Acórdão nº 50299016520218210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Primeira Câmara Cível, 22-02-2023

Data de Julgamento22 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50299016520218210022
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003177612
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

11ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5029901-65.2021.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Transporte Terrestre

RELATOR: Desembargador GUINTHER SPODE

APELANTE: CHARQUEADAS TRANSPORTES LTDA (RÉU)

APELADO: HENRY KUHN DA SILVA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por CHARQUEADAS TRANSPORTES LTDA., porquanto inconformada com a sentença de procedência exarada na ação de indenização ajuizada por HENRY KUHN DA SILVA.

Adoto o relatório do decisum, exarado nos seguintes termos:

HENRY KUHN DA SILVA ajuizou a presente ação indenizatória em desfavor de CHARQUEADAS TRANSPORTES LTDA. Disse que foi (sub)contratado pela ré para o transporte rodoviário de carga. Ao final, com base na Lei nº 10.209/01, pediu indenização em valor equivalente ao dobro do preço ajustado para o frete, dada a alegação de falta de disponibilização/pagamento do Vale-Pedágio. Juntou documentos.

Concedida a gratuidade da justiça para a parte autora.

Citada, a parte ré apresentou contestação. Preliminarmente, suscitou a ocorrência da prescrição ânua. Na sequência, alegou falta de prova do pagamento dos pedágios e o valor excessivo da indenização pleiteada. Arguiu a inconstitucionalidade do art. 8º da Lei nº 10.209/01. Por fim, requereu a improcedência do pedido autoral, juntando documentos.

Sobreveio réplica.

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o breve relatório. DECIDO.

Acrescento que o dispositivo da sentença possui o seguinte teor:

Ante o exposto, forte no art. 487, inc. I, do CPC, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, para condenar a parte ré ao pagamento da indenização prevista no art. 8º da Lei n. 10.209/01, no valor de R$ 7.704,80 (sete mil setecentos e quatro reais e oitenta centavos), corrigido pelo IGP-M desde a data do contrato de afretamento (30/09/2015) e com incidência de juros de mora simples de 1% ao mês a contar da citação.

Sucumbente, condeno a parte ré ao pagamento integral das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 15% do valor atualizado da condenação, conforme § 2º do art. 85 do CPC.

Em suas razões recursais, a demandada busca a reversão da sentença recorrida, alegando, inicialmente, a configuração da prescrição. Quanto à questão de fundo propriamente dita, enfatiza que a inicial não se encontra acompanhada de prova documental capaz de comprovar a existência de desembolso com pedágios e tampouco suposto dano. Obtempera que a multa do art. 8º da Lei 10.209, de 23 de março de 2001, transformou-se em causa de demandas repetitivas, em que há mais vantagem na indenização do que o lucro do transporte. Pondera que a norma do art. 8º da Lei 10.209/01, ao associar o valor da indenização ao valor do frete, visa impingir uma indenização ao transportador em razão do descumprimento da obrigação de antecipação do Vale-Pedágio. ocasiona desproporcionalidade, além de ferir os princípios da boa-fé contratual e as funções sociais do contrato, causando até mesmo abalo às futuras relações contratuais neste segmento, com prejuízo a toda cadeia que dependa deste tipo de contratação, bem como podem fomentar a busca indenizatória “industrializada”, pelo resultado econômico da mesma. Invoca o disposto nos artigos 412 e 413, ambos do Código Civil, e entendimento do Superior Tribunal de Justiça, pugnando pela relativização do valor da multa que vier a ser fixada, caso ratificada a existência de pedágio e não seja reconhecida como pagamento ante ao valor negociado de frete. Por fim, assevera que é clara a existência de uma diferença entre a ratio decidendi da ADI 6.031 em relação às circunstâncias fáticas do caso concreto, e, assim, o art.8º da Lei 10.209/01 não deve ser aplicado ao caso em apreço, eis que detectado um restrictive distinguishing que deve afastar a aplicação do art.8º da Lei 10.209/01. Requer o provimento do recurso.

Sobreveio a comprovação do preparo.

No prazo legal, o autor/apelado ofertou contrarrazões, pugnando pela ratificação da sentença apelada, mediante a reprise de suas teses.

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, no tocante ao pleito de ver reconhecida a incidência da prescrição da pretensão autoral.

Inaplicável o prazo de doze meses para a prescrição. O dispositivo com esta previsão consta do artigo 4º da Lei nº 14.229 de 21.10.2021, que inseriu o parágrafo único ao artigo 8º da Lei nº 10.209/2001, regra que, pelo princípio da irretroatividade da lei nova, incabível aplicá-la a atos e fatos anteriores.

Artigo 8º. Sem prejuízo do que estabelece o artigo 5º, nas hipóteses de infração ao disposto nesta Lei, o embarcador será obrigado a indenizar o transportador em quantia equivalente a duas vezes o valor do frete.
Parágrafo único. Prescreve em 12 meses o prazo para cobrança das penas de multa ou da indenização a que se refere o caput deste artigo, contado da data da realização do transporte. (Incluído pela Lei nº 14.229, de 2021).

Passo ao exame da questão de fundo propriamente dita.

Trata-se de ação por meio da qual reclama o autor a condenação da parte ré, ao pagamento da multa prevista no artigo 8º da Lei nº 10.209/2001, em razão da não antecipação obrigatória do vale-pedágio.

A Lei nº 10.209/2001, ao instituir o denominado "vale-pedágio obrigatório" estabeleceu que, se o transportador for veículo de carga, o custo será devido pelo "embarcador" ou pelo "equiparado" (contratante do serviço de transporte, proprietário ou não da carga, ou a empresa que subcontratar o serviço).

Ademais, a referida Lei, no § 2º do art. 3º, que:

"o Vale-Pedágio obrigatório deverá ser entregue ao transportador rodoviário autônomo no ato do embarque decorrente da contratação do serviço de transporte no valor necessário à livre circulação entre a sua origem e o destino.”

Art. 8º Sem prejuízo do que estabelece o art. 5º, nas hipóteses de infração ao disposto nesta Lei, o embarcador será obrigado a indenizar o transportador em quantia equivalente a duas vezes o valor do frete.

Inicialmente, válido o registro de que o entendimento desta Câmara Cível, na esteira do entendimento do egrégio Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADI nº 6.031/DF, é no sentido da constitucionalidade da previsão legal acima destacada, tornando obrigatória a indenização equivalente a duas vezes o valor do frete, diante da não demonstração do adiantamento do vale-pedágio.

Reforça o entendimento supra, a orientação pacificada pelo colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a multa prevista no artigo 8º da Lei nº 10.209/2001 configura uma sanção legal, de caráter especial, prevista na lei que instituiu o Vale-Pedágio obrigatório para o transporte rodoviário de carga. Assim sendo, incabível o cotejo da previsão da lei especial com as disposições dos artigos 412 e 413 do Código Civil, em face do que impossível a convenção das partes para lhe alterar o conteúdo.

Nesse sentido, colaciono:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. TRANSPORTE DE CARGA. VALE PEDÁGIO. LEI 10.209/2001. "DOBRA DO FRETE". NORMA COGENTE. INAPLICABILIDADE DO INSTITUTO DA SUPRESSIO. PENALIDADE QUE NÃO ADMITE A CONVENÇÃO DAS PARTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Não se aplica o instituto da 'supressio' na relação entre o transportador e o contratante do serviço de transporte a fim de tornar inexigível o pagamento do vale-pedágio de forma adiantada e em separado, tendo em vista a natureza cogente da norma que institui a multa denominada de "dobra do frete".
2. "A penalidade prevista no art. 8º da Lei nº 10.209/2001 é uma sanção legal, de caráter especial, prevista na lei que instituiu o Vale-Pedágio obrigatório para o transporte rodoviário de carga, razão pela qual não é possível a convenção das partes para lhe alterar o conteúdo, bem assim a de se fazer incidir o ponderado art.
412 do CC/02" (REsp 1.694.324/SP, Rel.
p/ acórdão Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe de 05/12/2018).
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1532681/SP, Rel.
Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 13/02/2020)

Feitas essas indispensáveis considerações, passo ao exame da questão propriamente dita.

Do cotejo entre a legislação acima reavivada com o contexto debatido revela a inviabilidade de dar guarida ao pleito recursal que busca a reversão do juízo de procedência da ação.

Isso porque resulta evidente da análise dos subsídios probatórios carreados ao feito que a transportadora ré, que contratou o demandante para realizar o transporte da carga, equivale ao embarcador e, assim, está obrigada a indenizar o transportador no equivalente a duas vezes o valor do frete, eis que não efetuou o pagamento adiantado do vale pedágio. Desta situação decorre o dever de indenizar, na proporção estabelecida na legislação específica.

Com efeito, depreende-se dos autos, ser incontroversa a relação contratual entabulada entre os litigantes. Nesse sentido, veja-se o Evento 1 - CONTR2 que traz os contrato de transporte discriminando o serviço realizado pelo demandante e contratado pela ré/apelante, compreendendo o trajeto entre PANTANO GRANDE/RS e PORTO FERREIRA/SP, tendo o demandante suportado as despesas decorrentes do pagamento dos pedágios enfrentados no percurso.

Se tanto não bastasse, mediante pesquisa no aplicativo (https://qualp.com.br), disponível modo público e gratuito na internet, é possível concluir que sequer é plausível cogitar de que no percurso entre Pantano Grande/RS e Porto Ferreira/SP não existam praças de pedágio, as quais já constavam à época da consecução do serviço contratado, ou seja, 30-09-2015.

Igualmente digno de destaque que, nessa conjuntura, isto é, notório que no trajeto desenvolvido contava praças de pedágio, desnecessário que a...

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