Acórdão nº 50252027320218210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50252027320218210008
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003080318
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5025202-73.2021.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATOR: Desembargador JORGE MARASCHIN DOS SANTOS

APELANTE: CARMEN BEATRIZ NOGUEIRA LISBOA (AUTOR)

APELADO: MAGAZINE LUIZA S/A (RÉU)

APELADO: BANCO ITAUCARD S.A. (RÉU)

APELADO: PICPAY SERVICOS S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por CARMEN BEATRIZ NOGUEIRA LISBOA, em face da sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais, nos autos da ação declaratória de inexistência de dívida c/c danos morais e repetição do indébito, que promove em desfavor de MAGAZINE LUIZA S/A e OUTROS, com o seguinte dispositivo:

Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE a ação, condenando a parte demandante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, com fulcro no art. 85, § 2º, do CPC.

Todavia, resta suspensa a exigibilidade, tendo em vista que a autora é beneficiária da assistência judiciária gratuita (Evento 4).

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

(Dra. GORETE FATIMA MARQUES, Juíza de Direito do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Canoas/RS).

Em suas razões, a parte autora postula a reforma da sentença recorrida, sob o fundamento de que, mesmo sendo reconhecida a fraude e estornado os valores, a anuidade está sendo cobrada sem a utilização do cartão pela parte autora. Afirma que, embora lançado o crédito no cartão, mensalmente a demandada desconta valores indevidos. Alega ser vítima da incapacidade das rés e que, mesmo sem qualquer intenção em efetuar compras, está arcando com o pagamento da anuidade. Refere que o estorno do valor integral somente ocorreu após o ajuizamento da ação. Discorre acerca do cabimento de indenização por danos morais. Defende do cabimento de devolução dos valores descontados indevidamente em dobro. Pugna pelo provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 64, 12 e 13 do recurso de apelação).

Cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 935 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE.

O prazo para interposição de recurso de apelação pela parte autora encerrou em 01/08/2022 (evento 54), sendo o recurso interposto nesta data (evento 63), sem preparo em razão da gratuidade de justiça concedida. Assim, o recurso foi interposto dentro do prazo recursal previsto no artigo 1003, § 5º, do Código de Processo Civil, qual seja, de 15 dias.

BREVE RELATO DOS FATOS.

Trata-se de ação declaratória de inexistência de dívida c/c danos morais e repetição do indébito, na qual a parte autora sustenta que, ao analisar as faturas pagas, percebeu a existência de compras jamais realizadas. Afirma que foi vítima de fraude, pois não realizou qualquer compra parcelada com o cartão, tampouco comprou pelo site. Aduz que as demandadas não reconheceram as cobranças indevidas, bem como negaram o cancelamento e estorno dos valores. Discorre acerca da necessidade de indenização pelos danos morais e materiais enfrentados. Requer, em razão dos fatos, a declaração de irregularidade dos lançamentos, com a condenação das demandadas à restituição em dobro dos valores, bem como ao pagamento de indenização por danos morais e honorários advocatícios.

Em sede de contestação, a parte demandada BANCO ITAUCARD aduz, preliminarmente, a falta de interesse de agir e a delimitação do pedido. No mérito, afirma que adotou as providências necessárias para minimizar o problema, uma vez que o estorno integral dos valores questionados foi realizado. Defende a inexistência de danos morais e materiais. Aduz a demora no ajuizamento da ação. Requer o acolhimento das preliminares, com extinção do feito. Postula, alternativamente, o julgamento de improcedência dos pedidos.

Em sede de contestação, a parte demandada PICPAY aduz, preliminarmente, a ilegitimidade passiva, a inépcia da inicial e a carência da ação. No mérito, afirma que não possui qualquer responsabilidade pela segurança externa dos dados do cartão de crédito da autora, não havendo o que falar em falha de segurança. Alega que realizou as transações solicitadas. Aduz que quem realizou o cadastro do cartão da autora, possuía no mínimo, acesso ao cartão de crédito. Refere que a parte autora não contatou o suporte a fim de informar os fatos. Defende a inexistência de danos morais e materiais. Requer o acolhimento das preliminares, com extinção do feito sem resolução de mérito. Postula, alternativamente, o julgamento de improcedência dos pedidos.

Sobreveio sentença de improcedência (evento 52).

Feito um breve relato dos fatos, passo à análise do mérito.

PRELIMINARES CONTRARRECURSAL

REVOGAÇÃO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA CONCEDIDA À PARTE AUTORA.

Nos termos do artigo 100 do CPC, a impugnação ao pedido ou concessão da gratuidade da justiça não exige incidente específico, mas impugnação na contestação, na réplica, nas contrarrazões de recurso ou, nos casos de pedido superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição simples, a ser apresentada no prazo de 15 dias, nos autos do próprio processo.

Ademais, cabe salientar que estabelece o artigo 337, XIII, do CPC, que “incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: (…) indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça”.

No caso concreto, a parte demandada não anexou aos autos qualquer documento apto a demonstrar a modificação da situação financeira da parte demandante, a ensejar a revogação do benefício anteriormente deferido.

Assim, rejeito o pedido de revogação do benefício da gratuidade de justiça.

Preliminar afastada.

OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL.

A parte demandada, em sede de contrarrazões, pleiteou pelo não conhecimento do recurso, por entender que as razões elencadas no apelo não atacam os fundamentos da sentença.

In casu, não merece acolhimento a tese.

Ocorre que a peça recursal não pode ser considerada inepta, porquanto o apelante atacou o julgamento de improcedência dos pedidos lançados na inicial, fundamentando devidamente aqueles que pretende que sejam reanalisados em grau recursal.

Desse modo, entende-se ter sido observado o princípio da dialeticidade.

No ponto, preliminar rejeitada.

INOVAÇÃO RECURSAL.

De início, destaco que na petição inicial a autora fundamenta seu pedido de inexigibilidade de débito e indenização por danos morais diante da alegação de que não efetuou compras que foram lançadas em seu cartão de crédito.

Destaco as compras impugnadas (evento 1 - doc. 3):

- PICPAY*BANCOC6SA SÃO PAULO BRA – 5 parcelas de R$ 53,11, com descontos a partir de maio/2021;

- PICPAY*BANCOC6SA SÃO PAULO BRA – 6 parcelas de R$ 44,40, com descontos a partir de maio/2021; e

- MAGAZINE LUIZA - 24 parcelas de R$ 54,16, com desconto a partir de agosto/2021.

Não há irresignação quanto à cobrança da anuidade do cartão de crédito, inovando suas razões no recurso de apelação.

Deste modo, quanto a tais argumentos trata-se de inovação recursal, na medida em que não foram trazidos na petição inicial, razão pela qual também não foram enfrentados na sentença.

Assim, enfrento a questão apenas com relação à alegação de dano moral em razão da falha na prestação do serviço pelo lançamento de compras não efetuadas pela autora em seu cartão de crédito.

Preliminar acolhida para conhecer do recurso em parte.

RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3º, §2º, incluiu expressamente a atividade bancária no conceito de serviço, nos seguintes termos:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. - grifei.

Desta forma, não restam dúvidas de que é aplicável às operações bancárias o Código de Defesa do Consumidor, entendimento, inclusive, sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, na Súmula 297, in verbis:

Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco é objetiva, respondendo, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados a seus clientes por defeitos/falhas decorrentes dos serviços que lhes presta, conforme dispõe o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. – grifei.

Trata-se, assim, de responsabilidade objetiva pelo fato do serviço, fundada na teoria do risco do empreendimento, segundo a qual, consoante doutrina de Sérgio Cavalieri Filho “(...) todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, decorrendo a responsabilidade do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade e executar determinados serviços. Em suma, os riscos do empreendimento correm por conta do fornecedor (de produtos e serviços) e não do consumidor”.

Portanto, os requisitos para a configuração da responsabilidade são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de...

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