Acórdão nº 50268615920228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 30-06-2022

Data de Julgamento30 Junho 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50268615920228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002268508
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5026861-59.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Administração judicial

RELATOR: Desembargador NIWTON CAES DA SILVA

AGRAVANTE: EGEA - ESCOLA GLOBA DE EDUCAÇÃO AVANÇADA LTDA.

AGRAVADO: AELBRA EDUCACAO SUPERIOR - GRADUACAO E POS-GRADUACAO S.A. EM RECUPERACAO JUDICIAL

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por EGEA - ESCOLA GLOBA DE EDUCAÇÃO AVANÇADA LTDA. em face da decisão proferida pela magistrada a quo que, nos autos da recuperação judicial da AELBRA EDUCAÇÃO SUPERIOR - GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO S.A. EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL, homologou o plano e concedeu a recuperação judicial à empresa agravada.

Nas razões recursais, a parte agravante asseverou que o plano de recuperação homologado não atende aos requisitos do artigo 53, inc. I, da Lei 11.101/05, que exige a discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados. Sustentou que não atende, igualmente, o art. 53, inc. II, da LRE, considerando que a viabilidade econômica da estrutura de pagamentos não foi comprovada, já que não existe certeza de que os créditos serão pagos, tampouco foram indicadas as exatas condições em que os pagamentos ocorrerão, sendo tudo uma grande aposta, o que foi reconhecido expressamente pelos credores em Assembleia Geral, a quem foi atribuído o poder de aferir essa inviabilidade. Defendeu que o plano é nulo de pleno direito, pois as condições de pagamento são incertas e ilíquidas, não há descrição satisfatória dos meios de recuperação judicial e tampouco comprovação da viabilidade econômica da reestruturação das dívidas. Salientou que o pagamento dos credores é um evento futuro e incerto. Aduziu que a recuperanda impôs aos credores um plano que não esclarece se haverá deságio — em caso positivo, qual o grau do desconto, o prazo de pagamento se haverá correção monetária e incidência de juros sobre os créditos até a data do pagamento — em caso positivo, qual o índice, periodicidade, termos inicial e final, tornando o plano inequivocadamente ilíquido. Pugnou, assim, pela concessão de efeito suspensivo. No mérito, requereu o provimento do recurso, para o fim de anular da r. decisão que homologou o plano recuperacional, sendo determinada a apresentação de um novo plano, líquido e que possibilite o pagamento devido aos credores da Recuperanda.

O pedido de efeito suspensivo restou indeferido (evento 06).

A recuperanda apresentou contrarrazões no evento 15 e a administração judicial manifestou-se no evento 16.

O Ministério Público exarou parecer suscitando preliminares de mérito e opinou pelo desprovimento do recurso (evento 21).

Os autos vieram conclusos em 20 de maio de 2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de agravo de instrumento interposto em face da decisão que homologou o plano e concedeu a recuperação judicial à agravada.

A decisão agravada é do seguinte teor, sic:

Trata-se de recuperação judicial, sob o rito ordinário, com base no art. 52 da LRF, para concessão da recuperação de AELBRA EDUCAÇÃO SUPERIOR - GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO S.A. nos termos proposto no plano apresentado.

Consoante dispõe o artigo 47 da Lei nº 11.101/2005, “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Acerca do tema em discussão ensina Fazzio Júnior, in Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 4ª ed. São Paulo: Atlas. 2008. p. 21., o que segue:

"O princípio da conservação da empresa parte da constatação de que a empresa representa “um valor objetivo de organização que deve ser preservado, pois toda a crise da empresa, causa um prejuízo à comunidade” (LOBO, 1996:6).

O objetivo econômico da preservação da empresa deve preponderar, em regra, sobre o objetivo jurídico da satisfação do título executivo, se este for considerado apenas como a realização de pretensão singular. O regime jurídico de insolvência não deve ficar preso ao maniqueísmo privado que se revela no embate entre a pretensão dos credores e o interesse do devedor. A empresa não é mero elemento da propriedade privada.

Resumindo o caráter insatisfatório das normas concursais ortodoxas, valem as palavras de Fernández-Rio (1982: 150), ao comendar que, na crise econômica de uma empresa, sobre o próprio devedor, sofrem os credores e sofre a sociedade".

Dentro desse contexto, é importante observar que, deferido o processamento do pedido de recuperação judicial da empresa autora, ao Poder Judiciário incumbe a garantia do pleno funcionamento do arcabouço jurídico necessário à higidez do processo de recuperação, atendo-se ao controle da legalidade do plano, uma vez que os aspectos econômicos, relacionados ao levantamento da atividade da empresa, são de atribuição dos credores na Assembleia-Geral de Credores.

É dizer, a natureza jurídica da recuperação judicial é de um favor creditício, bastando o atendimento aos requisitos e condições previstas na Lei de Recuperação e Falência para o seu processamento.

Cumpre consignar que o presente processo de recuperação teve seu trâmite regular, inexistindo nulidades a serem decretadas.

Foram atendidas as exigências legais e apresentada a documentação pertinente, sendo, nos termos do art. 52 da LRF, direito subjetivo do devedor o processamento da recuperação, a qual poderá ou não ser concedida, depois da fase deliberativa.

Nesse contexto, concluída a Assembleia Geral de credores, passo à análise das questões posteriormente arguidas, manifestando-me quanto a viabilidade de concessão ou não do pedido de recuperação judicial em questão.

Da abusividade do direito de voto do Banco do Estado do Rio Grande do Sul

No Evento 2.882, a Recuperanda fazendo, inicialmente, breve apanhado acerca do processamento da Recuperação Judicial, noticia, que no dia 14/12/2021, foram retomados os trabalhos da Assembleia Geral de Credores e que o Plano de Recuperação Judicial foi aprovado por 94,89% da Classe I; por 84,03% (créditos) e 55,88% (cabeça) na Classe III; por 60% da Classe IV. Foi rejeitado, no entanto, pelo único credor que integra a Classe II, o Banco do Estado do Rio Grande do Sul - BANRISUL. Disse que foi proclamado o resultado de rejeição do plano, entretanto, assevera que este deve ser homologado, com a consequente concessão de recuperação judicial à Recuperanda. Sustenta a abusividade do voto do Banrisul, enfatizando que este é o único a ostentar a condição de credor com garantia real. Aduz que a condição de crédito com garantia real veio a ser reconhecida em decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, que também reconheceu que o acordo firmado entre Banrisul e a AELBRA nos autos do processo nº 008/1.05.0018647-0, da 2ª Vara Cível desta Comarca permanece em vigor. Apontou semelhanças entre o pactuado na aludida demanda e o definido no plano, asseverando que as condições constantes do modificativo posto em deliberação no dia 14/12/2021 são substancialmente as mesmas, entendendo que, em tese, estaria caracterizada a hipótese prevista no art. 45, §3º, da Lei 11.101/05, de modo que sequer caberia tomar o voto da instituição financeira. Aduziu que indiscutivelmente o Banrisul recebeu as melhores condições e a maior taxa de recuperabilidade de seu crédito (100% do saldo devedor, com encargos). Tece, outrossim, considerações sobre o resultado obtido na classe IV, afirmando que foram computados os votos observando dois cenários, quais sejam: aqueles colhidos em apartado, relativos aos credores de Classe IV, que não tivessem as suas condições de pagamento originais modificadas pelo plano, e sem o cômputo desses votos. No primeiro cenário, o plano teria sido aprovado por 1/3 dos credores da classe, ao passo que no segundo por 60% dos credores. Assim, considerando o cenário mais desfavorável, seria o caso de se considerar o plano como aprovado, com base na regra do art. 58, §1º, da Lei 11.101/05. Argumenta sobre a dispensa de apresentação das CDNs. Afirma não ter intenção de apresentar recurso contra a decisão de indeferimento da proposta de transação e sim apresentar nova proposta, a qual atenda ao que entende viável a PGFN. Refere ter protocolado requerimento de concessão de prazo para a apresentação de tal proposta. Enfatiza que embora tenha confiança na homologação do plano e na concessão da recuperação judicial, no presente momento, tem um plano rejeitado, o que pode implicar na decretação da sua falência, razão pela qual, nessas condições, não fará qualquer proposta. Requereu ao final (a) a declaração de invalidade, por abuso de direito, do voto proferido pelo Banrisul na Classe II, (b) a aplicação da regra contida no art. 58, §1º, da Lei 11.101/05 à Classe IV, a fim de que seja homologado o Plano de Recuperação deliberado em 14/12/2021, com a concessão da Recuperação Judicial, independentemente da apresentação das CNDs.

Pois bem, a despeito da Lei nº 11.101/05 ter atribuído papel fundamental à AGC e valorizado amplamente a democratização da deliberação e do esforço compartilhado destes visando o soerguimento da empresa recuperanda, tal diploma não previu que toda esta construção ideológica cairia por terra quando o poder de deliberação estivesse concentrado nas mãos de um credor que, por ser o único de sua classe ou possuir crédito deveras expressivo a ponto de tornar irrelevante os dos demais, acabaria dominando a votação em sua classe.

Nesse cenário, o voto do credor adquire autonomia exacerbada, porquanto dotado de força para, por si só, obstar a...

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