Acórdão nº 50278549120208210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 08-07-2022

Data de Julgamento08 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50278549120208210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002183261
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5027854-91.2020.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU)

APELADO: VIVIANE PAOLA DE FREITAS (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) (AUTOR)

APELADO: MARGARIDA MARQUES VIEIRA DE FREITAS (Curador)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO BRADESCO S.A. contra a sentença que julgou parcialmente procedente a ação anulatória de negócio jurídico n. 50278549120208210010, movida por VIVIANE PAOLA DE FREITAS.

O dispositivo da sentença está assim redigido (ev. 48):

Isso posto, julgo parcialmente procedente a ação ajuizada por VIVIANE PAOLA DE FREITAS, assistida por sua curadora Margarida Marques Vieira De Freitas, contra BANCO BRADESCO S.A. para, confirmando a liminar:

a) DECLARAR a nulidade das contratações havidas entre o réu e a autora que geraram os débitos, ou seja, empréstimo pessoal n. 339998147, no valor de R$5.102,25, cheque especial e cartão de crédito, com retorno das partes ao status quo ante, anulando-se as cobranças das dívidas, bem como das taxas, tarifas decorrentes do cheque especial e cartão de crédito;

b) CONDENAR o demandado ao pagamento da indenização por danos materiais, na importância de R$9.900,00 referentes aos descontos das parcelas do empréstimo, mais o valor de R$425,75 decorrente da anuidade do cartão de crédito não solicitado; além dos descontos realizados no curso do processo, em descumprimento da medida liminar do Evento 3, conforme comprovado pela autora no Evento 34 - OUT2 e OUT3. Sobre os valores das parcelas do empréstimo e demais descontos de taxas, tarifas e encargos bancários debitados na conta bancária da autora, deverá incidir correção monetária pelo IGP-M/FGV, a partir da data de cada desconto, além de juros de mora de 1% ao mês, a fluir da citação inicial. O valor deverá ser pago em dobro, nos termos do art.42 do CDC.

c) Outrossim, considerando que o valor de R$5.102,25 foi creditado na conta bancária da demandante, cabe a devolução da quantia à instituição financeira, atualizada pelo IGP-M desde a data do depósito, restando autorizada a compensação.

d) condenar a ré ao pagamento da importância de R$10.000,00, a título de indenização dos danos morais, a ser atualizado pelo IGP-M a contar da presente sentença, com acréscimo de juros de mora de 1% ao mês, contados da data do fato, nos termos do art. 398 do Código Civil e Súmula 54 do STJ, bem como art. 406 do CC/2002 c/c art. 161, § 1º do CTN.

Havendo sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de 40% da taxa única e despesas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono da parte adversa, arbitrado em 10% sobre o valor atualizado do seu decaimento, correspondente ao valor depositado em sua conta em relação ao qual foi autorizada a compensação, mais o valor atualizado do pedido indenizatório rechaçado (R$ 10.000,00 pelo envio do cartão de crédito). Outrossim, condeno a parte demandada ao pagamento de 60% da taxa única e despesas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono da parte adversa, arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da condenação imposta ao réu. Fica vedada a compensação das verbas honorárias. Exegese dos artigos 85, §§ 2º, 4.º, e 86, ambos do NOVO Código de Processo Civil.

A exigibilidade da sucumbência fica suspensa em relação à parte demandante, na forma do art.98, §3º, do NCPC, em razão de estar litigando sob o manto da gratuidade da justiça.

Retifique-se o polo ativo, devendo constar apenas o nome da autora VIVIANE PAOLA DE FREITAS, tendo em vista Margarida Marques Vieira De Freitas figura como sua curadora e não parte.

Intimem-se. Havendo recurso, após processado, remetam-se ao TJRS. Caso contrário, arquivem-se.

A parte apelante, BANCO BRADESCO S.A., em suas razões, sustenta que o contrato de empréstimo pessoal celebrado com a parte apelada é legal, pois celebrado no autoatendimento BDN, mediante a utilização de cartão, senha, chave de segurança ou biometria.

Alega que o valor foi creditado na conta corrente da parte apelada e não houve devolução, o que poderia ter sido realizado pela Curadora da apelada, deixando transcorrer longo lapso temporal.

Discorre sobre o cheque-especial e sobre a regularidade da cobrança de anuidade.

Refere que diante da regularidade da contratação e da cobrança do empréstimo, do cheque especial e da anuidade, os descontos ocorreram no exercício regular do direito.

Salienta que não houve dano moral no caso dos autos, porquanto ausente comprovação.

Destaca que a situação experimentada foi um mero desconforto, mesmo considerando, para fins de argumentação a eventual irregularidade das cobranças.

Defende que, em caso de manutenção da condenação, o valor deve ser reduzido, de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Sustenta, ainda, que os juros sobre a condenação em danos morais devem incidir a partir da sentença condenatória, porquanto somente a partir desse momento eles assumem expressão patrimonial.

Diz ser inviável a condenação da repetição em dobro, pois não houve má-fé na cobrança.

Pondera que a multa fixada na origem é excessiva, devendo ser reduzida e que sua fixação deve ocorrer por evento e não por dia.

Requer o provimento do apelo.

Houve preparo (ev. 56 origem).

Contrarrazões apresentadas (ev. 61 origem).

O Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (ev. 09).

Intimada (ev. 12), a parte apelante manifestou interesse no julgamento do recurso (ev. 16).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, pois presentes seus requisitos de admissibilidade.

FATO LITIGIOSO

Trata-se de ação anulatória ajuizada por VIVIANE PAOLA DE FREITAS contra BANCO BRADESCO S.A. por meio da qual busca a parte autora a anulação de negócio jurídico sob alegação de vício de vontade, haja vista não possuir capacidade para os autos da vida civil, além da condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.

A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos.

Apela a parte demandada.

Enfrento as teses.

IRREGULARIDADE NA CONTRATAÇÃO

Conforme documentos acostados aos autos, não se desincumbiu a parte demandada de comprovar a regular intenção da parte autora quando da celebração do contrato de empréstimo e do cartão de crédito, objeto da lide.

Os requisitos de validade dos negócios estão contidos em duas espécies: a primeira é de ordem geral, comum a todos os atos e negócios jurídicos, como a capacidade do agente, o objeto lícito e a forma prescrita ou não defesa em lei, conforme artigo 104 Código Civil/2002; a segunda é de ordem especial, que são o consentimento recíproco e o acordo de vontades das partes, na qual repousa o princípio do justo equilíbrio dos contratantes no cumprimento das obrigações assumidas, onde se fundamenta o equilíbrio contratual e o princípio da boa-fé contratual, espinha dorsal das relações comerciais.

É certo que a força obrigatória dos Contratos cede aos vícios que recaem sobre a própria manifestação da vontade, quando se vislumbra descompasso com o real querer do agente ou quando a intenção não foi externada de forma efetivamente livre, por exemplo.

A questão central da lide reside na (in)capacidade da parte autora quando da celebração do contrato de empréstimo pessoal com a instituição financeira apelante.

Embora a interdição da parte autora, Viviane Paola de Freitas, tenha sido decretada por sentença proferida em novembro de 2020, no processo n. 5014614-69.2019.8.21.0010, momento em que declarada sua incapacidade de exercer os atos da vida civil e, embora a eficácia dessa sentença seja ex nunc, ou seja, com efeitos para o futuro, no caso dos autos ficou evidenciado que a incapacidade já era de fácil constatação no momento da celebração do contrato, fato ocorrido em 02.02.2018.

Conforme se depreende da análise do laudo pericial produzido nos autos da ação de interdição, a parte autora reconhece letras, mas não forma frases, tampouco tem condições de realizar cálculos adequadamente. Da mesma forma, não consegue desincumbir-se de tarefas cotidianas de modo independente, tais como transporte, benefícios de saúde e controle de dinheiro. Ainda nesta linha de avaliação, o laudo deixou claro a impossibilidade de realizar atos negociais, e que sua condição de saúde remota à infância (ev. 1 - Laudo 11, Laudo 12 e Atestado Médico 13).

Colaciono a conclusão do atestado médico subscrito pela Dra. Rochele Sbardelotto:

Nesse mesmo sentido é a perícia realizada nos autos da ação de curatela n. 5014614-69.2019.8.21.0010, subscrita pelo Dr. Gabriel Ferreira Pheula, Médico Psiquiátrico Judiciário, cuja conclusão foi a seguinte:

"VIVIANE PAOLA DE FREITAS apresenta Retardo mental moderado - Nenhum ou mínimo comprometimento de comportamento, CID F71.0. Há necessidade de curatela para atos de natureza patrimonial e negocial."

Deste modo, forçoso concluir que na data da celebração do contrato a parte autora já demonstrava o quadro de incapacidade em questão, que inviabiliza a realização de negócios jurídicos válidos.

Diante destes fatos, a contratação ocorreu com violação ao previsto no art. 104 do CCb, porquanto ausente a capacidade do agente e, de acordo com o art. 171, inc. I, CCb, é anulável o negócio jurídico celebrado por agente incapaz sem a assistência, como no caso dos autos.

Vale destacar que os valores depositados na conta da parte autora em decorrência do contrato de empréstimo sequer foram utilizados, ficando sem movimentação por alguns meses, circunstância que reforça a tese da ausência de consciência acerca do negócio celebrado.

Cumpre ressaltar, ainda, que a alegação...

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