os elementos probatórios produzidos.
3. Nos termos do art. 385 do Código de Processo Penal, nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição. O artigo 385 do Código de Processo Penal foi recepcionado pela Constituição Federal (AgRg no REsp 1612551/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 10/02/2017).
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 605.748/PI, Rel.
Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 24/11/2020, DJe 27/11/2020)

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