Acórdão nº 50265905020228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoDécima Quarta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50265905020228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002272930
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

14ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5026590-50.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Reserva de Domínio

RELATORA: Desembargadora JUDITH DOS SANTOS MOTTECY

AGRAVANTE: CELIMAR LANGER

AGRAVADO: LUCIANO DE CAMPOS MOREL

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por CELIMAR LANGER, visando modificar decisão interlocutória, proferida em ação de apreensão e depósito decorrente de venda a crédito com reserva de domínio, em que litiga contra LUCIANO DE CAMPOS MOREL, que indeferiu o pedido de tutela provisória de apreensão do bem, nos seguintes termos:

Compulsando os autos, verifico algumas incongruências em relação aos termos do contrato firmado e os pedidos elaborados no presente feito.

O objeto desta demanda é o pedido de cobrança de multa contratual c/c pedido de tutela de urgência, em tese, de caráter cautelar, de busca e apreensão do veículo objeto do negócio.

O Autor presume a desistência do negócio por parte do Réu, desejo que não ficou demonstrado pela parte em nenhum momento, pugnando-se pelo reconhecimento da aplicação da sanção contratual prevista no parágrafo segundo da cláusula segunda (multa de 20% sobre o valor do negócio).

Igualmente, pugna pela concessão de tutela de urgência a fim de que seja apreendido o veículo objeto do negócio, ante o inadimplemento do contrato pela parte.

No entanto, a própria parte afirma na inicial que o veículo teria ficado inutilizável por vício de grande monta ocorrido no motor, afirmando não ser possível suscitar a ocorrência de vício oculto, considerando que oportunizada a parte a vistoria do bem.

Não se pode admitir tais presunções que inviabilizam a mínima paridade contratual entre as partes. Senão vejamos:

1. Ao que consta, o bem fora objeto de vício redibitório, estando no prazo legal para a parte Ré exercer o direito de redibir o contrato ou buscar abatimento no preço, nos termos do art. 442 do Código Civil.

2. Igualmente, não se pode presumir a desistência do contrato pelo simples inadimplemento do mesmo, nem mesmo se pleitear, a partir de tal presunção, a aplicação cumulada de sanções contratuais de desistência e de inadimplência de forma concomitante.

3. A busca e apreensão, enquanto tutela de urgência, pressupõem a presença dos requisitos do art. 300 do novo CPC, quais sejam, elementos que evidenciam a probabilidade do direito alegado e o perigo de dano irreparável.

Não se verifica a probabilidade do direito ventilado pela parte, neste momento, motivo pelo qual INDEFIRO o pedido de tutela de urgência.

Ademais, apesar de aparentemente contraditórios os pedidos, acredito que, diante da situação narrada, seja possível obter a composição do litígio de forma simples a partir de audiência de conciliação.

Sustenta, em síntese, que a apreensão liminar do bem foi prevista expressamente na cláusula oitava do contrato, bem como que a contraparte está inadimplente, de modo que requer o deferimento da tutela provisória de apreensão do veículo.

Indeferido o efeito suspensivo ativo (evento 04).

Contrarrazões (evento 15). Sustenta, em suma, que o veículo vendido apresentou problemas e que o recorrente, mesmo com o indeferimento da tutela provisória apreendeu o veículo valendo-se de guincho contratado.

VOTO

Preenchidos os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade do recurso interposto.

A recuperação da posse de bem objeto da cláusula de reserva de domínio depende necessariamente da prévia constituição do devedor em mora, nos termos da lei material (arts. 525 e 526 do Código Civil1).

Além disso, consoante o julgado mais recente do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema, REsp 1629000/MG2, DJe 04/04/2017, da lavra da Ministra Nancy Andrighi, o protesto do título ou a interpelação judicial não tem aptidão de transformar a mora ex re (que surge de imediato em razão do inadimplemento das prestações nas datas pré-estabelecidas) em ex persona, mas tais providências tem por finalidade oportunizar que o devedor possa evitar a retomada do bem regularizando o débito. Exatamente a mesma situação verificada nos contratos garantidos por cláusula de alienação fiduciária.

Por oportuno, colacionam-se os motivos determinantes do precedente citado:

“Art. 525. O vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação judicial”.

9. A redação desse dispositivo legal pode levar à equivocada compreensão de que a mora do comprador apenas se caracteriza a partir do ato do protesto ou da interpelação judicial. Contudo, não é esse o verdadeiro alcance da norma.

10. Com efeito, deve ser observado que a mora do comprador se configura com sua simples omissão em efetuar o pagamento das prestações ajustadas, haja vista que essas têm data certa de vencimento. Vale dizer, a mora se caracteriza automaticamente se não efetuado o pagamento na data estabelecida na avença. É, portanto, mora ex re, cujos efeitos – a exemplo da incidência de juros – se operam a partir do inadimplemento.

11. Nesse contexto, a determinação contida no art. 525 do CC para o protesto do título ou a interpelação judicial não tem a finalidade de transformar a mora ex re em ex persona . A regra estabelece, apenas, a necessidade de comprovação da mora do comprador como pressuposto para a execução da cláusula de reserva de domínio, tanto na ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas, como na ação de recuperação da coisa. Visa o ato, desse modo, conferir segurança jurídica às partes, funcionando, também, como oportunidade para que o comprador, adimplindo as prestações, evite a retomada do bem pelo vendedor.

12. Confira-se, nesse sentido, o que leciona ROSENVALD:

“Para a execução da cláusula de reserva de domínio, a constituição do devedor em mora é imprescindível. Perceba-se que a finalidade da norma não foi converter a mora ex re em ex persona, pois as consequências pecuniárias listadas no art. 395 do CC são imediatas para o comprador em atraso (v.g., juros de mora), mas garantir que as pretensões exercitadas contra este sejam devidamente comprovadas pelo vendedor em seus fundamentos” (ROSENVALD, Nelson. In Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência, Coordenador Cezar Peluso, 10ª ed. Barueri: Manole, 2016, p. 551/2)

13. Não se vislumbra, entretanto, fundamento razoável para limitar os meios de comprovação da mora ao protesto e à interpelação judicial, pois os objetivos pretendidos pelo legislador – quais sejam, de documentar a mora e oportunizar ao comprador o pagamento das prestações, como forma de evitar a retomada do bem [...].

A jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça indica que a mora pode ser comprovada não só pelo protesto do título, mas também pela notificação extrajudicial expedida pelo Cartório de Títulos e Documentos,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT