Acórdão nº 50244564220158210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 11-03-2022

Data de Julgamento11 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50244564220158210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001705849
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5024456-42.2015.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATOR: Desembargador ANTONIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD

APELANTE: HELENA WOLFART (AUTOR)

APELADO: GOLDFARB INCORPORACOES E CONSTRUCOES S/A - EM RECUPERACAO JUDICIAL (RÉU)

APELADO: GOLDFARB 7 EMPREENDIMENTO IMOBILIARIO LTDA - EM RECUPERACAO JUDICIAL (RÉU)

APELADO: PDG REALTY S/A EMPREENDIMENTOS E PARTICIPACOES (RÉU)

RELATÓRIO

HELENA WOLFART, autora, apela da sentença que julgou parcialmente procedente a ação indenizatória proposta contra GOLDFARB 7 EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL, GOLDFARB INCORPORACÕES E CONSTRUÇÕES S/A - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL e PDG REALTY S/A EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES, nos seguintes termos:

Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido do autor, para condenar a parte ré à restituição, em dobro, das quantias despendidas a título de “parcela não contratual” e “averbação” nos valores de R$408,67 e R$ 274,79, corrigidas pelo IGP-M a contar do desembolso e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação.

Considerando a sucumbência mínima da ré, condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios no valor de R$ 2.000,00, forte no art. 85, § 8º, do CPC. Suspensa a exigibilidade da sucumbência em razão da gratuidade deferida.

Em suas razões recursais, reitera que houve atraso na entrega do empreendimento, e, por isso, requer a condenação das rés à devolução em dobro dos valores despendidos a título de juros de obra, parcela não contratual, pro-soluto contratual, averbação, pagamento de indenização por lucros cessantes (em 0,8% do valor do imóvel), aplicação de multa pelo atraso na entrega. Pleiteia, ainda, a restituição em dobro do valor despendido a título de comissão de corretagem, bem como a condenação das rés ao pagamento de indenização por danos morais e nos ônus da sucumbência.

O prazo das contrarrazões transcorreu in albis.

Os autos vieram conclusos para julgamento.

VOTO

Cuida-se de apreciar recurso de apelação interposto pela autora contra a sentença que julgou parcialmente procedente a ação.

De início, afirmo não haver interesse, por parte da apelante, em pleitear a restituição dos valores pagos a título de “parcela não contratual” e “averbação”, pois esses pleitos foram acolhidos pela sentença.

A autora informou, na inicial, que em 13/9/2012 celebrou com as demandadas contrato de promessa de compra e venda para aquisição da unidade autônoma nº 354 integrante do Residencial Vale das Figueiras, nesta Capital. A entrega da unidade deveria ocorrer em dezembro de 2013, contudo, houve atraso na entrega da obra, o que somente ocorreu em outubro de 2014. Diante disso, a autora ajuizou a presente demanda, a fim de que haja a condenação da ré à repetição, em dobro, dos valores despendidos no pagamento de juros de obra, parcela não contratual, pro-soluto contratual, averbação e comissão de corretagem. Pediu que, em razão do atraso, seja aplicada a multa contratual prevista na cláusula 7.4.2 e reparados os lucros cessantes, requerendo, por fim, a condenação das rés ao pagamento de indenização por danos morais.

A sentença reconheceu a ilegitimidade das rés para responder pela quantia paga a título de comissão de corretagem. Considerou não ter havido atraso na entrega da obra, pois, com a assinatura do contrato com o agente financeiro, o prazo anterior fixado na promessa de compra e venda deixou de prevalecer, porquanto substituído por outro lapso temporal, inclusive com anuência da autora, da ré e da CEF; por conseguinte, o novo prazo para conclusão da obra passou a ser abril/2015. Inexistindo atraso na entrega da obra, julgou improcedentes os pedidos de pagamento de multa, indenização por danos morais e lucros cessantes, bem como de reembolso dos juros da obra. Indeferiu o pleito de restituição dos valores denominados “pró-soluto contratual”, uma vez que se trata de encargo expressamente previsto em instrumento de confissão de dívida firmado pela autora (fl. 251v). Considerou indevida a cobrança da parcela denominada “Parc. Não contratual”, no valor de R$ 408,67, e “Averbação”, no valor de R$ 274,79 (fl. 123), uma vez que não há nos autos comprovação de que sua cobrança detenha qualquer suporte no contrato, e determinou a devolução dobrada de tais valores.

Contra a sentença, apela a autora, afirmando que houve atraso na entrega da obra.

O contrato celebrado em 13/9/2012 pela autora com Goldfarb Empreendimento Imobiliário previu que a entrega da obra ocorreria em dezembro de 2013, com prazo de tolerância de 180 dias ao Evento 3 - PROCJUDIC1 - Página 24.

Posteriormente, em 30/4/2013, a autora celebrou contrato de financiamento com as rés e com a Caixa Econômica Federal, sendo avençada nova data para a entrega.

Todavia, o STJ, em sede de recurso repetitivo (REsp 1.729.593), decidiu não ser possível, em contratos de promessa de compra e venda, a fixação de prazo para a entrega da unidade imobiliária vinculado à concessão do financiamento, fixando a seguinte tese (Tema 996):

Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.

Assim tem decidido a 19ª Câmara Cível:

APELAÇÕES CÍVEIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO DE ENTREGA DO IMÓVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO DE ENTREGA DO IMÓVEL. O descumprimento contratual por culpa exclusiva do promitente-vendedor quanto ao prazo de entrega do imóvel implica responsabilização pelo atraso. PRAZO DE ENTREGA DO IMÓVEL. O contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico (REsp. repetitivo n. 1729593/SP do STJ - Tema 996). PRAZO DE TOLERÂNCIA. A cláusula que estipula prazo de tolerância de até 180 dias não é abusiva, sobretudo porquanto é normal em empreendimentos destinados à construção de várias unidades autônomas. EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA PENAL APENAS EM FAVOR DA PROMITENTE-VENDEDORA. ARBITRAMENTO JUDICIAL. Em contrato de adesão celebrado entre comprador e construtora/incorporadora, a cláusula penal prevista apenas em favor da promitente-vendedora deve ser considerada para a fixação da indenização pelo seu inadimplemento (Resp. repetitivo n. 1631485/DF do STJ - Tema 971). LUCROS CESSANTES. No descumprimento do prazo de entrega do imóvel, o prejuízo do promitente-comprador é presumido, ensejando indenização a título de lucros cessantes até a data da disponibilização da posse direta ao adquirente. (REsp. repetitivo n. 1729593/SP do STJ -Tema n. 996). HONORÁRIOS CONTRATUAIS. RESSARCIMENTO. A contratação de advogado particular não pode vincular terceiros, motivo pelo qual descabe o ressarcimento por honorários contratuais. Neste sentido, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR n. 3) julgado neste TJRS. CLÁUSULA PENAL. CUMULAÇÃO. PERDAS E DANOS MATERIAIS - LUCROS CESSANTES E DANOS EMERGENTES. IMPOSSIBILIDADE. É inviável a cumulação de cláusula penal com lucros cessantes ou danos emergentes (REsp. repetitivo n. 1635428 - Tema 970). DANOS MORAIS. INEXISTÊNCIA. O descumprimento do prazo de entrega do imóvel por culpa da promitente-vendedora, por si só, não enseja indenização por danos morais. No caso concreto, o atraso na entrega do imóvel não é significativo, inexistindo situação excepcional concreta capaz de caracterizar o alegado dano moral. ENCARGOS DURANTE O PERÍODO DE ATRASO. CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE O SALDO DEVEDOR. A correção monetária não é acréscimo, mas mera atualização do valor da moeda. Optando pelo financiamento de parte do preço ajustado no compromisso de compra e venda, o comprador é responsável pelo pagamento do valor residual. Por outro lado, o descumprimento do prazo de entrega do imóvel faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor pelo índice setorial, o qual deve ser substituído pelo IPCA, salvo se o índice contratado for mais benéfico ao adquirente (REsp. repetitivo n. 1729593/SP do STJ –Tema 996). REDIMENSIONAMENTO DA SUCUMBÊNCIA. Na hipótese de sucumbência recíproca, ou seja, se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas processuais (art. 86 do CPC). APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS.(Apelação Cível, Nº 70070870704, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 01-10-2020)]

Anoto que a utilização da data de entrega constante no contrato de financiamento sequer foi requerida pelas rés na contestação.

Tomando-se, portanto, a data prevista no contrato de promessa de compra e venda, acrescendo 180 dias de tolerância, tem-se que a entrega deveria ocorrer até junho de 2014.

Todavia, a carta de habite-se foi expedida em 14/8/2014 ao Evento 3 - PROCJUDIC7 - Página 1, tendo havido pequeno atraso na entrega, de dois meses.

Falta de materiais de construção, escassez de funcionários e elevado volume de chuvas não se erigem em motivos de força maior aptos a romper o nexo causal entre a conduta das rés e os danos causados à autora, pois consistem em eventos previsíveis na atividade da construção civil.

Reconhecido que houve atraso na entrega da obra, passo a analisar os pleitos indenizatórios.

Juros de obra.

As rés detêm legitimidade para ressarcir a autora dos valores pagos a título de juros de obra após a...

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