Acórdão nº 50233308720218210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50233308720218210019
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003305001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5023330-87.2021.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATORA: Desembargadora KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA

APELANTE: LUIZACRED S.A. SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: EDIELE SINARA CLASER DE SOUZA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por LUIZACRED S.A. SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO em face da sentença de parcial procedência proferida nos autos da ação revisional de contrato que contende com EDIELE SINARA CLASER DE SOUZA, cujo relatório e dispositivo transcrevo abaixo:

Vistos.

EDIELE SINARA CLASER DE SOUZA ajuizou AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO em face de LUIZACRED S.A. SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO. Aduziu, em suma, ter firmado com a ré um contrato de cartão de crédito de número 5307*****5979. Disse que, em 2015, deparou-se com graves problemas financeiros, o que lhe impossibilitou de pagar algumas faturas do cartão. Tendo em vista o inadimplemento de parte dos valores gastos com o cartão, sua dívida, segundo atualização da ré, chegou em outubro de 2021 ao montante aproximado de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). Discorreu que o contrato estava eivado de cláusulas abusivas, as quais deveriam ser declaradas nulas. Disse que os juros e encargos incidentes na espécie estavam em desconformidade com a legislação em vigor, rogando pela revisão do contrato. Pediu, em tutela de urgência, que a ré se abstivesse de inscrever o seu nome no cadastro dos órgãos restritivos de crédito enquanto tramitasse a ação, a revisão dos juros para a média de mercado, confirmando, ao final, com o julgamento de procedência da ação. Juntou procuração e documentos.

Recebida a inicial e deferido o benefício da AJG à parte autora, foram indeferidos os pedidos formulados em tutela de urgência.

Citada, a ré contestou. Preliminarmente, inépcia da inicial. No mérito, discorreu sobre as cláusulas que integravam o contrato, impugnadas pelo autor na inicial, sustentando a legalidade. Rogou pela improcedência da ação. Juntou procuração e documentos.

Houve réplica.

Intimadas as partes a manifestar interesse acerca da pretensão probatória, nada foi requerido.

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o Relatório.

[...]

Isso posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por EDIELE SINARA CLASER DE SOUZA em face de LUIZACRED S.A. SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, com fulcro no artigo 487, inciso I, do CPC, para REVISAR o contrato de cartão de crédito de número 5307*****5979, para determinar:

a) a revisão dos juros remuneratórios da fatura vencida em 11/06/2015 para 13,89% ao mês;

b) reconhecer a descaracterização da mora com relação à supracitada fatura;

c) a compensação dos valores pagos a maior nas parcelas já adimplidas. Restando saldo favorável ao consumidor, proceder-se-á na devolução simples, com juros legais, a partir da citação, e correção monetária pelo IGP-M, desde a data do desembolso de cada valor.

Reciprocamente sucumbentes, CONDENO as partes ao pagamento das custas processuais, metade para cada um, e dos honorários advocatícios ao patrono da parte adversa, que fixo em R$ 800,00, considerando a baixa complexidade da ação e o seu caráter repetitivo (art. 85, § 8º, CPC).

Em suas razões (evento 31, APELAÇÃO1), a instituição financeira apelante defende a necessidade de reforma integral da sentença recorrida. Preliminarmente, aduz a inépcia da petição inicial em virtude da não observância dos requisitos constantes no artigo 330, §2º, do Código de Processo Civil. Quanto ao mérito, refere, em síntese, a legalidade dos juros remuneratórios pactuados, dispendendo arguições acerca da inaplicabilidade da taxa média de mercado para a situação em apreço, bem como sobre a necessidade de ser demonstrada a abusividade dos encargos. Tece considerações acerca da possibilidade de adoção de faixa de oscilação razoável e requer, portanto, pela manutenção dos juros nos termos em que contratados. Aduz, ainda, não haver falar em descaracterização da mora, tampouco em restituição e compensação de valores. Colaciona precedentes e, ao final, postula pelo provimento de sua irresignação com a redistribuição dos ônus de sucumbência.

Apresentadas contrarrazões (evento 37, CONTRAZAP1), vieram os autos conclusos a este Tribunal de Justiça para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos legais, conheço do recurso.

Da alegação de inépcia da inicial.

No que tange ao pleito de reconhecimento de inépcia, sem razão a instituição financeira recorrente. Isso porque, diferentemente do que alega, não se verifica qualquer defeito ou irregularidade na peça vestibular - que se encontra completamente adequada ao disposto pelos artigos 319, 320 e 330, § 2º, do Código de Processo Civil - ou no cálculo do valor incontroverso que a instruiu (evento 1, CALC9).

A correta indicação do pedido, da causa de pedir, das obrigações que pretende controvertes e do montante que reputa devido justifica o integral processamento da insurgência motivo pelo qual, de plano, afasto a prejudicial de inépcia.

Passo à análise do mérito.

Da possibilidade de revisão contratual.

Toda relação jurídica formada a partir de um acordo de vontades válido e eficaz é regida pelo princípio da obrigatoriedade dos contratos. Princípio que confere ao pacto força de lei entre as partes e que garante sua não violação em decorrência de dificuldades comezinhas de cumprimento ou, em outras palavras, por fatores externos plenamente previsíveis. Por essa razão, apenas a ocorrência de situações excepcionais, em que configurada circunstância imprevisível ao tempo da pactuação ou causa de abusividade notória, legitima a revisão judicial.

Inobstante, nos casos em que o ajuste decorre de adesão a termos prévia e unilateralmente estipulados pela instituição financeira, indiscutível é a incidência do Código de Defesa do Consumidor a essa análise a par do disposto na Súmula 297 do STJ1, o que, por certo, importa em alguns temperamentos à teoria geral dos contratos, em face do reconhecimento da hipossuficiência da parte aderente. Sob este prisma, no que pertine à limitação dos juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça2, a quem compete a uniformização da interpretação da legislação federal, sedimentou o entendimento no sentido de que é livre a pactuação dos juros entre as partes, salvo em caso de abusividade categoricamente demonstrada. Quanto ao ponto, para fins de melhor compreensão da solução adotada, já há mais de uma década, pela Corte Superior, pertinente a transcrição da elucidativa digressão histórica do controle dos juros no Brasil, traçada, em sede doutrinária, pelo Desembargador Paulo de Tarso Vieira Sanseverino:

[...]. A limitação dos juros por ato normativo estatal tem-se constituído em matéria das mais controvertidas ao longo da história da economia, com reflexos nos ordenamentos jurídicos antigos e modernos. [...] No direito brasileiro, a limitação dos juros por ato legislativo também tem apresentado sucessivos processos de sístole e diástole, conforme o momento político-ideológico vivenciado pelo País. No início do século XX, época da gestação do Código Civil de 1916, predominava a orientação ideológica liberal, que preconizava uma intervenção mínima do Estado no domínio econômico (Estado liberal). Por isso, no Código Civil de 1916, a regra estabelecida pela 2ª parte do art. 1.262 [...] conferia aos contratantes ampla liberdade negocial para estipulação dos juros e da periodicidade de sua capitalização. Os anos que se seguiram à vigência do CC/ 1916, no período compreendido entre as duas grandes guerras, constitui época de grande turbulência econômica e política em todo o mundo, especialmente na Europa, sendo um período de profundas modificações ideológicas no plano sociopolítico. [...]. No Brasil, a chamada Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, abre espaço para um regime político fortemente intervencionista, que culmina com o Estado Novo, instituído em 1937. Na década de trinta surge, no Brasil, o Decreto 22.626, de 07.04.1933, que passou a ser chamado de Lei de Usura, pois, em seu art. 1º, limitou a pactuação máxima de juros remuneratórios em contratos ao dobro da taxa legal, que era estabelecida pelo art. 1.062 do Código Civil de 1916. Ou seja, os juros remuneratórios máximos passaram a ser de 12% ao ano. E o art. 4º permite apenas a capitalização anual dos juros. [.....

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