Acórdão nº 50244322220228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50244322220228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002299568
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5024432-22.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Espécies de títulos de crédito

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

AGRAVANTE: FRANCISCO DOMINGO PALUDO (Espólio)

AGRAVADO: COOPERATIVA DE CREDITO POUPANCA E INVESTIMENTO INTEGRACAO DE ESTADOS DO RIO GRANDE DO SUL E SANTA CATARINA - SICREDI INTEGRACAO DE ESTADOS RS/SC

RELATÓRIO

Trata-se de agravos de instrumento interpostos por COOPERATIVA DE CREDITO POUPANCA E INVESTIMENTO INTEGRACAO DE ESTADOS DO RIO GRANDE DO SUL E SANTA CATARINA - SICREDI INTEGRACAO DE ESTADOS RS/SC e por FRANCISCO DOMINGO PALUDO e MIPAL TRANSPORTES LTDA no feito em que contendem entre si em face da decisão que assim dispôs:

Vistos.

Diante da declaração de renda do herdeiro Francisco Domingo Paludo Júnior acostada no Evento 34, OUT4 e daquele que consta do Evento 2, OFIC14, do qual se verifica o patrimônio deixado pelo "de cujus", defiro a gratuidade judiciária ao Espólio de Francisco Domingo Paludo.

Quanto ao pedido de reconsideração, relativamente à impenhorabilidade do imóvel, diante dos documentos acostados no Ev. 34, tenho que merece acolhida.

O endereço do herdeiro Francisco é na rua Eduardo de Brito, n° 1386, nesta cidade, conforme informado em sua declaração de renda (Evento 34, OUT4), local onde intimado nos autos (Evento 2, MAND47, Evento 2, CERT48, Evento 2, MAND66 e Evento 2, CERT67), mesmo endereço do imóvel penhorado matrícula n° 30.075 (Evento 34, OUT2).

O documento acostado no Evento 34, CONTR3, por sua vez, comprova a locação existente sobre parte do imóvel, cujo aluguel complementa a renda do herdeiro Francisco, conforme consta da declaração de renda nas informações de rendimentos (Evento 34, OUT4).

Pelo contexto probatório, verifica-se que o imóvel penhorado é de utilização mista, onde existe uma parte residencial e outra comercial com um escritório de advocacia instalado.

Ainda que se cogite da possibilidade da penhora incidir apenas sobre a parte comercial, diante da prova de que os locativos servem para sustento do herdeiro que mora na parte residencial, resta evidenciado tratar-se de bem de família que serve de residência e também para a subsistência da entidade familiar, de modo que o acolhimento da impenhorabilidade da totalidade do imóvel é a medida que se descortina impositiva, aplicando-se ao caso concreto a Súmula 486 do STJ.1

Nesse sentido:

"APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS DE TERCEIRO. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. MATRÍCULA COM DUAS PEÇAS INDIVIDUALIZADAS. ÁREA RESIDENCIAL. IMPENHORÁVEL. ÁREA COMERCIAL. DEMONSTRADO QUE A LOCAÇÃO SE DESTINA A PROVER O SUSTENTO DA EMBARGANTE. Penhora que recai sobre único imóvel formado por uma parte residencial e outra comercial, que é locada para terceiros. Demonstração de que os locativos são essenciais à subsistência da recorrente. É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família. Inteligência da Súmula 486 do STJ. Sentença reformada em parte. Sucumbência redimensionada. POR MAIORIA, VENCIDA A REVISORA, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO".

(Apelação Cível, Nº 70045166493, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em: 25-04-2013).

ISSO POSTO, restando suficientemente demonstrada a condição de bem de família do imóvel matrícula nº 30.075, acolho o pedido do Evento 34, PED, para reconsiderar a decisão do Ev. 30 quanto ao ponto e reconhecer a impenhorabilidade deste imóvel, determinando o cancelamento da penhora (Evento 2, TERMOPENH72).

Intimem-se, a exequente, ainda, para que diga sobre o prosseguimento do feito, em 15 dias, sob pena de arquivamento.

Decorrido o prazo, sem interposição de recurso, oficie-se ao RI para cancelamento da averbação da penhora.

Em suas razões recursais, a parte exequente se insurge contra a decisão que reconheceu a impenhorabilidade do imóvel de matrícula 30.075. Sustenta que o herdeiro admitiu que existe parte individualizada do imóvel com finalidade comercial. Refere que a parte agravada trabalha como vendedora e possui renda própria, sendo que a sua subsistência não depende do aluguel proveniente do imóvel. Argumenta não existir previsão legal de impenhorabilidade de bem comercial na Lei n. 8099/90. Esclarece ter sido apurado pelo oficial de justiça no evento 2 – CERT79 que o imóvel em questão possui utilização mista, ou seja, possui uma parte residencial e outra comercial. Afirma que imóvel com destinação comercial locado a terceira pessoa não se trata de bem de família. Colaciona precedentes desta Corte. Requer o provimento do recurso para que seja afastada a impenhorabilidade da parte comercial do imóvel de matrícula 30.075.

A parte executada, por sua vez, sustenta que, em que pese o juízo singular tenha reconhecido a impenhorabilidade do bem imóvel, deixou de arbitrar verba honorária aos seus procuradores. Refere que o acolhimento da exceção de pré-executividade enseja a fixação de honorários advocatícios, em razão da existência do contencioso. Requer o provimento do recurso.

Foram recebidos os recursos sem atribuição do efeito suspensivo, ante a ausência deste pedido.

Foram apresentadas contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

Prima facie, cumpre consignar que o presente recurso e o agravo de instrumento nº 5020306-26.2022.8.21.7000 foram interpostos em face da mesma decisão.

Destarte, analiso conjuntamente os dois recursos, em tópicos.

1. IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA

Insurge-se a instituição financeira agravante quanto à decisão agravada que reconheceu a impenhorabilidade da parte comercial do imóvel de matrícula nº 30.075.

Pois bem.

A lei n. 8.009/90 contém comando normativo, no sentido de que o patrimônio do devedor não responde pelas suas dívidas. Sua interpretação, portanto, deve ser sempre pautada pela finalidade que a norteia.

Diante desse princípio, a possibilidade da locação a terceiros do imóvel considerado bem de família, sem que o mesmo perca tal atributo, desde que sua renda reverta ao sustento do ente familiar, é matéria pacificada no STJ, uma vez que o objetivo da norma é garantir não só a moradia, como a própria subsistência da família.

Nesse sentido:

O ÚNICO BEM DE FAMÍLIA NÃO PERDE OS BENEFÍCIOS DA IMPENHORABILIDADE - LEI Nº 8.009/90 - SE OS DEVEDORES NELE NÃO RESIDIREM E O LOCAREM A TERCEIROS, DESDE QUE A RENDA AUFERIDA SEJA DESTINADA A MORADIA E SUBSISTÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR.

1. Conforme precedente da Segunda Seção, "em interpretação teleológica e valorativa, faz jus aos benefícios da Lei 8.009/90 o devedor que, mesmo não residindo no único imóvel que lhe pertence, utiliza o valor obtido com a locação desse bem como complemento da renda familiar, considerando que o objetivo da norma é o de garantir a moradia familiar ou a subsistência da família.".

2. Viola a Lei o acórdão que deixa de reconhecer os benefícios da impenhorabilidade do bem de família, em face de os devedores não residirem no imóvel. Dissídio configurado.

Recurso conhecido e provido.

(REsp 243.285/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 26/08/2008, DJe 15/09/2008)”

"(...) a impenhorabilidade prevista na Lei n.º 8.009/90 se estende ao único imóvel do devedor, ainda que este se ache locado a terceiros, por gerar frutos que possibilitam à família constituir moradia em outro bem alugado ", de que é exemplo o AgRg no Ag n.º 385.692/RS, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior. (...)”

Tal entendimento, inclusive, encontra-se sumulado:

Súmula 486 do STJ: “É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família”.

Do teor desta súmula, extraem-se 03 requisitos necessários ao reconhecimento da impenhorabilidade pretendida neste recurso: único imóvel residencial do devedor; locado a terceiros; renda obtida com a locação revertida para a subsistência ou moradia da família.

O primeiro requisito para o reconhecimento da impenhorabilidade do bem de família (mesmo que locado) é a comprovação de que o imóvel é o único pertencente ao devedor e que serve como residência à família.

Para tanto, contudo, faz-se necessária prova inequívoca de tais requisitos, cujo ônus pertence ao executado e não meros indícios.

Nesse sentido:

“EMBARGOS À EXECUÇÃO. PRELIMINARES DE DESERÇÃO DO RECURSO E NULIDADE DA SENTENÇA, PORQUE CITRA PETITA AFASTADAS. IMPENHORABILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE O IMÓVEL CONSTRITO SEJA ÚNICO E DESTINADO À RESIDÊNCIA. ÔNUS DA PROVA QUE CUMPRIA À EMBARGANTE. EXCESSO DE EXECUÇÃO NÃO-EVIDENCIADO. RECURSO DESPROVIDO” (AC 70020797502/Aquino).

“EMBARGOS DE DEVEDOR. IMPENHORABILIDADE. IMÓVEL RESIDENCIAL. ÔNUS DA PROVA. EXCESSO DE EXECUÇÃO. (...) A impenhorabilidade do imóvel residencial do devedor, apontado como bem de família, exige demonstração inequívoca de que o bem serve de efetiva residência da família do devedor. Inteligência do art. 333, I, do diploma processual pátrio. (...). Recurso improvido” (AC 70013120860/Faccenda).”

Com efeito, para que o imóvel não se exponha à penhora, é necessário que sirva de residência do casal ou da entidade familiar. Sua destinação comercial o descaracteriza como bem de família, “porque prevalece a destinação precípua, o local de moradia da entidade familiar” (RT. 721/149).

No caso dos autos, verifica-se que o imóvel de matrícula 30.075 do Registro de Imóveis de Passo Fundo/RS (Evento 34 – OUT2) possui utilização mista, existindo uma parte residencial, que é destinada à moradia do executado Francisco – fato...

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