Acórdão nº 50276713520218210027 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50276713520218210027
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002158891
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5027671-35.2021.8.21.0027/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Desembargadora ROSANE WANNER DA SILVA BORDASCH

APELANTE: CRISTIAN DA SILVA MARTINS DA COSTA (ACUSADO)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

CRISTIAN DA SILVA MARTINS DA COSTA foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei nºs 11.343/06 c/c artigo 61, inciso I, do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:

No dia 21 de setembro de 2021, às 17h30min, na Rua Cecília Silveira, s/n (casa), Bairro Campestre Menino Deus, nesta Cidade, o denunciado tinha em depósito, armazenava, guardava, trazia consigo, para fins de mercancia e oferecer ao consumo de terceiros, uma porção esfarelada de maconha, pesando 16,00 gramas, no total; quatro porções de cocaína, pesando 3,00 gramas, no total; uma porção de crack, pesando 6,00 gramas, no total; 02 tijolos de maconha, pesando 100,00 gramas, no total; e 03 porções esfareladas de maconha, pesando 41,00 gramas, no total, consoante Autos de Apreensão do Evento 1, Docs. 3/4, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.

Na ocasião, policiais militares realizavam patrulhamento de rotina quando avistaram um indivíduo, acompanhado de uma mulher, no portão da residência do local acima descrito, sendo que o indivíduo, ao avistar a guarnição, dispensou um objeto para o interior do pátio. Ato contínuo, os policiais realizaram a abordagem do casal, sendo que na posse do indivíduo, identificado como sendo o denunciado CRISTIAN, foram apreendidos no bolso de sua calça a porção esfarelada de maconha, pesando 16g, 02 celulares e R$ 41,00. Na revista pessoal da mulher que estava com o denunciado, Jaqueline Souza da Silva, nada foi apreendido.

Na sequência das revistas, os policiais apanharam o objeto dispensado por CRISTIAN, que se tratava de uma sacola plástica, na qual havia 01 balança de precisão pequena, as 04 porções de cocaína, a porção de crack, os 02 tijolos de maconha e as 03 porções esfareladas também de maconha. Diante dos fatos, foi dada voz de prisão a CRISTIAN e conduzido a delegacia.

A destinação comercial que seria dada ao entorpecente restou evidenciada pela variedade e quantidade de droga apreendida, da forma como estava embalada, fracionada para consumo, bem como pelas informações preliminares da polícia de que na região havia ponto de tráfico.

A maconha e a cocaína (crack) constam na relação de substâncias entorpecentes e psicotrópicas de uso proscrito em lei, conforme Listas E, F e F2, da Portaria n.º 344, de 12/05/98, da ANVISA.

O denunciado é reincidente e estava cumprindo pena (com tornozeleira eletrônica) na data do fato. (...)

A denúncia foi recebida em 108/11/2021 (evento 18, DESPADEC1).

O feito foi regularmente processado, sobrevindo sentença de procedência, sendo o réu condenado à pena de 07 anos e 04 meses de reclusão, a ser cumprida em regime fechado, e ao pagamento de 640 dias multa, fixados em 1/30 do salário mínimo vigente (evento 139, SENT1).

Inconformada, a Defesa apresentou apelação. Em suas razões, afirmou, preliminarmente, a ilicitude da apreensão, alegando que houve violação da residência do recorrente sem a existência de prévia autorização judicial e sem o consentimento dos moradores da casa para que houvesse a entrada dos policiais no local. No mérito, discorreu acerca da prova produzida no curso da instrução processual, afirmando que estaria apoiada apenas nos depoimentos policiais e haveria contradições que deveriam ser ponderadas. Afirmou que não estava no portão no momento da abordagem, mas no interior da residência. Destacou os depoimentos das testemunhas nesse sentido. Aduziu a insuficiência probatória quanto à tipificação delitiva, requerendo a aplicação do princípio do in dubio pro reo. Requereu a absolvição. Subsidiariamente, pediu pelo reconhecimento da atenuante de confissão e a sua compensação com a agravante de reincidência. Prequestionou a matéria e pediu pelo provimento do apelo (evento 161, RAZAPELA1).

Apresentadas as contrarrazões, o Ministério Público requereu o afastamento da preliminar arguida pela defesa. No mérito, reforçou a presença de elementos probatórios suficientes à condenação. No mais, reiterou as alegações finais apresentadas pela acusação. Por fim, requereu o improvimento do recurso defensivo (evento 164, CONTRAZ1).

O Ministério Público, nesta instância, opinou pelo conhecimento e parcial provimento do recurso defensivo (evento 7, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os pressupostos de admissibilidade.

A preliminar defensiva de ilicitude da apreensão em razão da violação de domicílio não tem suporte no contexto probatório.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE nº. 603.616/RO, submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 280), firmou entendimento segundo o qual a "entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito,sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados".

No caso concreto, não se verifica situação de nulidade da busca pessoal ou invasão domiciliar sem mandado de busca e apreensão. Segundo o relato dos Policiais Militares, havia indícios suficientes da prática do delito. Ao que consta, o apelante estava no portão da residência e, ao notar a presença da viatura, dispensou um objeto para o interior do pátio. Após a abordagem, antes de ingressarem na residência, foram apreendidos no bolso da calça do apelante uma porção de maconha, pesando 16 gramas, dois celulares e R$ 41,00. Ato seguinte, localizaram a sacola dispensada no pátio da residência, contendo uma balança de precisão, 04 porções de cocaína, pesando 03g, 01 porção de crack, pesando 06g, 02 tijolos de maconha, pesando 100g, além de outras 03 porções esfareladas de maconha, pesando 41gramas (evento 1, REGOP2).

Evidenciada, portanto, a fundada suspeita em relação ao apelante, tanto que a revista pessoal foi conclusiva nesse sentido. Além disso, o ingresso no imóvel somente ocorreu em razão da apreensão dos entorpecentes em poder do apelante no momento da abordagem.

No ponto, vale destacar que a sentença de lavra do Em. Dr. Vinícius Borba Paz Leão é conclusiva e não merece reparo, ressaltando que "as informações destacadas na cor verde não indicam propriamente a movimentação do réu. Tratam-se de demonstração do local em que ele estava em cada intervalo do monitoramento, com seta que indica a direção para a qual se deslocou, estando o trajeto demonstrado linha em vermelho."

Analisando as telas do relatório de monitoramento da tornozeleira eletrônica (evento 41, DOC1), é possível constatar que, no horário do fato, o apelante esteve na frente da residência.

O depoimento das testemunhas não se opõe à versão da inicial, pois nenhuma delas afirma que o Réu estava no interior da casa; nada afasta a parte referente à ida do réu até a frente da residência, pois, como dito, não há testemunha que afirme tal situação.

Ou seja, a versão da defesa de inúmeras idas e vindas não se sustenta no contexto probatório. Nem mesmo o réu consegue explicar todas as voltas. Do que se extrai é que o acusado esteve, em determinado momento, na frente da residência e, após sair do perímetro da residência, não mais retornou ao local, permanecendo na rua lateral até o início do deslocamento até a delegacia de polícia, reforçando a versão apresentado no relato dos policiais.

Gize-se que a utilização das telas extraídas, tanto do monitoramento eletrônico quanto do Google Maps (de domínio público), são admitidas para fins de análise probatória por iniciativa do juízo, sem configurar violação de preceitos constitucionais.

Sobre o tema, o doutrinador Norberto Avena destaca que "não existe razão para que se interpretem as normas constitucionais apenas em favor do réu. Ora, se o juiz é imparcial, por que seriam inconstitucionais as medidas destinadas a sanar dúvidas sobre a tese de defesa? Tal raciocínio, salvo melhor juízo, importaria em violar o princípio da isonomia processual, que também decorre da Constituição Federal"1.

Ou seja, os elementos constantes do auto de prisão não apresentam situação de irregularidade na abordagem ou de "entrada forçada" na residência. Gize-se que o crime de tráfico de drogas possui caráter permanente, e, portanto, autoriza o prolongamento do tempo da situação de flagrância, motivo pelo qual não se verifica, no caso, a nulidade arguida pela Defesa.

Nesse sentido, cite-se jurisprudência do STJ:

PROCESSO PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. BUSCA E APREENSÃO. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA. APREENSÃO DE VULTOSA QUANTIDADE DE DROGAS (70 KG DE MACONHA). LEGALIDADE DA PROVA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Embora o artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal garanta ao indivíduo a inviolabilidade de seu domicílio, tal direito não é absoluto, uma vez que, sendo o delito de natureza permanente, assim compreendido aquele em que a consumação se prostrai no tempo, não se exige a apresentação de mandado de busca e apreensão para o ingresso dos policiais na residência do acusado, quando se tem por objetivo fazer cessar a atividade criminosa, dada a situação de flagrância. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n. 280 da sistemática da repercussão geral, à oportunidade do julgamento do RE n. 603.616/RO, reafirmou tal...

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