Acórdão nº 50292088620178210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 04-11-2022

Data de Julgamento04 Novembro 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50292088620178210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002568601
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5029208-86.2017.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: UNIÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA ¿ HOSPITAL SÃO LUCAS (RÉU)

APELADO: FRANCIELI DOS SANTOS CAMARGO (AUTOR)

APELADO: MARIO AUGUSTO ALMEIDA GONCALVES (AUTOR)

RELATÓRIO

Vistos.

Trata-se de recurso de apelação interposto por UNIÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA – HOSPITAL SÃO LUCAS contra a sentença (Evento 3, doc. 4, pp. 32/39, Processo originário) que, nos autos desta ação de indenização por danos morais ajuizada por FRANCIELI DOS SANTOS CAMARGO e MARIO AUGUSTO ALMEIDA GONCALVES, julgou procedente a demanda.

Adoto o relatório da r. sentença, pois bem narrou o presente caso:

E o dispositivo sentencial foi redigido nos seguintes termos:

Opostos embargos de declaração pela parte ré (Evento 3, doc. 4, pp. 42/43, Processo originário), estes foram acolhidos nos seguintes termos(Evento 3, doc. 4, p. 48, Processo originário):

Em suas razões recursais (Evento 3, doc. 5, pp. 3/27, Processo originário), a parte ré insurge-se contra a sentença de procedência da demanda. Para tanto, defende que o exame clínico realizado em suas dependências tratava-se de hipótese diagnóstica, e não diagnóstico firmado. Alega que, diante do quadro clínico, a paciente foi orientada a aguardar os próximos sete dias e retornar ao nosocômio caso o sangramento persistisse ou aumentasse. Refere que a mesma foi orientada a buscar atendimento normal em posto de saúde caso desaparecesse sangramento, momento em que seria confirmado ou não a hipótese diagnóstica de abortamento completo. Narra que o laudo pericial esclarece que o abortamento completo é eliminação de todo o material gestacional uterino antes de vinte semanas de gestação, ao passo que o incompleto é a eliminação de parte do material gestacional uterino antes de vinte semanas. Sustenta que nada poderia ser feito em termos médicos para evitar ou mudar o desfecho do abortamento, sendo este um processo natural e dinâmico. Defende que a prova técnica é conclusiva quanto ao fato de que a ausência de diagnóstico da presença de feto viável em nada interferiu na evolução do abortamento. Afirma que a sentença incorre em ofensa aos artigos 141, 490 e 492 do Código de Processo Civil. Discorre sobre a responsabilidade civil. Requer o provimento do recurso.

Com as contrarrazões apresentadas pela parte autora (Evento 3, doc. 5, pp. 34/41, Processo originário).

Após, vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso da parte ré é de ser conhecido, porquanto preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade, sendo tempestivo e estando comprovado o recolhimento do preparo (Evento 3, doc. 5, p. 27, Processo originário).

Antes, contudo, de adentrar na análise substancial do mérito recursal, impõe-se o reconhecimento de que a sentença afigura-se, de fato, ultra petita, por ter concedido além da causa de pedir formulada na inicial, em dissonância com o que preconizam os artigos 141 e 492, ambos do Código de Processo Civil.

Nesse sentido, prezando-se pela observância dos princípios da congruência e da adstrição, há considerar que a parte autora, representada pelo seu advogado, postulou, na inicial, de forma expressa, a condenação dos réus ao pagamento de danos morais, utilizando como base para toda a sua argumentação na exordial alegações referentes ao fato de que "o diagnóstico equivocado de aborto do primeiro exame levou a gravidez se tornar de risco, colocando em perigo iminente de interrupção forçada de gravidez, eis que neste lapso de tempo nada foi feito para que se evitasse que o aborto de fato". Ainda, a parte autora afirmou, em sede de inicial, que poderia ter "impedido o aborto" se tivesse o correto acompanhamento. Por fim, sustentou danos morais, uma vez que ficou fazendo utilização de medicamentos como se não mais estivesse grávida, gerando sequelas e perda da chance do casal.

Por oportuno, transcrevo excertos da petição inicial:

Dessa forma, verifica-se que os Autores, em decorrência do ato de responsabilidade do Réu, sofreram danos morais, eis que o diagnóstico equivocado de aborto do primeiro exame levou a gravidez se tornar de risco, colocando em perigo iminente de interrupção forçada da gravidez, eis que neste lapso de tempo nada foi feito para que se evitasse que o aborto de fato, conforme se comprova pelo diagnóstico do segundo exame em que a criança ainda estava viva.

Há que se observar também que os Autores Franciele e Márcio Augusto experimentaram sentimentos de tristeza profunda, acreditando que houvesse ocorrido mesmo o aborto de fato desde a primeira vez que estiveram no Hospital o que levou a revolta do casal ao descobrirem que caso os médicos tivessem realizado o correto diagnóstico, poderia se ter impedido havendo maiores chances da mãe ter tido o correto acompanhamento, eis que houve mais de uma semana entre os 2 (dois) dias e exames realizados quando estava em atendimento médico.

Além do mais, ficou fazendo utilização de medicamentos e tentanto superar e encarar a vida como se não mais estivesse grávida, gerando sequelas e perda da chance do casal, que tiverem seus planos frustados de planejamento da familiar.

Ora, é consabido que, no processo civil, o alcance da atividade jurisdicional, em regra, é delimitado pelas partes. Ou seja, nos termos dos dispositivos legais acima invocados e dos princípios que permeiam a processualística, são as partes quem delimitam a abrangência do provimento judicial, culminando na máxima de que a sentença deve ser conforme ao pedido.

Com isso em mente, no presente caso, verifica-se que, a despeito de a parte autora postular indenização por danos morais em razão de alegado erro de diagnóstico e de o erro culminar em perda da chance de evitar o aborto, não fundamentou o pleito, em sua causa de pedir, em suposto sentimento de luto perpassado duas vezes, sendo que o Juízo de Origem, ao sentenciar, condenou o hospital demandado ao pagamento de indenização por danos morais sob o fundamento de que os autores "experimentaram prematuramente a dor e o luto pela perda do filho nascituro quando, em verdade, o feto ainda tinha vida" e que "passaram por duas vezes pelo processo de luto".

Veja-se, ainda, que a causa de pedir não versa acerca de danos decorrentes de eventual passagem pelo processo de luto duas vezes, mas sobre impedimento de evitar que o aborto se realizasse com um diagnóstico anterior correto. Diante disso, conceder a indenização, tal como constou na sentença, é extrapolar aquilo que foi pedido pela parte assistida em Juízo pelo seu advogado.

Não obstante, tal situação não acarreta a nulidade absoluta e integral do decisum, mas tão somente enseja o afastamento da parte em que ultrapassados os moldes postulados na exordial, em atenção ao princípio da adstrição, previsto nos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil. À luz desse contexto, deve-se reconhecer que a indenização a título de danos morais deve ser limitada à causa de pedir expressamente postulada na inicial, prezando-se, assim, pela observância dos princípios da adstrição e da congruência, consagrados nos artigos 141 e 492, ambos do CPC.

Tecidas essas considerações, trata-se de ação de indenização por danos morais, através da qual expuseram os demandantes que a coautora buscou atendimento médico junto à emergência obstétrica pelo SUS no nosocômio demandado em 16/05/2017, estando grávida, por sentir fortes dores e sangramento. Alegaram que, no atendimento, a autora foi submetida a exames físicos e à ecografia transvaginal. Sustentaram que a equipe médica noticiou o diagnóstico de abortamento completo.

Narraram os demandantes que, após cerca de dez dias do primeiro atendimento, a autora teve novo episódio de sangramento, retornando ao hospital demandado. Submetida a novo exame de ecografia transvaginal, receberam a notícia que o nascituro estava vivo, mas apresentava batimentos cardíacos fracos, vindo a falecer dentro de algumas horas.

Neste momento processual, insurge-se a demandada em face da sentença de procedência proferida pelo Juízo a quo.

De início, mostra-se importante delinear que a hipótese dos autos se trata de responsabilidade civil objetiva do Hospital demandado, na prestação de atendimento pelo Sistema Único de Saúde.

Incide, destarte, no caso, o disposto no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, o qual prevê a responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, com fulcro na teoria do risco administrativo, in verbis:

Art. 37 (...)

(...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

A responsabilidade objetiva da Administração, na modalidade risco administrativo, reside no risco que a atuação do Estado e dos prestadores de serviços públicos, no caso, hospitais, clínicas, postos de saúde e afins encerram para os administrados; e, em contrapartida, considerando que essa atividade administrativa é exercida em prol de todos, no caso de gerar atos ou efeitos lesivos e para evitar que somente alguns respondam pelas consequências danosas, na possibilidade de uma repartição isonômica do ônus da indenização dos prejuízos de...

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