Acórdão nº 50250863420218210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 01-12-2022

Data de Julgamento01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50250863420218210019
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002922183
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5025086-34.2021.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Colocação em família substituta

RELATOR: Juiz de Direito MAURO CAUM GONCALVES

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por G. M. D. S. em face da sentença que, nos autos da ação de destituição do poder familiar ajuizada pelo Ministério Público em favor de Y. D. S., julgou procedentes os pedidos, nos seguintes termos do dispositivo:

III. Decido.

Ante as razões alinhadas, JULGO PROCEDENTE a pretensão aviada pelo Ministério Público na presente ação, para destituir Gislaine Margarete de Souza do poder familiar com relação a Y. de S., nascido em 22 de novembro de 2020, com fundamento no artigo 1.638, incisos II e III, do Código Civil e no artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Sem custas processuais, consoante artigo 141, § 2º, da Lei 8.069/90.

Intimem-se.

Anote-se no SNA.

Certifique-se o teor da decisão nos autos do PPA e, se ainda em tramitação, na Medida de Proteção.

Após o trânsito em julgado, a sentença deverá ser averbada à margem do registro de nascimento, nos termos do art. 163, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Para fins de cumprimento das disposições, serve a sentença como mandado.

Promovam-se as diligências legais.

Em suas razões, suscitou, preliminarmente, a nulidade da citação editalícia, sob o argumento de não terem sido exauridos os meios de sua citação pessoal, tampouco esgotadas as diligências junto aos órgãos de praxe tendentes à sua localização, em flagrante violação ao disposto no artigo 356, § 3º, do Código de Processo Civil e aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, sobretudo em virtude de a curadoria especial não conseguir exercer uma defesa consistente, por não possuir contato direto com a parte e não conhecer as peculiaridades do caso. No mérito, defendeu ser a destituição/suspensão do poder familiar e colocação da criança em família substituta medida subsidiária, extrema e excepcional, somente cabível quando esgotadas as tentativas de reconstituição dos vínculos familiares, nos termos do artigo 100, inciso X, do Estatuto da Criança e do Adolescente, situação não evidenciada, tendo em vista não terem sido esgotadas as tentativas de manutenção da criança no seio da família natural/biológica, tampouco de busca por familiares maternos. Salientou, ainda, inexistirem elementos probatórios que atestem, de forma cabal, sua impossibilidade de exercer a maternidade responsável, tampouco de garantir a proteção dos filhos. Nesses termos, requereu o acolhimento da prefacial para declarar a nulidade da sentença, determinando-se o retorno dos autos à origem para a realização de novas diligências para a obtenção de seu endereço, e, no mérito, o provimento do apelo, reformando-se o decisum para julgar improcedente o pedido.

Foram apresentadas as contrarrazões.

Os autos ascenderam a esta Corte, sendo a mim distribuídos.

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade (art. 1.009 do Código de Processo Civil), conheço do apelo.

Para dissipar qualquer dúvida acerca da correção do provimento fustigado, considerando a gravidade dos fatos narrados, consigno que a ultrapassei ao ler as razões alçadas ao conhecimento desta Câmara Cível, atentando às provas encadernadas ao feito durante a instrução que foram fielmente analisadas pelo Juízo a quo e pela Promotoria de Justiça que inaugurou a presente demanda a este Poder Judiciário. A matéria litigiosa, efetivamente, se atrela ao dramático descaso da mãe com a filha.

Dito isso tudo, não há respaldo para julgamento outro senão o de procedência do pedido de destituição do poder familiar de G. M. D. S. em relação a Y. D. S.. Assim, pela propriedade que analisado o contexto fático, rogo vênia para adotar como razões as doutas palavras da Juíza de Direito Dra.Angela Martini, que alcançou e tocou cada ponto da infeliz narrativa, entranhando-se no cerne do litígio e fazendo dele o que este subscritor, agora, transcreve com a certeza de que nada mais precisará ser dito, sob pena de ingressar em desnecessária tautologia:

A hipótese, antecipe-se, é de procedência da pretensão.

Consoante registrado na decisão que antecipou os efeitos da tutela final, os documentos que acompanharam a peça vestibular demonstravam ações e omissões que implicaram a violação de direitos do favorecido. Bem a propósito, segue transcrita, evitando-se, com isso, reanálise da prova até aquele instante produzida:

02. De início, cabe aqui fazer breve alusão à história relativa à prole de Gislaine, irmãos de Y., ressaltando-se que, como prenunciado na inicial, nenhum deles se encontra sob os cuidados da genitora. A situação da requerida é, retome-se, acompanhada há bastante tempo por este Juízo em razão da vulnerabilidade a que estavam submetidos os filhos mais velhos, tendo em vista que a requerida e seu companheiro são, há bastante tempo, usuários intensos de substâncias psicoativas.

Importa anotar que os três filhos de Gislaine (de que tem conhecimento certo esse Juízo, pois pende dúvida sobre a existência e localização de quarto, R.), foram acolhidos institucionalmente e encaminhados à família substituta depois de se verificar a total incapacidade da requerida para o exercício do poder familiar.

Na Ação de Destituição do Poder Familiar de V. N, registrou-se na fundamentação da sentença:

O relatório datado de setembro de 2015, oriundo da Fundação de Saúde Pública de Novo Hamburgo (fls. 19-20), noticia que a ré chegou ao hospital para dar a luz a V. desorientada e confusa. Relatou a requerida à equipe do nosocômio que é ex-usuária de drogas. Em um primeiro momento, negou o uso durante a gestação. Porém, em intervenção individual, assumiu o uso de crack durante toda gravidez, até dois dias antes do parto. O requerido, por sua vez, admitiu o uso de cocaína dele e da requerida, negando uso de crack. Autorizada a visitação, a requerida incorreu em “fuga hospitalar”, mas continuou indo ao hospital ver o filho. Sobreveio decisão, nos autos da medida de proteção nº 019/5.15.0001499-7, determinando o acolhimento institucional do infante (fls. 12-13). No final de setembro de 2015 (fls. 17-18), foi realizado estudo social. Na avaliação e parecer, consta que Gislaine fala de modo lento, demora para responder perguntas; além disso, passou ao serviço informações incorretas e destoantes e parece não ter noção de tempo, não sabendo a expert se isso decorre do uso de drogas ou outro problema prévio. Para o SSJ, apresentou-se como essencial a permanência dos requeridos em atendimento junto ao CAPS AD. O Plano Individual de Atendimento (PIA), a sua vez, discorreu acerca do histórico familiar (fls. 25-33). Trouxe as questões relativas ao acolhimento da genitora dos seus 07 aos 18 anos, o uso de substâncias psicoativas pelos requeridos, a dificuldade de compreensão e expressão verbal e corporal da ré, além de sua dificuldade de memória. Há informações também sobre a progenitora materna e sua impossibilidade de cuidar do neto. Sobre o genitor, existe ainda a notícia de já se ter envolvido com tráfico de substância entorpecente. Em contato com o CAPS AD, obteve a equipe da instituição a informação de que os requeridos não compareceram ao referido serviço. Quanto à visitação, aduzem os técnicos que Gislaine tinha dificuldades em se vincular e interagir com o filho, sendo este contato inseguro e apresentando a genitora dificuldades de manejo. Os requeridos reduziram as visitas o filho e não demostraram mudança de atitude que ensejasse o retorno do infante aos pais. Não havia família extensa interessada em obter a guarda de V.. Tanto o parecer social quanto psicológico indicou a colocação do protegido em família substituta. No Termo de audiência Concentrada (realizada nos autos do processo nº 019/5.15.0001499-7, cuja cópia é acostada às fls. 34-35), a equipe técnica da instituição corroborou o parecer de colocação do infante em família substituta, em razão do abandono (hoje os réus visitam o filho uma vez por semana mas ficaram tempos sem visitá-lo), da falta de adesão ao CAPS AD para o tratamento da drogadição (inclusive havendo manifestação do requerido que não fará o atendimento) e da verificação acerca do comprometimento psíquico da genitora. Assim, feito esse apanhado sobre os elementos de prova até então aportados, sobra a conclusão, em sede de cognição sumária, é verdade, que os requeridos vêm praticando atos contrários àqueles que se exige de pais para bem conduzir sua prole pela vida. A genitora demonstrou falta de manejo com o filho, além do comprometimento psíquico e uso de drogas durante toda a gravidez. Os requeridos, ambos usuários de drogas, não aderiram aos atendimentos do CAPS AD apesar do encaminhamento realizado. Portanto, nada ou pouco fizeram para reverter a situação e deter a guarda do filho. O contexto verificado ao tempo do ajuizamento da presente demanda foi chancelado pela prova colhida no curso da instrução. Bruna Rafaela Rodrigues Martins, psicóloga da Casa de Passagem Anjo da Guarda, declarou que V. N. foi acolhido diante da possibilidade de uso de substâncias psicoativas pelos genitores. A criança permaneceu em situação de acolhimento por quase um ano. Rubes e Gislaine foram orientados a buscar atendimento junto ao CAPS
AD; eram aconselhados pela equipe, quando da realização de visitas.
Todavia, a visitação diminuiu e, em contato com o CAPS, obtiveram a notícia de que o casal não estava se submetendo a tratamento. De igual sorte, não foi constatada nenhuma organização familiar. No tocante à família extensa, houve uma interlocução com o pai do...

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