Acórdão nº 50234770720208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 30-06-2022

Data de Julgamento30 Junho 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50234770720208210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002247373
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5023477-07.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATORA: Desembargadora ELIZIANA DA SILVEIRA PEREZ

APELANTE: RAFAELA RONCELLI VIEIRA (AUTOR)

APELADO: AZUL COMPANHIA DE SEGUROS GERAIS (RÉU)

RELATÓRIO

RAFAELA RONCELLI VIEIRA interpôs Recurso de Apelação à sentença que, nos autos da Ação de Cobrança ajuizada em face de AZUL COMPANHIA DE SEGUROS GERAIS - GRUPO PORTO SEGUROS, julgou improcedentes os pedidos efetivados na inicial.

Na referida ação, a parte autora, ora apelante, postulou a condenação da demandada ao pagamento de indenização securitária, decorrente de contrato de seguro de veículo, diante de sinistro ocorrido na data de 08.12.2019, conduzido por Manuela de Oliveira, do qual sobreveio perda total. A seguradora negou a cobertura, sob o fundamento de que foi verificado o agravamento do risco, pois constatada a embriaguez da condutora.

Nas razões de apelação (evento 119), postulou a reforma da sentença, referindo que a condutora não realizou ingestão de qualquer tipo de bebida alcoólica, o que foi comprovado pela prova testemunhal produzida. Que a testemunha Jan Carlini Berna, devidamente compromissada, aduziu que esteve com a condutora a noite toda, e que aquela teria mencionado que não iria ingerir bebida pelo fato de estar dirigindo, sendo que estava em estado lúcido quando da despedida. No mesmo sentido, referiu ter sido o depoimento de Luana Sirlei Valdameri, explicitando que o policial Guilherme apenas ratificou o que havia registrado no boletim de ocorrência, não recordando precisamente dos fatos. Destacou que o ofício acostado aos autos demonstra o auto de infração, não assinado pela condutora do veículo, e que, quando questionado o policial sobre tal fato, referiu que, provavelmente, sobreveio a recusa da condutora em assiná-lo. Que o policial não se lembrava dos fatos ocorridos. Que apenas consta no boletim uma característica de embriaguez - hálito etílico -, o que evidencia a ausência de alteração do estado anímico da condutora. Argumentou que o suposto estado de alcoolemia não teria sido determinante para a ocorrência do acidente. Destacou que o depoimento do policial é contraditório, pois referiu que a condutora chegou a parar na blitz, e depois teria se evadido do local, sendo que, no boletim de ocorrência, consta que a condutora teria desobedecido a ordem de parada. Expôs que não foi realizado nenhum exame capaz de atestar o estado de embriaguez, tendo a condutora sido hospitalizada imediatamente após o acidente, inexistindo qualquer informação, no respectivo prontuário, acerca do suposto estado de embriaguez. Colacionou precedentes jurisprudenciais. Articulou que a informação contida no boletim de ocorrência, de que a condutora teria se negado a realizar o teste do bafômetro, confrontada com o relato de que havia apenas uma característica de embriaguez, além de não ser suficiente para comprovar o estado de embriaguez, demonstra inexistir alteração do estado anímico da condutora, corroborando que tal não seria o fator preponderante para a ocorrência do sinistro, o que não foi comprovado pela seguradora.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 124).

Vieram os autos a este Tribunal, restando conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso, eis que presentes os requisitos de admissibilidade.

Cuida-se de apreciar recurso de apelação em face de decisão que julgou improcedente a ação de cobrança ajuizada, na forma descrita no relatório.

A controvérsia recursal refere-se ao cabimento de pagamento de indenização securitária, decorrente de contrato de seguro de veículo, diante de sinistro envolvendo acidente de trânsito, que resultou em perda total do veículo, sobrevindo a negativa da seguradora por restar constatado a embriaguez da condutora.

Inicialmente, observo que, nos termos do art. 757, caput, do Código Civil, pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Desta forma, os riscos assumidos pelo segurador são os que estão assinalados na apólice, dentro dos limites por ela fixados, não se admitindo a interpretação extensiva, nem analógica. Ainda, mostra-se cabível a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, eis que se trata de relação de consumo, conforme disposto no § 2º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor

Nesse passo, decorre que, para a configuração do dever de indenizar, deve ser demonstrado o dano - que pode ser moral e/ou material -, e o nexo causal entre aquele e o defeito do serviço, independentemente da prova de culpa. Cabível mencionar, ainda, que nos contratos de seguro, de regra, existindo as condições estabelecidas no contrato e não havendo dolo ou má-fé do segurado para a implementação do risco e obtenção da referida indenização, impõe-se o pagamento da obrigação assumida pela seguradora nos limites contratados e condições acordadas.

No caso em apreciação, resta incontroversa a contratação de seguro para o veículo Citroen C3, placas QID 0113, conforme apólice acostada aos autos (evento 1, OUT12), bem como o sinistro envolvendo o bem, conforme boletim de ocorrência policial (evento 1, OUT14), em 08.12.2019, às 3h37min, referente "Acidente de trânsito (com pessoa ferida ou morta)", que era conduzido por Manuela de Oliveira.

Na negativa da seguradora ao pagamento da indenização (evento 1, OUT15), constou que foi identificado que a condutora do veículo estava sob influência de álcool, amparando a negativa no item 11, das Condições Gerais do Seguro.

No boletim de ocorrência, assim foi o relato policial:

Ainda, constou que ocorreu a saída de pista/capotamento, com causa provável "falha humana - excesso de velocidade", tendo o local sido fotografado.

A demandada acostou o prontuário médico do atendimento de emergência prestado à condutora (evento 13, LAUDO8), no qual a condutora deu entrada às 4h05min, e saída às 7h40min, bem como o auto de infração por negativa de realização do teste de etilômetro (evento 13, OUT14). Na contestação, sobreveio demonstração que a paciente teve alta do hospital por "evasão", conforme p. 7.

Pois bem, conforme supra demonstrado, tem-se a constatação, através do contido no boletim policial, de que a condutora do veículo não parou em blitz policial que estava sendo realizada, sobrevindo a saída da pista e o capotamento, bem como que se recusou a realizar ao teste do etilômetro, e que apresentava 1 (uma) característica de embriaguez - hálito etílico.

Na prova testemunhal produzida nos autos, foram ouvidos Jan Carline Berna e Luana Sirlei Valdameri, pela parte autora, e Guilherme da Silva Bastos, pela demandada.

A testemunha Jan Carline Berna, devidamente compromissada, referiu que estava com a condutora na noite do acidente, que aquela estava sozinha no veículo e que não tinha bebido, que não viu o acidente, que estavam em um jantar, que estiveram juntas por sete horas, que se despediram às 2h da manhã, aproximadamente, bem como que a condutora estava lúcida no momento da despedida.

Luana Sirlei Valdameri, compromissada, não presenciou o acidente, conduziu o veículo que levou a amiga Rafaela para o hospital, onde estava a condutora, estavam todas no mesmo evento, era um jantar em casa de amigos, disse que Manuela não consumiu bebida alcoólica, que ela foi embora antes, não sabe o que aconteceu no hospital, que a Rafaela recebeu a ligação sobre o acidente.

Guilherme da Silva Bastos, policial que atendeu a ocorrência, referiu que achava que recordava alguma coisa, que estavam fazendo operação na SC 401, que a condutora não obedeceu ao sinal de parar, que foi realizado o acompanhamento, que foi perdido de vista e, após, com procuras, foi localizado o carro num buraco, chamando o resgate, pois ela estava dentro do veículo, machucada. Mencionou que ela ficou acordada num certo momento, mas não lembra de todos os detalhes. Que, normalmente, é feito o teste de etilômetro neste tipo de operação, e que, salvo engano, foi oferecido o teste à condutora, enquanto não chegava a ambulância. Que não se recorda se ela se negou, mas acredita que sim, pois a operação era de "balada segura" e, como ela não parou, tudo leva a crer que tivesse ingerido bebida alcoólica. Que devem ter recolhido o documento dela, que não lembrava de ter referido no boletim que estaria com hálito etílico, pelo decurso do tempo, mas ratificava o que lá constou. Quanto ao fato de não constar a assinatura da condutora no auto de infração, acredita que, provavelmente, tenha sido porque ela se negou a assinar.

Dispostos os fatos, cabível se analisar quanto à possibilidade da indenização securitária, considerando a previsão nas Condições Gerais do Seguro em relação à exclusão de cobertura, por agravamento do risco, na hipótese de direção sob a influência de álcool, motivo da negativa.

No pertinente, observo que, além da previsão contratual, o art. 768 do Código Civil refere que "O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato".

Inexiste qualquer controvérsia versando sobre eventual ausência de informações quanto à possibilidade de exclusão da cobertura, cingindo-se o recurso sobre a alegação de que a condutora não estava alcoolizada, que inexiste comprovação do referido estado de embriaguez, bem como que a causa preponderante do acidente teria sido a ingestão de álcool, em síntese.

Pois bem, inicialmente, observo que, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, bem como de recomendação da SUSEP, a constatação da presença de álcool no condutor, por si só, não é suficiente para ser considerada como...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT