Acórdão nº 50240796620188210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 01-09-2022

Data de Julgamento01 Setembro 2022
ÓrgãoOitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50240796620188210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002558116
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5024079-66.2018.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Abandono Material

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações cíveis interpostas por MATIELI S.A. e RUDINEI S.R. em face da sentença do evento 68, SENT1, mediante a qual foi julgado procedente o pedido de destituição do poder familiar requerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em proteção à infante ALICE K.S.R. (processo físico originário nº 001/5.18.0009548-1).

Em complemento, incorporo o relatório constante do parecer do em. Procurador de Justiça:

Em seu arrazoado, a primeira apelante pretende a reforma da sentença proferida, insurgindo-se contra a destituição do seu poder familiar em relação à filha Alice Kiara, aduzindo tratar-se de medida drástica e inadequada. Defende, em síntese, diversamente do entendimento adotado pelo Juízo singular, não terem as avaliações levadas a efeito ao longo da instrução se prestado a demonstrar circunstância desabonatória da sua conduta, pois, apesar de estar inserida em quadro de acentuada vulnerabilidade social, decorrente de uma situação econômica desfavorável e de circunstâncias alheias à sua vontade, vem empreendendo esforços para reassumir os cuidados da menina, ostentando plenas condições de superar as dificuldades manifestadas com o apoio permanente da rede socioassistencial, não merecendo, assim, ser sancionada com medida tão radical e que dificilmente poderá ser revertida. Assevera, ainda, além de jamais ter tentado negar ou ocultar suas limitações e fragilidades no exercício da maternagem, confessando apresentar histórico de uso de drogas ilícitas e de negligência para com as necessidades da filha em um primeiro momento, que as conclusões dos estudos psiquiátrico e psicológico deflagrados, além de imprecisas e superficiais, ignoram que tais situações foram superadas, não correspondendo à sua atual realidade. Sustenta que “[...] situações transitórias e reversíveis por meio de auxílio da rede de proteção não podem obstaculizar de forma definitiva o convívio com a família natural, haja vista de tratar de direito assegurado em sua plenitude no art. 227, caput, da Constituição Federal e no art. 19 e seguintes do Estatuto da Criança e do Adolescente, colacionando precedentes jurisprudenciais nesse sentido. Com base em tais aportes, pugna, ao final, pelo provimento do apelo, julgando-se improcedente a demanda (evento 75, PET1)

Por sua vez, apela o réu RUDINEI DA S. R., por intermédio da Defensoria Pública, na condição de sua curadora especial, suscitando, preliminarmente, a nulidade do feito por cerceamento de defesa, consubstanciada na falta de sua intimação para comparecimento na solenidade instrutória, em flagrante violação à exigência constante do artigo 161, § 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual dispõe ser obrigatória a oitiva dos pais e colheita de seus depoimentos pessoais sempre que forem identificados e estiverem em local conhecido, especialmente in casu, em que se encontra recolhido ao sistema prisional. Requer, pois, o reconhecimento da nulidade e a consequente desconstituição da sentença, com a reabertura da instrução. Relativamente ao mérito, busca a reforma da sentença proferida, salientando não poder sua reclusão “[...] ser traduzida como fator preponderante para a análise da necessidade da perda do poder familiar, pois não teve ânimo de abandonar a criança, tendo o afastamento ocorrido por fatores externos à relação”, não podendo a eventual prática de delitos por qualquer dos pais contra terceiros, com condenação criminal, fundamentar a destituição do seu poder familiar, especialmente porque a própria legislação assegura o direito de convivência da prole com o preso, na forma dos artigos 19, § 4º, e 23, § 2º, ambos do ECA. Destaca a preferência estabelecida pelo Estatuto protetivo no tocante à aplicação da medida de suspensão em relação à destituição do poder familiar, principalmente em casos em que há a perspectiva de posterior restabelecimento dos laços afetivos. De outra banda, assevera não terem sido esgotadas as tentativas de reinserção da menina na família extensa, pois, muito embora a avó paterna tenha demonstrado interesse em se responsabilizar pela neta, suas aptidões não foram adequadamente analisadas. Nesses termos, pugna pelo provimento do recurso (evento 76, PET1).

Foram apresentadas contrarrazões (evento 81, CONTRAZ1).

O Ministério Público opinou pelo não provimento (evento 7, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Trata-se nestes autos da destituição do poder familiar de MATIELI e RUDINEI em relação à filha ALICE, nascida em 13-10-2015 (certidão de nascimento, fl. 37, evento 2, DOC3).

Inicio o julgamento pela alegação feita por RUDINEI, sustentando a nulidade do processo por cerceamento de defesa por não ter sido oportunizada a sua oitiva, como prevê o § 4º do art. 161 do ECA, nos seguintes termos:

Art. 161. Se não for contestado o pedido e tiver sido concluído o estudo social ou a perícia realizada por equipe interprofissional ou multidisciplinar, a autoridade judiciária dará vista dos autos ao Ministério Público, por 5 (cinco) dias, salvo quando este for o requerente, e decidirá em igual prazo.

(...)

§ 4º É obrigatória a oitiva dos pais sempre que eles forem identificados e estiverem em local conhecido, ressalvados os casos de não comparecimento perante a Justiça quando devidamente citados. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)

§ 5 o Se o pai ou a mãe estiverem privados de liberdade, a autoridade judicial requisitará sua apresentação para a oitiva. (Incluído pela Lei nº 12.962, de 2014)

Em que pese a previsão normativa, na especificidade do caso, tenho que não prospera a alegação.

A Defensoria Pública, curadora especial do genitor, que se encontrava preso, foi regularmente intimada da audiência de instrução e julgamento (eventos 35 e 38 ,42 e 43).

E quanto à alegação de nulidade, para evitar a repetição de termos, integro a estes fundamentos excerto do parecer da em. Procuradora de Justiça:

Dito isso, muito embora, in casu, efetivamente não tenha havido a intimação pessoal, tampouco a requisição da presença do ora apelante para comparecimento ao aludido ato judicial, realizado no dia 10/03/2022 (EVENTO 52 – TERMOAUD1 do processo originário), salienta-se que a Defensoria Pública, a qual restou nomeada para exercer a função de curadoria especial justamente em virtude da privação de liberdade de RUDINEI (EVENTO 2 – OUT – INST PROC6 – fls. 65/67 do processo originário), fez-se presente na solenidade, abstendo-se de apontar a nulidade ora aventada. Da mesma forma, quando da apresentação dos memoriais (EVENTO 66 – PET1 do processo originário) – ato processual imediatamente subsequente ao da prefalada audiência instrutória –, tampouco foi arguida a nulidade ora debatida, o que somente foi trazido em sede recursal perante esta Câmara.

Logo, como não arguida tal questão na primeira oportunidade concedida, configurou-se a preclusão, nos termos do artigo 278 do Código de Processo Civil:

Art. 278. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.

Nesse sentido, as pertinentes lições do especialista Daniel Amorim Assumpção Neves:

O terceiro e último requisito diz respeito ao prazo em que a nulidade relativa deve ser apontada, requerendo-se a sua decretação. Segundo o art. 278 do Novo CPC, a parte interessada deve pedir a decretação da nulidade na primeira oportunidade que tenha para manifestar-se no processo, não importando a sua efetiva manifestação ou ainda a que título tenha sido instada a se manifestar. No primeiro prazo aberto para sua manifestação, se não requerer expressamente o reconhecimento do vício, não mais poderá fazê-lo em razão da preclusão. Assim, juntado documento do qual não tenha sido dada ciência à parte contrária, se a mesma é intimada para manifestar-se sobre outro ato, como a inocorrência de intimação em razão de não localização de testemunhas, omitindo-se sobre a nulidade relativa, ou, ainda, deixando passar o prazo sem qualquer manifestação, o vício não poderá mais ser arguido, perpetuando-se os efeitos do ato processual, como se tratasse de ato absolutamente regular1 .

(...)

De observar, ainda, que a Defensoria foi regularmente intimada para se manifestar acerca da prova oral, nada requerendo, conforme foi destacado no evento 23, DESPADEC1 (vide petição do evento 14, PET1).

Portanto, não há falar agora em afronta às garantias constitucionais do contraditório, devido processo legal e ampla defesa, ficando, assim, rejeitada a preliminar.

Quanto ao mérito, na petição inicial o Ministério Público narrou que RUDINEI e MATIELI são dependentes químicos em alto grau e negligentes com os cuidados básicos de ALICE, atualmente com 06 anos de idade e portadora do vírus HIV.

Foi dito que a genitora tem graves problemas de saúde e que o genitor estava preso.

A ação foi ajuizada em meados de 2018, sendo que no pedido de Medida de Proteção houve narrativa de que a criança estava sofrendo maus tratos no ambiente familiar, que o casal tinha envolvimento com tráfico de drogas, bem como houve menção à suspeita de abuso sexual da menina...

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