Acórdão nº 50294383620148210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 09-05-2022

Data de Julgamento09 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50294383620148210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001951304
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5029438-36.2014.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Estelionato (art. 171)

RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

IONES ROSA DOS SANTOS, 37 anos na data do fato (DN 21/10/1975), foi denunciada e condenada por incursa no artigo 171, caput, do Código Penal.

O fato foi assim descrito na denúncia, recebida em 26/05/2014:

No dia 06 de novembro de 2012, por volta das 10h30min, na Rua Ramiro Barcelos, em via pública, em Porto Alegre/RS, a denunciada IONES ROSA DOS SANTOS, previamente ajustada e em conjunção de esforços com indivíduo não identificado no inquérito policial, obteve, para si e para seu comparsa, vantagem, ilícita, no valor de R$ 21.600,00 (vinte e seis mil e seiscentos reais) em dinheiro (conforme documentos em anexo) e objeto de valor (conforme auto de avaliação indireta fl. 25), em prejuízo de Maria Lúcia da Cunha Adegas, induzindo e mantendo a vítima em erro, mediante ardil e fraude, ao lhe aplicar o “conto do bilhete premiado.

Na oportunidade, a denunciada induziu a vítima ao erro, simulando ser pessoa simplória e possuir um bilhete de loteria premiado, Iones e seu comparsa, que demostrava não conhecer a denunciada, sob pretexto de dar certa quantia para a ofendida em troca de ajuda, fizeram-na ingressar em um veículo. Ato contínuo, levaram a vítima a duas agências bancarias Itaú, onde esta efetuou tal valor aos criminosos, além de um bracelete de ouro de aproximadamente 8 cm. Passo seguinte, os denunciados, ardilosamente, despistaram a vítima e empreenderam fuga, levando consigo a quantia em dinheiro.

A DEFESA apelou, pretendendo a redução da pena e a compensação da agravante da reincidência pela atenuante da confissão espontânea. Por fim, busca abrandamento do regime, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Oferecida contrariedade.

Parecer pelo improvimento.

É o relatório.

VOTO

Esta a fundamentação da sentença:

A materialidade delitiva está consubstanciada no boletim de ocorrência policial (fls. 08/09), nos extratos de conta bancária (fls. 12/13) e no auto de avaliação indireta (fls. 30), bem como dos demais elementos informativos oriundos do inquérito policial.

A autoria é certa e está indicada à denunciada, inclusive pelo auto de reconhecimento fotográfico (fls. 14/15).

A vítima Maria Lúcia da Cunha Adegas (mídia de fls. 122) afirmou em juízo que entrava em seu edifício quando foi abordada por uma mulher, que aparentava ser nordestina e lhe pediu uma informação acerca de um endereço. Logo em seguida, surgiu um indivíduo que se ofereceu para ajudar, momento em que a ré entregou um bilhete de loteria. Ato contínuo, o homem efetuou uma ligação a fim de confirmar que o bilhete estaria premiado, momento em que outro indivíduo confirmou o prêmio no valor de um milhão de reais. Foi-lhe prometido que, se ajudasse a acusada, receberia a quantia de R$ 100.000,00, descontado do prêmio. No entanto, a ré pediu que a ofendida entregasse o valor de sua conta poupança (R$ 20.000,00). De início, como não tinha a quantia solicitada, entregou uma pulseira de ouro para a ré. Afirmou que todos entraram em um automóvel, de cor branca, conduzido pelo homem que, durante o trajeto, como garantia e prova de confiança, mostrou-lhe uma mala com notas de dinheiro que também entregaria à denunciada a fim de receber sua parte. Após, entrou em uma agência bancária e inicialmente efetuou um saque permitido, voltando ao automóvel com R$ 5.000,00. Neste ínterim, os dois pediam que não comentasse o fato com ninguém no banco. Disse que, diante da exigência de R$ 20.000,00, se dirigiram a outro estabelecimento bancário e novamente logrou retirar somente R$ 5.000,00, motivo pelo qual retornaram à primeira agência, onde sacou o restante do valor (R$ 10.000,00). Salientou que neste último saque foi orientada a dizer que o dinheiro seria usado na compra de um imóvel na praia e que o corretor aguardava em seu veículo. Relatou que após entregar o montante à denunciada, ela simulou uma dor de cabeça e foi-lhe pedido que pegasse um remédio na farmácia. Quando retornou, eles não estavam mais no local. Afirmou ter firmado reconhecimento fotográfico da acusada na Delegacia.

Em juízo, ao visualizá-la na solenidade, identificou novamente a ré como uma das autoras do crime.

As testemunhas Adriana de Lima e Marisa Gomes Roma (mídia de fls. 132) nada esclareceram sobre o fato narrado na denúncia, limitando-se a abonar a conduta da acusada.

Ao ser interrogada, a ré Iones Rosa dos Santos (mídia de fls. 151) confessou ter praticado o delito nos termos da exordial.

Esta é toda a prova coligida e autoriza a condenação da acusada.

O art. 171 do Código Penal, ao prever o tipo do estelionato, exige que a vítima seja induzida ou mantida em erro, utilizando-se o agente de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. Logo, o dolo, representado pela vontade de enganar a vítima com a finalidade de obter dela vantagem ilícita, é essencial para a existência do delito.

Diante disso, verifica-se que o contingente probatório é suficiente para a expedição de decreto condenatório, pois, de forma clara e precisa, demonstrou que a ré foi uma das autoras do delito narrado na denúncia, tendo a confissão esboçada encontrado integral amparo, sendo plenamente valorável, nos termos do art. 197 do CPP.

Não bastasse isso, a vítima relatou com firmeza e coerência o evento delitivo, descrevendo minuciosamente a participação de cada um dos estelionatários que a vitimaram. Ademais, reconheceu pessoalmente a ré em juízo sem manifestar qualquer dúvida.

O seu testemunho merece credibilidade, porquanto não é crível que uma pessoa idônea impute delito a outrem, que sabe inocente, sem que surjam elementos que evidenciem motivações espúrias para tanto. Quando imputações falsas acontecem, não são construídas de maneira absolutamente ocasional e distanciadas das circunstâncias objetivas e provadas nos autos.

Diante da prova acima exposta, a ré, com o comparsa não identificado, abordou a vítima na rua e afirmando ser uma pessoa simplória, bem como que possuía um bilhete premiado, fez com que a ofendida lhe alcançasse a importância em dinheiro de R$ 20.000,00, além de um bracelete de ouro avaliado em R$ 1.600,00, oportunidade em que pegou os bens e empreendeu fuga.

Veja-se que a ré se utilizou de meio fraudulento, induzindo a vítima em erro, fazendo com que a mesma lhe entregasse a quantia em dinheiro e o objeto de valor, restando um prejuízo de R$ 21.600,00.

Dessa forma, diante do acima exposto, a materialidade e a autoria delitiva restaram amplamente demonstradas, devendo a ré ser condenada, como incursa nas sanções do art. 171, caput, do Código Penal.

Com efeito, deve ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea a ré, com fulcro no art. 65, inciso III, alínea d, do Código Penal, já que a sua declaração contribuiu para a elucidação dos fatos e de suas circunstâncias, tendo ela admitido o crime descrito na exordial acusatória. Ademais, sua versão mostrou-se relevante e serviu de fundamento para embasar a condenação.

De outra banda, a certidão de antecedentes judiciais de fls. 233/248, dá conta que Iones é reincidente, razão pela qual incidirá a agravante prevista no art. 61, inciso I, do Código Penal.

Ademais, o delito foi cometido contra pessoa maior de 60 anos de idade, uma vez que a vítima contava com 65 anos de idade na época do fato (fl. 08), devendo incidir a agravante do art. 61, II, "h", do Código Penal.

Por fim, ainda que não seja desconhecido o entendimento que possibilita a compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea, no caso concreto, entendo que deva preponderar a agravante. Como veremos adiante, a acusada ostenta inúmeras condenações definitivas por crimes de mesma espécie ao da presente acusação, situação que obsta a compensação. Na mesma linha:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBOS SIMPLES EM CONTINUIDADE DELITVA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO QUANTO À EXISTÊNCIA MATERIAL E A AUTORIA DO FATO. EXCLUDENTE DE ANTIJURIDICIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. INOCORRÊNCIA. Admite-se a excludente de antijuridicidade pelo estado de necessidade quando o agente, vivendo em condições de miserabilidade, subtrai bens aptos a satisfazer privação inadiável sua ou de familiares, não envolvendo casos nos quais o furto represente acréscimo ao seu acervo patrimonial. Em concreto, não procede a tese ventilada pela defesa no sentido de que a conduta foi executada sob o manto da excludente do estado de necessidade, pois o réu era dependente químico e somente praticou os roubos por estar em débito com os traficantes que lhe forneciam as drogas, temendo, consequentemente, pela sua própria vida e de sua família. A suposta dívida contraída em decorrência de seu vício em substâncias ilícitas é inservível para configurar o estado de necessidade porque demonstra que provocou o perigo por vontade própria, o qual poderia ter sido evitado, não se enquadrando, portanto, na excludente suscitada. Indemonstrados os requisitos constitutivos da causa justificante pelo réu, descabido o seu reconhecimento nos termos do caput ou do §2º do artigo 24 do Estatuto Repressivo. REINCIDÊNCIA. PREPONDERÂNCIA EM FACE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. A agravante pela reincidência, porque circunstância preponderante nos termos do artigo 67 do Código Penal, prevalece frente à atenuante pela confissão espontânea, esta inclusive parcial. Rejeição do pedido objetivando a compensação entre as moduladoras ou a redução da corporal na segunda etapa dosimétrica em face da prevalência da causa diminutiva prevista no artigo 65, inciso III, alínea d ,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT