Acórdão nº 50295990720188210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 01-04-2022

Data de Julgamento01 Abril 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50295990720188210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001470532
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5029599-07.2018.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador NIWTON CAES DA SILVA

APELANTE: MAICOM EZEQUIEL BRAGA RAMOS (AUTOR)

APELADO: COPEL - COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA (RÉU)

RELATÓRIO

MAICON EZEQUIEL BRAGA RAMOS ajuizou ação declaratória de inexistência de débito c/c indenização por danos morais em face de COPEL - COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA. Relatou que, foi surpreendido ao descobrir que seu nome estava negativado. Disse que, ao buscar informações junto à ré sobre o referido débito, deparou-se com uma dívida de R$98,74 (...), atrelada ao contrato nº 20151988271620, em endereço que desconhece. Aduziu não ter mantido qualquer relação jurídica com a demandada, que justifique a anotação negativa. Requereu, em sede de antecipação de tutela, a retirada de seu nome dos órgãos de proteção ao crédito. No mérito, pleiteou pela confirmação da antecipação de tutela e a procedência da pretensão para declarar a inexigibilidade do débito, com a condenação do réu ao pagamento de danos morais no valor de R$12.000,00 (...)

Sobreveio sentença de improcedência da ação, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em R$2.000,00 (...), cuja exigibilidade resta suspensa diante da gratuidade de justiça deferida nos moldes da Lei nº1.060/50 (evento 3, doc.2).

A parte autora apelou, alegando a inexistência de prova da contratação do débito que gerou a mácula do seu nome no SPC. Postulou pela reforma da sentença com o julgamento de total procedência da ação, nos termos do pedido inicial (evento 3, doc.2 e 3).

Não foram apresentadas contrarrazões.

Os autos vieram-me conclusos em 25 de novembro de 2021.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de ação de nulidade de de débito cumulada com indenização por danos morais decorrentes de inscrição indevida do nome da parte autora em órgãos de proteção ao crédito, por contratação que alega jamais ter pactuado com a requerida, julgada improcedente na origem.

Preenchidos os pressupostos processuais, recebo o recurso de apelação.

Inicialmente, mister ressaltar que a relação travada entre as partes é nitidamente de consumo, encontrando, portanto, amparo no Código de Defesa do Consumidor. Assim, aplicável à espécie o disposto no artigo 14 do CDC, in verbis:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (grifei).

Como se vê, a responsabilidade no caso em comento é objetiva, ou seja, independe de prova da culpa do agente causador do dano, uma vez verificada a falha na prestação do serviço.

Ainda, incide na espécie a inversão do ônus da prova, a teor do art. 6º, inciso VIII, do CDC e do art. 373, II, do CPC, na medida em que, alegada a inexistência de relação jurídica, incumbe à parte ré comprovar a efetiva contratação entre as partes, in verbis:

Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

(...)

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Com efeito, compulsando os autos, verifico que a empresa ré deixou de acostar documento capaz de comprovar a contratação realizada pelo autor, pelo que a empresa de energia não se desincumbiu do ônus probatório que lhe recaia, qual seja, de comprovar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, ex vi legis do artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil

No caso em apreço, a empresa ré cingiu-se a juntar aos autos telas sistêmicas, as quais não se prestam a comprovar a regular contratação entre as partes, tratando-se de documentos unilaterais sem força probatória (evento 3, doc.1, fl. 28v/29).

Em que pese a parte ré tenha acostado junto à contestação trecho de documento do sistema do DETRAN/PR, em que supostamente o autor possuía veículo registrado em seu nome no Estado do Paraná no período (processo judicial 1, fls. 49/50 e proc. judicial 2, fls. 01-14), vislumbra-se que até em tal documento os endereços ali constante são distintos. Nota-se, inclusive, que a unidade consumidora a qual a ré objetiva pagamento situa-se na Rua Sete de Setembro n. 124, Nova Olímpia/PR. Já o registro do veículo em nome do autor junto ao sistema DETRAN-RS indica que seu endereço seria Rua Profeta Ezequiel n. 3413 na cidade de Umuarama/PR, ao que tudo indica, mais um vez, que o endereço da unidade consumidora que está sendo cobrada do autor não é de seu responsabilidade, não havendo qualquer indício plausível para tanto.

Deveria a parte ré ter trazido aos autos o contrato de prestação de serviço firmado entre as partes, providência não adotada.

Sublinhe-se que a demandada, como prestadora de serviço, deve tomar os devidos cuidados para evitar eventuais contratações fraudulentas, bem como eventuais cobranças indevidas. Destarte, a cautela e a prudência devem ser fontes permanentes de atuação, sob pena de ser responsabilizada pelos prejuízos causados a terceiros em razão da sua atividade, haja vista a adoção pelo nosso sistema jurídico da Teoria do Risco da Atividade.

A respeito, ensina o ilustre doutrinador Sérgio Cavalieri Filho, ipsis litteris:

Risco é perigo, é probabilidade de dano, importando, isso, dizer que aquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente. A doutrina do risco pode ser, então, assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. (...)

Pela teoria do risco-proveito, responsável é aquele que tira proveito da atividade danosa, com base no princípio de que, onde está o ganho, aí reside o encargo – ubi emolumentum, ibi onus.

O suporte doutrinário dessa teoria, como se vê, é a ideia de que o dano deve ser reparado por aquele que retira algum proveito ou vantagem do fato lesivo. Quem colhe os frutos da utilização das coisas ou atividades perigosas deve experimentar as consequências prejudiciais que dela decorrem. (...)

Desse modo, não tendo a empresa ré demonstrado a regularidade da contratação, impõe-se reconhecer a ilegalidade da inscrição do nome do autor nos órgãos de proteção ao crédito e declarar a inexistência do débito.

De outra banda, provado que a negativação do nome da demandante foi indevida, pois o débito foi irregularmente constituído, provado está o dano moral deste fato decorrente, tratando-se, pois, de dano in re ipsa.

A propósito, valho-me novamente dos ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho, in verbis:

(...) por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.

(...)

Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum.

Neste sentido é o entendimento pacificado desta Corte Estadual, ipsis verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CONTRATO INEXISTENTE. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. OI. CADASTRAMENTO INDEVIDO. CONTRATAÇÃO INEXISTENTE. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. 1. Relação jurídica exposta nos autos que está sujeita ao regime do Código de Defesa do Consumidor, pois caracterizadas as figuras do consumidor e do fornecedor, personagens capitulados nos artigos 2º e 3º, da Lei Protetiva. 2. Pretensão autoral que não se encontrava prescrita. Aplicação da teoria da actio nata, segundo a qual o termo inicial para a contagem do prazo prescricional deve corresponder, no caso, à data do conhecimento da inscrição irregular pela parte lesada. Adoção do prazo quinquenal previsto no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor 3. Inequívoca a ocorrência de cobrança indevida geradora de restrição creditícia por parte do requerido relacionada com contrato que nunca foi solicitado pela parte autora, uma vez que não demonstrada a regularidade do mesmo. Ônus da prova que competia à requerida diante das particularidades atinentes às relações de consumo. 4....

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