Acórdão nº 50226142720158210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 01-03-2023

Data de Julgamento01 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50226142720158210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003197515
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5022614-27.2015.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: UNIMED LITORAL SUL/RS - COOPERATIVA MEDICA LTDA (RÉU)

APELADO: ANA PAULA SARAIVA FOSSATI (Sucessão) (AUTOR)

APELADO: CARLOS AUGUSTO PRATA GAONA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposo por UNIMED LITORAL SUL/RS - COOPERATIVA MEDICA LTDA, nos autos desta ação ordinária que lhe move ANA PAULA SARAIVA FOSSATI (Sucessão), contra a sentença (evento 3, PROCJUDIC7, fls. 24-33) em que julgado procedentes os pedidos.

Adoto o relatório da r. sentença, que bem narrou o presente caso:

1) ANA PAULA SARAIVA FOSSATI, ajuizou ação de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada em face de UNIMED LITORAL SUL – SOCIEDADE CORPORATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA. Sustenta que a demandante é segurada da demandada UNIMED LITORAL SUL – SOCIEDADE CORPORATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA. Alega que procurou a demandada para obter cobertura de tratamento em virtude de ter sido diagnosticada com carcinoma de cólon metastático - CID 18.9, sendo que a cobertura para tratamento quimioterapéutico lhe foi negado (fl. 27). Requer a concessão de medida liminar para cobertura do tratamento, ressarcimentos dos valores pagos com o tratamento no valor de R$20.008,52. Requer a procedência.
Deferida a gratuidade da justiça a demandante (fl. 99).

A acionada contestou (fls.
103/111). Refutou os argumentos da exordial. Pugnou pela improcedência.
Réplica (fls. 138/140).Oportunizada a produção de provas (fl. 141).
Noticiado o óbito da demandante (fls.
179/180).
Realizada audiência de instrução (fls.
214/216).
É o relatório.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

3) Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE, os pedidos formulados pela autora, para condenar a demandada ao pagamento da quantia de R$20.008,52. Corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir da data da prestação dos serviços e juros moratórios de 12% ao ano a contar da citação.
Custas processuais pela parte demandada.
Quanto aos honorários ao patrono da credora, vão arbitrados 10% do valor da condenação, com fundamento no artigo 85, § 2º, do CPC.

Em suas razões recursais (evento 15, APELAÇÃO1), a parte ré sustenta a legitimidade da negativa de cobertura do procedimento cirúrgico postulado, arguindo a ausência de abrangência de cobertura no local em que seria realizado. Refere que o contrato possui expressa limitação geográfica de atendimento. Argumenta que não se tratava de procedimento de urgência ou emergência, bem como menciona a existência de prestador apto a realizar o tratamento dentro da área geográfica. Pontua que a guia de solicitação de autorização para internação hospitalar indica que consistia em procedimento eletivo. Diz que a autora se mudou para Porto Alegre/RS e não comunicou a operadora. Aduz que a demandante optou por realizar o atendimento fora da área geográfica de abrangência do pacto. Pede, caso seja reconhecido o dever de custeio do atendimentos, que o reembolso ocorra em observância ao disposto no contrato e no art. 12, VI, da Lei 9.656/98, a fim de que observe o valor que seria despedido dentro da área de atuação, a ser averiguado em cumprimento de sentença. Requer o provimento do recurso.

Sobrevieram contrarrazões (evento 21, CONTRAZAP1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso da parte ré é de ser conhecido, porquanto preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade, sendo tempestivo e estando comprovado o preparo (evento 15, CUSTAS2).

Inicialmente, cumpre referir que não há mais dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de seguros e de planos de saúde1. Trata-se de entendimento sumulado pelo e. STJ que, em 2010, editou a Súmula n. 469, que assim dispõe: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. Observo que o entendimento foi mantido com a edição da Súmula n. 608 do e. STJ2, a qual cancelou a anterior, tendo a última apenas criado exceção para os casos dos planos de autogestão.

Dessa forma, tornou-se clara a identificação das seguradoras ou operadoras de planos de saúde como fornecedoras de serviço e do beneficiário (segurado) como destinatário final (consumidor), nos termos do que dispõem os artigos 2º, “caput”3, e 3º, §2º4, da legislação consumerista.

Com efeito, os contratos de seguro e planos de assistência à saúde devem se submeter às regras constantes na legislação consumerista, para evitar eventual desequilíbrio entre as partes, considerando a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor; bem como manter a base do negócio a fim de permitir a continuidade da relação no tempo.

Destarte, estando os contratos submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se, dentre outras, as seguintes regras: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (art. 47 do CDC). E, considerar-se-ão abusivas, as que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada; sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor e as que se mostrem exageradas, como as excessivamente onerosas ao consumidor, as que restrinjam direitos ou ofendam princípios fundamentais do sistema (art. 51, incisos IV e XV e § 1º, incisos, I, II e III, do CDC).

Aliás, com relação à aplicação do CDC nos planos de saúde, a lição de Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem5:

“O reconhecimento da aplicação do Código do Consumidor implica subordinar os contratos aos direitos básicos do consumidor, previsto no art. 6º do Código. Daí porque o STJ tenha superado as discussões dogmáticas sobre a natureza do contrato, como seguro ou plano, e tem decidido impor a este importante tipo contratual de consumo de massa uma boa-fé extremamente qualificada, exigindo de todos os fornecedores (operadoras, seguradoras e outros), o cumprimento do dever de informação, cooperação e cuidado. (…) se de um lado é certo que a necessidade de manter equilíbrio econômico-atuarial do contrato, em vista da previsão de riscos e probabilidades, e a respectiva sustentabilidade econômica que lhe assegure – tema que pertence à expertise do fornecedor - também é correto determinar a estes contratos uma interpretação conforme à boa-fé e sempre a favor do consumidor.”

No mesmo sentido, a jurisprudência desta colenda Câmara (com meus grifos):

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE VALORES. APOSENTADORIA. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. MANUTENÇÃO DO BENEFICIÁRIO NO PLANO. ARTIGO 31 DA LEI N.º 9.656/98. PLANO ESPECÍFICO PARA INATIVOS. POSSIBILIDADE. 1. Os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 35 da Lei 9.656/98, pois envolvem típica relação de consumo. Súmula 608 do STJ. Assim, incide, na espécie, o artigo 47 do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor. 2. É possível a manutenção do titular e seus dependentes por prazo indeterminado nos contratos de plano de saúde firmado por empresa em que o titular tenha trabalhado, desde que assuma o pagamento integral das mensalidades, exegese do art. 31 da Lei nº 9.656/98. 3. Hipótese de inclusão do autor em plano específico para inativos, com manutenção das condições de cobertura, porém com diferentes critérios para estabelecimento do valor das mensalidades. Possibilidade, nos termos da RN 279 da ANS. Precedentes. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível, Nº 70083529487, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em: 27-05-2020)

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. REALIZAÇÃO DE TRATAMENTO CONSIDERADO EXPERIMENTAL. MEDICAMENTO OFF LABEL. COBERTURA DEVIDA. 1. Os planos ou seguros de saúde estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, enquanto relação de consumo atinente ao mercado de prestação de serviços médicos. Isto é o que se extrai da interpretação literal do art. 35 da Lei 9.656/98. Súmula n. 608 do STJ. 2. Aplicáveis ao caso em exame as exigências mínimas previstas no plano-referência de que tratam os artigos 10 e 12 da legislação dos planos de saúde, que determina a obrigatoriedade de cobertura de tratamento quimioterápico. 3. Não cabe à demandada determinar o tipo de tratamento que será realizado pela parte autora, uma vez que esta decisão cabe ao médico que a acompanha. 4. Descabida e injustificada a negativa securitária sob a alegação de que se trata de tratamento experimental e de medicamento de uso off label, pois o que importa para a solução do litígio é a existência de cobertura securitária para a patologia apresentada, e não o fármaco necessário ou a forma como o tratamento deverá ser ministrado, ainda mais em se tratando de doença grave como o câncer. 5. Os honorários advocatícios deverão ser majorados quando a parte recorrente não lograr êxito neste grau de jurisdição, independente de pedido a esse respeito, de acordo com os limites fixados em lei. Inteligência do art. 85 e seus parágrafos do novel CPC. Dado provimento ao apelo. (Apelação Cível, Nº 70083480053, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em: 27-05-2020)

E, ainda, o e. Superior Tribunal de Justiça (com meu grifo):

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. DESCREDENCIAMENTO DE CLÍNICA MÉDICA....

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