Acórdão nº 50246807720158210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Câmara Cível, 19-04-2022

Data de Julgamento19 Abril 2022
ÓrgãoDécima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50246807720158210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001770841
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

10ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5024680-77.2015.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Moral

RELATOR: Desembargador TULIO DE OLIVEIRA MARTINS

APELANTE: BENTA MARIA VIEIRA DE SOUZA (AUTOR)

APELANTE: CARINA VIEIRA DE SOUZA (AUTOR)

APELANTE: CARLOS ALBINO AIRES DE SOUZA (AUTOR)

APELADO: HOSPITAL ERNESTO DORNELLES (RÉU)

APELADO: CYRO ALFREDO PINTO SOARES LEAES (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de ação indenizatória ajuizada por CARLOS ALBINO AIRES DE SOUZA, BENTA MARIA VIEIRA DE SOUZA e CARINA VIEIRA DE SOUZA em face de HOSPITAL ERNESTO DORNELLES e CYRO ALFREDO PINTO SOARES LEÃES buscando a reparação por danos materiais e morais em razão da falha na prestação do serviço que teria ocasionado o óbito de seu filho e irmão.

Narraram que Carlos Augusto Vieira de Souza foi internado no Hospital Ernesto Dornelles em 18/04/2015 por causa de um infarto agudo do miocárdio, necessitando de uma cirurgia para colocar um implante de stent. Permaneceu dois dias na UTI e depois foi transferido para o centro de cuidados especiais onde permaneceu apenas um dia, sendo que em 21/04/2015 foi transferido para o quarto.

Afirmaram que o paciente era portador de distúrbio de bipolaridade e fazia uso de medicações contínuas, não sendo recomendado que o mesmo ficasse sozinho no quarto. No dia 23/04/2015, por volta de 06h, o médico Dr. Cyro Alfredo telefonou para os familiares solicitando a presença no hospital em razão de Carlos estar em surto.

Quando chegaram no local, souberam que Carlos havia se jogado pela janela do quarto que ficava no sexto andar. Em virtude da queda, sofreu o rompimento do intestino em duas partes, cortes profundos e fraturas, permanecendo hospitalizado até o dia 23/05/2015 quando faleceu.

Postularam a condenação dos réus em indenização por danos morais em valor a ser arbitrado pelo juízo.

Foi deferida a gratuidade judiciária.

Citados, os réus apresentaram contestação.

O réu Cyro Alfredo alegou que é médico cardiologista e atendeu ao de cujus na emergência e depois na internação em razão do infarto sofrido. Referiu que foram seguidos os protocolos de internação e Carlos foi para o quarto já que seu quadro era estável e sem intercorrências. Afirmou que no dia do fato, por volta de 05h os seguranças do hospital o encontraram em cima da subestação de gás de cozinha, tentando fugir. Foi abordado e necessitou de contenção.

Sustentou que não procede a narrativa de queda do sexto andar, sendo incompatível inclusive com as lesões sofridas. Argumentou que não houve tentativa de suicídio, mas tentativa de fuga e que a causa mortis foi em decorrência de complicações cardiológicas. Arguiu a ocorrência de culpa exclusiva da vítima. Pediu pela improcedência da ação.

A ré AFPERGS, entidade mantenedora do Hospital Ernesto Dornelles, alegou que o paciente tentou fugir do hospital pela janela do segundo andar e acabou sofrendo um hematoma intra-abdominal (peri-hepático e peri-esplênico), permanecendo internado para cirurgia e tratamento. Afirmou que Carlos sofreu uma fibrilação atrial de alta resposta e choque cardiogênico com paradas cardiorrespiratórias sem resposta às medidas de ressuscitação.

Sustentou que arritmias cardíacas não deixam vestígios detectáveis na necropsia. Referiu que foram avisados de que o paciente sofria transtorno bipolar, mas que permanecia assintomático há cerca de 3/4 anos e o diagnóstico da doença não é suficiente para determinar a adoção de medidas de contenção mecânica ou medicamentosa. Requereu a total improcedência dos pedidos.

Foi apresentada réplica e realizada audiência de instrução.

Sobreveio sentença que julgou o feito improcedente, condenando a parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$1.500,00 (um mil e quinhentos reais), restando suspensa a exigibilidade em razão do deferimento da gratuidade judiciária.

Inconformados, apelaram os demandantes. Em suas razões recursais, alegaram que todas as testemunhas ouvidas em audiência possuem vínculo empregatícios com o hospital réu, sendo parciais e tendenciosas. Sustentaram que o psiquiatra Fernando Hinnah Filho confirmou que havia uma forte suspeita de tentativa de suicídio. Afirmaram que os réus não tomaram as medidas preventivas de segurança do paciente, ignorando seu problema psicológico. Discorreram acerca da ausência de cuidados do hospital com pacientes com doenças psiquiátricas e da existência de nexo causal da queda com o óbito do de cujus. Pediram o provimento do recurso.

Apresentadas contrarrazões, os autos subiram a esta Corte para julgamento.

Neste grau de jurisdição, o Ministério Público declinou de intervir no feito.

Foi o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do presente recurso eis que preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Pretende a parte autora a reparação por danos materiais e morais em razão da alegada falha na prestação hospital eis que Carlos Augusto Vieira de Souza estava internado no hospital réu para colocação de stent por ter sofrido infarto e pulou da janela do nosocômio.

O paciente sofreu fraturas e rompimento do intestino em duas partes, além de cortes profundos, permanecendo hospitalizado até o dia 23/05/2015 quando faleceu.

Alegam os familiares que o de cujus era bipolar e os réus foram negligentes eis que não deram a devida atenção ao seu transtorno e tampouco tomaram o cuidado necessário para mantê-lo seguro.

O presente recurso cinge-se na hipótese de responsabilidade ou não dos réus pelos danos suportados pelo paciente e consequentemente pelos seus familiares. Em outras palavras, cabe ao órgão julgador aferir se houve negligência, imprudência ou imperícia por parte dos requeridos ou questão superveniente que venha a elidir eventual responsabilidade.

Sergio Cavalieri Filho distingue duas hipóteses de responsabilização médica: a responsabilidade decorrente da prestação do serviço direta e pessoalmente pelo médico como profissional liberal, e a responsabilidade médica decorrente da prestação de serviços médicos de forma empresarial, aí incluídos os hospitais.1

Em audiência de instrução foram ouvidos o réu Cyro e dez informantes.

O réu Cyro Alfredo alegou que o paciente, desde a internação, não apresentava nenhuma alteração psiquiátrica e não necessitava de medicação, primeiro por estar sem medicação há três anos e não tinha sintomas e segundo porque psicotrópicos são drogas que atuam no coração, causando arritmia, seguindo protocolo do hospital. Referiu que se o paciente apresentasse algum sintoma, teriam tomado algumas medidas como contenção. Afirmou que o CREMERS não permite que o médico dê o atestado de óbito quando há histórico de traumatismo.

A informante Letícia Capelleti, enfermeira que trabalha na unidade de cuidados especiais disse que o paciente era lúcido, colaborativo e orientado, sem nenhuma alteração de psiquiátrica. Referiu que após a queda Carlos voltou para a unidade e o comportamento havia mudado, estando em delírio.

O informante Alexys Vasiluk Knebel, médico, referiu que atendeu ao de cujus quando chegou na emergência do hospital com infarto agudo do miocárdio. Referiu que na anamnese questiona o uso de medicamentos e de doenças pré-existentes para saber qual procedimento tomar. No caso de Carlos, disse que ter o diagnóstico de bipolaridade não seria motivo para contenção mecânica, apenas de ele estivesse alterado ou a família passasse esta informação.

Disse que o protocolo médico de qualquer hospital em Porto Alegre é de que só deve ser usada contenção mecânica ou química quando há existência de sintoma. Questionado, afirmou que o impedimento legal para assinar o atestado de óbito ocorre em casos de violência, envenenamento, mas que pela evolução do quadro do paciente, parece que não havia impedimento e o atestado poderia ter sido fornecido.

A informante Magali da Silva Gonçalves, enfermeira do sexto andar que atendeu Carlos no dia do acidente, referiu que esteve no quarto visitando-o e ele estava orientado, lúcido e tranquilo, sem nenhum sinal de agitação ou de depressão. Depois de algum tempo foi chamada no térreo para ver o paciente (que estava com a pulseira do 6º andar), que estava conversando e aparentemente apenas com uma lesão no braço.

Afirmou que voltou até o quarto em que o paciente estava internado e conversou com o acompanhante do leito ao lado do dele e informaram que não viram nada de anormal. Questionada, disse que para pular da janela daquele quarto, a pessoa teria que abrir a janela e arrastar a cama ou uma cadeira para subir, sendo que outras pessoas no quarto iriam ver.

O informante André Villani, médico que atendeu o paciente na UTI quando recuperava-se do infarto referiu que o de cujus estava sempre lúcido, colaborativo e tranquilo.

O informante Júlio César Ferreira dos Santos, segurança patrimonial do hospital réu, afirmou que um dos vigilantes encontrou o paciente pulando a grade do local para fugir, nu. Disse que pessoas na rua viram e chamaram a emergência. Quando o abordaram, precisaram contê-lo e chamaram a enfermeira, que trouxe a cadeira de rodas e o cobriu.

Alegou que provavelmente Carlos saiu pela janela do segundo andar (cerca de dois metros do chão), já que são janelas basculantes que permitem a passagem de uma pessoa e ficam em cima das telhas da subestação de gás.

A informante Kelen da Silva Gomes, enfermeira que atendeu Carlos após o acidente disse que ele estava comunicativo, lúcido, um pouco agitado e com um ferimento no braço e escoriações leves.

O informante Oscar Eduardo Luz de Carvalho Leite, médico que atendeu o de cujus na cirurgia no abdômen referiu que o paciente estava lúcido, consciente e colaborativo antes da cirurgia. Afirmou que na anamnese encontrou um traumatismo...

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