Acórdão nº 50262787420228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 21-03-2022

Data de Julgamento21 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualConflito de Jurisdição
Número do processo50262787420228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001808172
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Conflito de Jurisdição (Câmara) Nº 5026278-74.2022.8.21.7000/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5148973-12.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Ameaça (art. 147)

RELATOR: Desembargador JOSE ANTONIO CIDADE PITREZ

SUSCITANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

SUSCITADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Dr. Juiz de Direito do 2º Juizado da Violência Doméstica e Familar do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, em face do juízo da 11ª Vara Criminal do Foro Central da mesma Comarca, que diz com inquérito policial que investiga a suposta prática do delito de ameaça, dentre outros, cometidos no âmbito familiar pela filha da vítima contra esta, sua genitora.

O suscitante entende pela não incidência da Lei nº 11.340/06, alegando que o crime cometido não é abarcado pelas hipóteses de abrangência da Lei Maria da Penha, uma vez que a violência praticada não teve por motivação a opressão ao gênero, inexistindo condição de hipossuficiência e/ou vulnerabilidade da vítima perante sua agressora.

Suscitado o conflito nos próprios autos, na sequência, colheu-se parecer escrito da douta Procuradoria de Justiça, no rumo da improcedência do presente conflito, para fins de ser determinada a competência do juízo suscitante, ou seja, do juízo da Violência Doméstica acima em destaque.

Os autos vieram-me redistribuídos, em razão da matéria.

É o relatório.

VOTO

Adianto que desacolho o presente conflito negativo de jurisdição, provocado pelo Juízo do 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Porto Alegre, dando-o por competente para apreciar o presente fato criminoso.

Inicialmente, ressalto que para a análise das hipóteses de incidência da Lei Maria da Penha, cabe a leitura do disposto no seu artigo 5º, eis que ali estão descritas as hipóteses em que configurada a violência doméstica contra a mulher, como se vê:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Da leitura do referido artigo, pode-se extrair a necessidade de adimplemento de três pressupostos cumulativos, quais sejam: a) o sujeito passivo ser mulher; b) haver a prática de violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral; c) que a violência seja praticada no âmbito da unidade doméstica, da família ou de qualquer relação íntima de afeto, de forma dolosa.

Desse modo, uma vez que a acusada supostamente perturbou o sossego, cometeu injúria e também o delito de ameaça em face da vítima, sua mãe, prevalecendo-se, portanto, da relação familiar nutrida com a mesma, tem-se perfeitamente configurada a hipótese de violência doméstica contra mulher.

Impende ressaltar que, para tanto, não é necessário que o(a) acusado(a) tenha proferido ameaça à vítima, somente pelo fato de a mesma ser mulher. A Lei n.º 11.340/06 destina-se a proteger a mulher da violência doméstica perpetrada, na qual o(a) agressor(a), prevalecendo-se da presumida condição de vulnerabilidade da mulher, proveniente de relação doméstica, agride-a ou a ameaça, independente do motivo que ensejou a agressão, seja física ou psicológica.

É nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. 1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes. 2. O alegado constrangimento ilegal será analisado para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CRIME PRATICADO POR PAI CONTRA FILHA MENOR EM AMBIENTE DOMÉSTICO E FAMILIAR. DELITO COMETIDO EM RAZÃO DA POUCA IDADE DA VÍTIMA. INEXISTÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DE GÊNERO OU DE VULNERABILIDADE PORQUE A É DO SEXO FEMININO. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DA LEI 11.340/2006 E DA REMESSA DOS AUTOS AO JUIZADO ESPECIAL DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. COMPETÊNCIA DA VARA CRIMINAL COMUM. COAÇÃO ILEGAL INEXISTENTE.1.A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça orienta-se no sentido de que, para que a competência dos Juizados Especiais de Violência Doméstica seja firmada, não basta que o crime seja praticado contra mulher no âmbito doméstico ou familiar, exigindo-se que a motivação do acusado seja de gênero, ou que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua condição de mulher. Precedentes. 2. No caso dos autos, verifica-se que o fato de a vítima ser do sexo feminino não foi determinante para a prática do crime de estupro de vulnerável pelo paciente, mas sim a idade da ofendida e a sua fragilidade perante o agressor, seu próprio pai, motivo pelo qual não há que se falar em competência do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. 3. Habeas corpus não conhecido.” (HC 344.369/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2016, DJe 25/05/2016 – grifos apostos)

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. LEI MARIA DA PENHA. LESÃO CORPORAL PRATICADA PELO RECORRENTE CONTRA A EX-MULHER. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA. MEDIDA EXCEPCIONAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. EXAME DE PROVAS INCOMPATÍVEL COM A VIA ELEITA. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO ESPECIALIZADO. RECIPROCIDADE AGRESSIVA NÃO DELINEADA NOS AUTOS. VULNERABILIDADE ÍNSITA À CONDIÇÃO DA MULHER. RECURSO IMPROVIDO. 1. Está consagrada, na jurisprudência nacional, que o trancamento da ação penal, na via estreita do habeas corpus, faz-se possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade, a ausência de indícios de autoria e de prova da materialidade do delito ou a inépcia da denúncia. 2. A conduta do recorrente foi perfeitamente descrita e subsumida no art. 129, § 9º, do Código Penal. 3. O argumento de que o fato narrado não passou de mero entrevero entre a vítima e o paciente, com lesões ínfimas e recíprocas, somente pode ser verificado mediante o amplo exame dos elementos fático-probatórios, providência inadmissível na via estreita do habeas corpus, mormente nessa fase embrionária da ação penal. 4. A própria Lei n. 11.340/2006, ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica praticada contra a mulher, buscando a igualdade substantiva entre os gêneros, fundou-se justamente na indiscutível...

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