Acórdão nº 50294054620148210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, 03-06-2022

Data de Julgamento03 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualEmbargos Infringentes e de Nulidade
Número do processo50294054620148210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeiro Grupo de Câmaras Criminais

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002190509
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1º Grupo Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 5029405-46.2014.8.21.0001/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5029405-46.2014.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Juiza de Direito ANDREIA NEBENZAHL DE OLIVEIRA

EMBARGANTE: MARCO ANTONIO PIRES DA ROCHA (ACUSADO)

ADVOGADO: CRISTIANO VIEIRA HEERDT (DPE)

EMBARGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de Embargos Infringentes opostos em favor de MARCO ANTÔNIO PIRES DA ROCHA em face de acórdão proferido pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado que, no julgamento do recurso de apelação ora vinculado, por maioria, negou-lhe provimento, vencido o Des. Jayme Weingartner Neto, que dava parcial provimento ao recurso defensivo para desclassificar a conduta para o delito previsto no artigo 28 da Lei n.º 11.343/06 e, de ofício, declarar extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com base no artigo 30 da Lei n.º 11.343/06 e artigo 107, IV, do Código Pena

Postula o embargante a prevalência do voto vencido, em seus exatos termos.

A Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo desacolhimento dos embargos infringentes.

VOTO

Cinge-se o objeto da controvérsia à suficiência probatória a comprovar o tráfico de entorpecentes pelo embargante. O voto condutor da maioria, da lavra do ilustre Des. Honório Gonçalves da Silva Neto, entendeu por assentada a materialidade e autoria delitiva, assim dispondo:

"(...)Isso porque, contrariamente ao afirmado pelo relator, não há a menor dúvida de qeu a substância entorpecente de qeu dispunha o réu destinava-se ao comércio.

Com efeito, trata-se de contumaz traficante - tanto que ostenta condenações, posteriores ao fato ora em exame, por ter cometido o crime de tráfico de drogas - que dispunha de significativa quantidade de droga de especial nocividade (vinte e uma pedras de crack), devendo ser observada (o que costumeiramente não é feito), ao efeito de se ter por caracterizado o propósito de mercancia, a regra posta no art. 28, § 2º, da Lei nº 11.343/2006.

Lado outro, não há cogitar da observância da minorante de que trata o art 33, § 4º, do precitado diploma legal, pois, como visto, dedica-se o réu à narcotraficância.

Mais, inviável a isenção da multa, pois integra o preceito secundário da norma incriminadora; do pagamento das custas, porquanto a precariedade da situação financeira do acusado enseja, tão-somente, a suspensão de sua exigibilidade, determinada na sentença. (...)"

Já o voto vencido, da lavra do douto Desembargador Jayme Weingartner Neto, entendeu não restar demonstrado o propósito de traficância no caso dos autos:

A materialidade do delito restou demonstrada pelo boletim de ocorrência, pelo auto de apreensão, pelos laudos de constatação da natureza das substâncias (ev. 03, PROCJUDIC1) e pelos laudos toxicológicos definitivos da droga apreendida (ev. 03, PROCJUDIC2, fl. 39).

Quanto à autoria, a juíza singular condenou o acusado pela prática do delito de tráfico de entorpecentes. Destaco trechos da sentença acerca da descrição da prova oral:

A testemunha João Sidnei da Rosa (mídia de fls. 152), policial militar, relatou ter apreendido, durante patrulhamento de rotina em um ponto do tráfico, crack e dinheiro em poder do acusado. Declarou que o réu era conhecido pelo envolvimento na traficância, inclusive já tendo participado da prisão dele em diversas outras ocasiões.

O policial militar Rafael Maffessoni Rodrigues (mídia de fl. 159) descreveu a abordagem de rotina procedida ao acusado durante policiamento em área deflagrada pelo tráfico. Disse que, em revista pessoal, estou localizada a droga e a quantia em dinheiro no bolso do réu.

O réu não apresentou sua versão acerca do fato, pois não localizado no endereço fornecido nos autos, ensejando o decreto de revelia (fls. 166).

Com a vênia da magistrada singular, não verifico elementos suficientes a comprovar a destinação do entorpecente apreendido.

A tese acusatória vem amparada na narrativa dos policiais que, em juízo, afirmam que estavam em patrulhamento de rotina em local conhecido como venda de drogas, quando abordaram o acusado, juntamente com outras duas pessoas, que logo foram liberadas. Com o acusado localizaram a droga apreendida.

Consta nos autos a apreensão de 21 pedrinhas de crack, pesando 2,9g. A diligência foi casual, realizada a partir de patrulhamento de rotina em local noticiado pelos policiais como de venda de drogas. Contudo, tal elemento, considerados o panorama flagrado, a quantidade de drogas e a prova judicial, não é suficiente a comprovar que o réu estava a traficar. Em especial, pelo fato dele residir na região, conforme relatou o policial João da Rosa em seu depoimento judicial, o que poderia justificar a presença dele naquele local.

Não há dúvida acerca da credibilidade dos depoimentos dos policiais; nada obstante, as narrativas demonstram as circunstâncias da abordagem e da apreensão, porém não servem para comprovar a intenção comercial ou que a droga não seria para consumo próprio. O que se tem, portanto, é a apreensão de pequena quantidade de droga (2,9g) na posse do réu, quantidade esta compatível com o porte para consumo pessoal, em que pese sua natureza lesiva.

Embora o acusado ostente registros criminais, os elementos aqui colhidos no contraditório, considerado o panorama flagrado, a quantidade de drogas e a prova judicial, não são suficientes a afastar a dúvida acerca da destinação dos entorpecentes apreendidos. No caso, não foi presenciado qualquer ato de mercancia pelo acusado, tampouco prévio monitoramento de suas atividades, a fim de eventualmente comprovar a alegação do Parquet de que o réu trazia a droga para fins de tráfico. O que se tem é, unicamente, a situação de suspeita que, inclusive, ao que se depreende dos depoimentos dos policiais militares em juízo, não perdurou por mais que 05 minutos, justificada somente pelo fato de o acusado estar em local conhecido pela comercialização de drogas e ter sido abordado por um dos policiais em outra oportunidade.

Tal circunstância, isolada, não se revela suficiente para a decretação de um juízo condenatório, com pena elevada, em especial tratando-se de notoriamente pequena quantidade de drogas. Repito, 2,9g de crack. Esse tem sido o entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça que, inclusive, tem realizado ponderações importantes quanto ao modo de atuação dos atores do sistema de justiça penal em casos de apreensão de reduzida quantidade de drogas:

HABEAS COUS. TRÁFICO DE DROGAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DE PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTOECENTE PARA CONSUMO PRÓPRIO. POSSIBILIDADE. EXCEPCIONALIDADE DO CASO DOS AUTOS. ORDEM CONCEDIDA.
1. No processo penal brasileiro, em razão do sistema da persuasão racional, o juiz forma sua convicção "pela livre apreciação da prova" (art. 155 do CPP), o que o autoriza a, observadas as limitações processuais e éticas que informam o sistema de justiça criminal, decidir livremente a causa e todas as questões a ela relativas, mediante a devida e suficiente fundamentação.
2. A Lei n. 11.343/2006 não determina parâmetros seguros de diferenciação entre as figuras do usuário e a do pequeno, médio ou grande traficante, questão essa, aliás, que já era problemática na lei anterior (n. 6.368/1976).
3. O alargamento da consideração sobre quem deve ser considerado traficante acaba levando à indevida inclusão, nesse conceito, de cessões altruístas, de consumo compartilhado, de aquisição de drogas em conjunto para consumo próprio e, por vezes, até de administração de substâncias entorpecentes para fins medicinais.
4. Na espécie em julgamento, em que pese a existência de condenações, antigas no tempo, pela prática de delitos da mesma natureza em desfavor do acusado, em nenhum momento foi ele surpreendido comercializando, expondo à venda, entregando ou fornecendo drogas a consumo de terceiros. Também não há nenhuma referência a prévio monitoramento de suas atividades, a fim de eventualmente comprovar a alegação do Ministério Público de que "estava comercializando entorpecentes na Praça Jardim Oriente, local amplamente conhecido como ponto de venda de entorpecentes".
5. Considerada a ínfima quantidade de droga apreendida (0,4 g de crack) e a afirmação do réu, em juízo, de que a substância apreendida seria para seu próprio consumo, opera-se a desclassificação da conduta a ele imputada, em respeito à regra de juízo, basilar ao processo moderno e derivada do princípio do favor rei e da presunção de inocência, de que a dúvida relevante em um processo penal resolve-se a favor do imputado.
6. Ao funcionar como regra que disciplina a atividade probatória, a presunção de não culpabilidade preserva a liberdade e a inocência do acusado contra juízos baseados em mera probabilidade, determinando que somente a certeza, além de qualquer dúvida razoável (beyond a reasonable doubt), pode lastrear uma condenação. A presunção de inocência, sob tal perspectiva, impõe ao titular da ação penal todo o ônus de provar a acusação, quer a parte objecti, quer a parte subjecti. Não basta, portanto, atribuir a alguém conduta cuja compreensão e subsunção jurídico-normativa decorra de avaliação pessoal de agentes do Estado, e não dos fatos e das circunstâncias objetivamente demonstradas.
7. Por tal motivo, não se pode transferir ao acusado a prova daquilo que o Ministério Público afirma na imputação...

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