Acórdão nº 50243850320218210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quinta Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50243850320218210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003301771
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

25ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5024385-03.2021.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

RELATOR: Desembargador LEO ROMI PILAU JUNIOR

APELANTE: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL - UCS (EXEQUENTE)

APELADO: LIDIANA LAURIQUER RIBEIRO (EXECUTADO)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL - UCS, hostilizando a sentença que julgou extinta a pretensão executiva, forte no artigo 924, inciso V, do Código de Processo Civil, nos seguintes termos (evento 32, SENT1, dos autos originários):

Trata-se de cumprimento de sentença proposto em 15/07/1999 pela Fundação Universidade de Caxias do Sul em face de Lidiana Lauriquer Ribeiro, objetivando a execução da sentença judicial proferida conforme fls. 07/13.

O feito teve regular tramitação e restou arquivado por ausência de bens em 1999, conforme despacho da fl. 30.

Agora, passados 23 anos, a exequente vem postular bloqueio de valores e penhora de bens.

Instada a se manifestar acerca da ocorrência da prescrição, apresentou manifestação no evento 29.

Relatado, decido.

A prescrição intercorrente era figura anômala no ordenamento pátrio, criação jurisprudencial cujo desiderato era evitar que o devedor ficasse sujeito ao credor indeterminadamente, com eternização da correspondente lide, o que não é admitido pelo bom Direito.

A propósito, assim ensina Humberto Theodoro Júnior:

Acontece que a eternização da execução é incompatível com a garantia constitucional de duração razoável do processo e de observância de tramitação conducente à rápida solução dos litígios (CF, art. 5º, LXXVIII). Tampouco, se pode admitir que a inércia do credor, qualquer que seja sua causa, redunde em tornar imprescritível uma obrigação patrimonial. O sistema de prescrição, adotado por nosso ordenamento jurídico, é incompatível com pretensões obrigacionais imprescritíveis. Nem mesmo subordina a prescrição civil a algum tipo de culpa por parte do credor na determinação da inércia no exercício da pretensão. A prescrição, salvo os casos legais de suspensão ou interrupção, flui objetivamente, pelo simples decurso do tempo. Daí a criação pretoriana da apelidada prescrição intercorrente, que se verifica justamente quando a inércia do processo perdure por tempo superior ao lapso da prescrição prevista para a obrigação disputada em juízo. Poder-se-ia objetar que, interrompida pela citação, a prescrição somente voltaria a correr depois de encerrado o processo (Cód. Civil, art. 202, parágrafo único). A regra, no entanto, pressupõe processo que esteja em andamento regular, não aquele que, anomalamente, tenha sido acometido de paralisação por longo tempo, isto é, por tempo superior àquele em que a obrigação seria atingida pela prescrição (Curso de Direito Processual Civil, Volume II, Processo de Execução e Cumprimento da Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 46ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 490-491).

Seguindo esta linha jurisprudencial que vinha sendo adotada mesmo na vigência do Código Buzaid, o atual Código de Processo Civil tratou de disciplinar a matéria nos parágrafos do artigo 921, admitindo-a como causa extintiva da cobrança forçada baseada no inciso V do artigo 924.

Assim é que se o feito executivo permanece paralisado por inércia da parte exequente por tempo igual ou superior àquele pertinente ao exercício da correspondente ação, após um ano de arquivamento, possível o cômputo da prescrição dita intercorrente, com a consequente extinção do processo mesmo por pronunciamento de ofício.

Não se tratando de "abandono causa" próprio às ações de conhecimento, desnecessária prévia intimação pessoal da parte exequente para que se tenha início a contagem prescricional, máxime diante da ausência de exigência legal para tanto pertinente.

A parte exequente deixou o feito absolutamente paralisado entre os anos de 1999 (fls. 27/28) a 2010 (fls. 34/35), quando postulou o desarquivamento.

Assim, vê-se que o feito, sem que estivesse efetivamente suspenso, ficou estagnado por desinteresse da parte exequente, ultrapassando o prazo prescricional descrito no artigo 206, § 5°, inciso I, do Código Civil. É o que basta para o pronunciamento da prescrição dita intercorrente.

Por fim, tendo a exequente causado a prescrição intercorrente, dela o ônus das custas processuais.

Ante o exposto, PRONUNCIO A PRESCRIÇÃO e, por consequência, JULGO EXTINTA a pretensão executiva, forte no artigo 924, inciso V, do Código de Processo Civil.

Custas pela exequente.

Intime-se, após arquivem-se definitivamente.

Em suas razões (evento 35, APELAÇÃO1, dos autos originários), a parte apelante insurge-se contra o reconhecimento da prescrição intercorrente, apontando a necessidade de intimação pessoal da parte credora previamente ao julgamento de extinção. Refere que não houve desídia da parte exequente, bem como que "a suspensão da execução quando da não localização de bens penhoráveis impede o cômputo desse período para fins de prescrição da pretensão". No tópico, assevera que a determinação de arquivamento do processo se deu em dois momentos e, em ambos despachos, foi facultada a reativação, destacando que "após o arquivamento do feito, não houve nenhuma intimação para que a parte Apelante/Exequente desse andamento ao feito sob pena de extinção.". Reforça que a paralisação do feito se deu pela falta de bens penhoráveis, e não por inércia da parte credora, concluindo que "não pode a mesma ser prejudicada com a extinção do processo, por falta de bens em nome do devedor, ainda mais em momento em que a parte Exequente estava dando regular andamento ao feito, ou seja, o processo não se encontrava paralisado, estava em regular andamento desde 2019". Invoca jurisprudência e tece considerações sobre a legislação aplicável, pleiteando, ao final, o provimento do recurso, com "a desconstituição da sentença, considerando a inaplicabilidade da prescrição intercorrente, sob pena de ferir o princípio do devido processo legal, eis que sem qualquer fundamento jurídico que a embase nesse processo, bem como, requer o normal prosseguimento do feito".

Sem contrarrazões (evento 39, CERT1), vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Devidamente preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo a analisá-lo.

A respeito da temática, colaciono a ementa do Incidente de Assunção de Competência (IAC), proferido no Resp nº 1.604.412/SC, litteris:

RECURSO ESPECIAL. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. CABIMENTO. TERMO INICIAL. NECESSIDADE DE PRÉVIA INTIMAÇÃO DO CREDOR-EXEQUENTE. OITIVA DO CREDOR. INEXISTÊNCIA. CONTRADITÓRIO DESRESPEITADO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 947 do CPC/2015 são as seguintes: 1.1 Incide a prescrição intercorrente, nas causas regidas pelo CPC/73, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, conforme interpretação extraída do art. 202, parágrafo único, do Código Civil de 2002.
1.2 O termo inicial do prazo prescricional, na vigência do CPC/1973, conta-se do fim do prazo judicial de suspensão do processo ou, inexistindo prazo fixado, do transcurso de um ano (aplicação analógica do art. 40, § 2º, da Lei 6.830/1980).

1.3 O termo inicial do art. 1.056 do CPC/2015 tem incidência apenas nas hipóteses em que o processo se encontrava suspenso na data da entrada em vigor da novel lei processual, uma vez que não se pode extrair interpretação que viabilize o reinício ou a reabertura de prazo prescricional ocorridos na vigência do revogado CPC/1973 (aplicação irretroativa da norma processual).
1.4. O contraditório é princípio que deve ser respeitado em todas as manifestações do Poder Judiciário, que deve zelar pela sua observância, inclusive nas hipóteses de declaração de ofício da prescrição intercorrente, devendo o credor ser previamente intimado para opor algum fato impeditivo à incidência da prescrição.
2. No caso concreto, a despeito de transcorrido mais de uma década após o arquivamento administrativo do processo, não houve a intimação da recorrente a assegurar o exercício oportuno do contraditório.
3. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.604.412/SC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 27/6/2018, DJe de 22/8/2018.)

Complemento citando outro julgado do Eg. STJ:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. INÉRCIA DO CREDOR. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. PROCESSO ARQUIVADO. EXTINÇÃO DO FEITO APÓS MANIFESTAÇÃO DA PARTE EXEQUENTE. CONTRADITÓRIO OBSERVADO. AGRAVO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Consoante o entendimento consolidado pela Segunda Seção desta Corte, "incide a prescrição intercorrente, nas causas regidas pelo CPC/73, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, conforme interpretação extraída do art. 202, parágrafo único, do Código Civil de 2002". E, ainda, "o termo inicial do prazo prescricional, na vigência do CPC/1973, conta-se do fim do prazo judicial de suspensão do processo ou, inexistindo prazo fixado, do transcurso de um ano (aplicação analógica do art. 40, § 2º, da Lei 6.830/1980)" (Incidente de Assunção de Competência no REsp 1.604.412/SC, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/06/2018, DJe de 22/08/2018).
2. No caso, houve o transcurso de período superior ao prazo prescricional do título executivo, estando configurada a prescrição intercorrente. Uma vez demonstrada a observância ao contraditório e cumprida tal diligência ainda no...

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