Acórdão nº 50252011220218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 05-05-2022

Data de Julgamento05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50252011220218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002085305
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5025201-12.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATORA: Desembargadora VIVIAN CRISTINA ANGONESE SPENGLER

APELANTE: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: VALMIR CERRI SOARES (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação interposta por FACTA FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU) contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados nos autos da Ação Revisional movida por VALMIR CERRI SOARES (AUTOR), nos seguintes termos (evento 41, SENT1):

Isso posto, nos termos do art. 487, I do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados nos autos da Ação Revisional ajuizada por VALMIR CERRI SOAREScontra FACTA FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, para o fim de:

a) tornar definitiva a tutela provisória de urgência;

b) determinar a limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado registrada pelo BACEN.

c) descaracterizar a mora;

d) determinar a devolução/compensação de eventual valor pago a maior pelo autor. Sobre o saldo a ser restituído, deverão incidir correção monetária pelo IGP-M a partir do vencimento da parcela paga e juros legais desde a citação.

e) determinar a suspensão imediata da cobrança das parcelas dos contratos de empréstimo de números 4913870 e 4819792, no contracheque do autor, sob pena de multa de R$ 500,00 por hipótese de descumprimento.

Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte autora os quais fixo em R$ 3.000,00 (art. 85, § 2º do CPC).

Em suas razões de apelo (evento 48, APELAÇÃO1), a parte ré afirma ter autorização do Conselho Monetário Nacional para contratação de juros livremente, e que as taxas aplicadas em percentual superior à média de mercado, por si só, não caracterizam abusividade. Disse que em decorrência das peculiaridades do caso concreto, a alegada abusividade deve ser devidamente demonstrada pelo consumidor. Entende que a taxa média divulgada pelo Bacen não leva em consideração as particularidades do caso, especialmente os empréstimos consignados para servidores públicos estaduais. Tece considerações a respeito da margem consignável e demais singularidades afetas ao servidor público. Pede a readequação dos honorários advocatícios para que sejam fixados com base no proveito econômico. Pugna pelo provimento, ao efeito de julgar improcedentes os pedidos iniciais, ou, alternativamente, a limitação dos juros para a média de mercado acrescida de uma vez e meia.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 52, CONTRAZAP1).

Subiram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso porque presentes os requisitos de admissibilidade.

Cuida-se de ação revisional de contrato na qual o autor narrou ter firmado quatro contratos de empréstimos com o banco réu (n. 4819792, 5130136, 5434015 e 4913870) e que as taxas de juros aplicadas são abusivas. Postulou a limitação dos juros às médias de mercado e a restituição do indébito.

Sobreveio sentença de procedência.

Inconformada, a parte ré apela.

Passo ao exame do recurso.

Dos juros remuneratórios

Registro, não há óbice à fixação de juros superiores a 12% ao ano, afinal, trata-se de pactuação envolvendo instituição financeira, a qual se submete à Lei nº 4.595/64, não ao Decreto nº 22.626/33. Ademais, “a estipulação de taxa de juros superior a 12% ao ano, por si só, não indica a abusividade” (Súmula nº 382/STJ).

Outrossim, a revisão das taxas de juros remuneratórios é cabível apenas excepcionalmente, “desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto” (resp 1061530/RS, julgado pelo rito dos recursos repetitivos).

A constatação de eventual abusividade dos juros remuneratórios apenas ocorre, conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça, em caso de fixação em percentual que exceda de forma substancial a taxa média de mercado, conforme tabela divulgada pelo Banco Central. Ressalto que a taxa média de mercado, portanto, serve de parâmetro para se avaliar se há ou não abusividade, o que dependerá da análise do caso concreto.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PETIÇÃO DE RECONVENÇÃO. POSSIBILIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. VALORES DEVIDOS. RESTITUIÇÃO INDEVIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. É cabível a apresentação de reconvenção à ação de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária, com a finalidade de se pleitear a revisão do contrato, bem como a devolução de quantias pagas a maior. Precedente. 2. Quanto aos juros remuneratórios, as instituições financeiras não se sujeitam aos limites impostos pela Lei de Usura (Decreto 22.626/1933), em consonância com a Súmula 596/STF, sendo inaplicáveis, também, os arts. 406 e 591 do CC/2002. Além disso, a simples estipulação dos juros compensatórios em patamar superior a 12% ao ano não indica abusividade. Para tanto, é necessário estar efetivamente comprovado nos autos a exorbitância das taxas cobradas em relação à taxa média do mercado específica para a operação efetuada, oportunidade na qual a revisão judicial é permitida, pois demonstrados o desequilíbrio contratual do consumidor e a obtenção de lucros excessivos pela instituição financeira. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (agrg no resp 1028453 / RJ; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL; 2008/0018691-5; Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS) (Grifei)

Na espécie, as parte firmaram os seguintes contratos:

Nº Contrato Data Taxa aplicada ao mês Taxa aplicada ao ano Taxa Bacen ao mês Taxa Bacen ao ano
4819792 05/2018 5,69% 94,34% 1,79% 23,76%
4913870 08/2018 5,69% 94,34% 1,72% 22,75%
5130136 01/2019 6,50% 112,91 1,69% 22,32%
5434015 09/2019 2,50% 34,49% 1,48% 19,32%

Referências: Séries 254671 e 207452 - Crédito Pessoal Consignado para Trabalhadores do Setor Público.

Dessa forma, diante de percentuais que superam as médias praticadas pelo mercado para os mesmos períodos e modalidade de contratação, não há que prosperar o apelo da ré.

Assim, inclusive, tem decidido esta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. ACOLHIMENTO PARCIAL DE PRELIMINAR DE SENTENÇA EXTRA PETITA. Considerando a ausência de pedido nesse sentido, é que a declaração de nulidade dos contratos e do negócio jurídico entre as partes deve ser revista, por afronta ao disposto nos artigos 489 e 492 do CPC, merecendo provimento o apelo por formulado pela ré, no ponto. TEORIA DA CAUSA MADURA. JUROS REMUNERATÓRIOS FIXADOS EM PERCENTUAL ABUSIVO. Nesse rumo, por força da aplicação do princípio da Teoria da Causa Madura, este Tribunal deve decidir, de forma direta, o mérito da questão nos termos do artigo 1.013, § 3º, IV, CPC. Assim, quanto ao mérito, consoante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RESP n.º 1061530 / RS, realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade, capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada, fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. No caso sob apreço, os juros foram fixados em percentual aproximadamente três vezes superior à taxa praticada pelo mercado. Diante disso, a adequação deste encargo em consonância à taxa média divulgada pelo BACEN no período é medida que se impõe. REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. Reconhecido o direito ao redimensionamento das contraprestações fixadas no contrato, toda e qualquer importância econômica anteriormente exigida da autora e por ela paga excedente ao valor efetivamente devido perderá sua exigibilidade, devendo ser devolvido eventual montante pago a mais, na forma simples, ante à ausência de má-fé. DANO MORAL. SUPORTE FÁTICO NÃO DEMONSTRADO. MERO DISSABOR. Caso em que, embora demonstrada a abusividade das taxas de juros praticadas nos contratos, não houve prova suficiente da alegada situação vexatória e constrangedora sofrida pela autora, condição que se impunha, sobretudo quando impossível a aferição de pronto de circunstância dessa natureza. PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. DESCONSTITUÍRAM PARCIALMENTE A SENTENÇA, POR EXTRA PETITA. JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTE A DEMANDA. UNÂNIME” (Apelação Cível, Nº 70081586075, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Deborah Coleto Assumpção de Moraes, Julgado em: 29-08-2019) (Grifei)

Saliento, ainda, que a margem pretendida sobre a taxa de mercado se mostra...

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