Decisão Monocrática nº 50302449520198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quinta Câmara Cível, 23-05-2022

Data de Julgamento23 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50302449520198210001
ÓrgãoDécima Quinta Câmara Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002958487
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

10ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5030244-95.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA

APELANTE: MÁRCIO CHACHAMOVICH (AUTOR)

APELADO: LUIZ OLAVO FONTOURA DE ANDRADE (RÉU)

RELATÓRIO

A princípio, adoto o relatório da sentença, in verbis:

1) MÁRCIO CHACHAMOVICH ajuizou ação em face de LUIZ OLAVO FONTOURA DE ANDRADE.

Sustenta que foi alvo de ofensas, injúria e difamação pela parte demandada, razão pela qual requer sua condenação em indenização a título de danos morais.

Citada, a parte demandada apresentou defesa (evento 49). Refutou os argumentos da exordial. Pugnou pela improcedência.

Réplica (evento 52).

Oportunizada a produção de provas (evento 55).

Audiência de instrução (evento 131).

Memoriais escritos (evento 137).

Sobreveio decisão:

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE a ação. Condeno a parte sucumbente ao pagamento das custas processuais e aos honorários advocatícios ao patrono da parte adversa que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, observados os parâmetros do art. 85, §2º, do CPC.

O autor ofertou embargos de declaração (Evento 144) que foram contra-arrazoados (Evento 150) e desacolhidos (Evento 155).

Apela o demandante ressalvando que o objeto da presente ação não é a sua atuação no processo no qual representou o condomínio, mas sim as ofensas proferidas pelo requerido. Refere que a combatividade do profissional não lhe dá “carta branca” para desferir ofensas pessoais ao autor sob qualquer pretexto! A prova do excesso é que o apelado, na ação Ordinária onde houve as agressões escritas, afirmou não se opor a que tais fossem riscadas. Ora, se agiu dentro da legalidade e do que preconiza o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei 8904/90, porque consentir que as expressões injuriosas fossem riscadas? Afirma que a imunidade profissional é relativa, não sendo permissivo a ofensas e injúrias. Traz jurisprudência quanto ao tema. Destaca que os termos foram dirigidos à sua pessoa e não à tese manejada. Cita dispositivos do Estatuto da OAB, além do artigo 78 do CPC. Refere dolo da parte requerida que, inclusive, teria lamentado o ocorrido. Ressalta que imputar falsamente crime ao apelante foge ao que parece serem “palavras fortes”, pois o dolo não se presume e deveria ter sido provado pelo apelado, o que não ocorreu. Vergasta a similitude do caso em comento com os precedentes trazidos na sentença de improcedência. Destaca a publicização das ofensas e imputações diante do livre acesso ao processo, bem como pelo envio da cópia integral à imobiliária, sendo visualizados por terceiros. Concorda que a defesa do cliente deva se dar de forma contundente, entretanto, a alegação de que agira com dolo deveria ser comprovada, o que inocorreu no caso em comento. Pede a reforma da sentença com a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais.

Com contrarrazões, subiram os autos eletrônicos.

É o relatório.

VOTO

Colegas.

Conforme consta, pretende o demandante ser indenizado a título de danos morais sofridos em razão do dito agir indevido do requerido quando na atuação como causídico na defesa de terceiro - condomínio antes representado pelo autor -, discorrendo, para tanto, que a parte adversa, em Ação de Arbitramento de Honorários, referindo-se ao correlato processo de execução, atribuiu a si atuação pautada em dolo, negligência e irresponsabilidade com relação à atualização de quantias das quais os condomínio exequente era credor e cálculos da verba honorária.

Com efeito, da análise da prova trazida ao caderno processual, tenho por demonstrado o excesso do réu quando da sua manifestação em Juízo, considerando que os termos utilizados pelo causídico se deram à margem do aceitável, traduzindo-se em conduta temerária que desqualificou a atuação profissional e ética do autor.

Como bem destacou o apelante, na presente demanda não se está discutindo as ações processuais daquela ação ou execução. A possível existência de falha do profissional, equívoco ou dolo quanto ao cálculo não autorizam o causídico contrário a levantar suspeitas ou fazer acusações. Aliás, a perquirição de qualquer falha não tinha lugar na ação de arbitramento de honorários, mas sim em demanda própria se for, ou fosse, o caso.

Acresço que houve abuso de direito por parte do requerido, traduzindo o excesso quando da veiculação da defesa de seu cliente em Juízo, incutindo ofensa infundada ao requerente a partir da menção de "dolo", "negligência" e "irresponsabilidade" o que ultrapassa o livre exercício do ofício pelo réu, atingindo direitos constitucionalmente protegidos, da imagem e da honra do autor.

Sobre o abuso e a possibilidade de ofensa a direito individual, ponderando-se com a liberdade de atuação do causídico, bem calha trazer passagem do que dito pelo douto Des. LEONEL PIRES OHLWEILER, quando do julgamento da Ap. Cível n.º 70051359594, conforme consta:

(...).

A figura do abuso de direito está relacionada com a superação da compreensão do direito civil a partir do paradigma individualista, direcionando-se o exercício dos direitos no âmbito do paradigma constitucional da solidariedade. A Constituição Federal, artigo 3º, inciso I, faz referência expressa ao objetivo fundamental da solidariedade, cujos reflexos no Direito Civil determinam outra espécie de compreensão de temas como responsabilidade civil. O atual Código Civil é exemplo marcante desta reação ao individualismo, considerando sua nota de “socialidade”, como destacam Judith Martins-Costa e Gerson Luiz Carlos Branco1.

Relativamente ao abuso de direito, tal figura jurídica possibilita entender que o direito não deve considerar o homem como ente isolado, solitário, fechado em si mesmo e dotado de direitos absolutos. Pelo contrário, como o homem é ente inserido no plano existencial, em contínua relação com os demais, sendo que os direitos, assim, encerram não apenas faculdades ou prerrogativas, mas deveres de considerar o outro2.

Neste sentido, refere Pietro Perlingieri:

“A pessoa é inseparável da solidariedade: ter cuidado com o outro faz parte do conceito de pessoa. O solidarismo é suscetível de uma pluralidade de significados(...)

“A diversidade de acepções torna oportuno colher a relevância e o valor do solidarismo no sistema constitucional. O art. 2º fala de ‘solidariedade política, econômica e social’. Diversa é a solidariedade constitucional em relação àquela do Código Civil: não é apenas econômica, voltada para escopos nacionalistas, de eficiência do sistema e de aumento da produtividade, mas tem fins políticos, econômicos, sociais, cuja relevância emerge da coligação com o art. 3º ss. Const. Nesta perspectiva, a solidariedade exprime a cooperação e a igualdade na afirmação dos direitos fundamentais de todos, não solidariedade restrita nos confins de um grupo, nem dissolvida na subordinação de cada um ao Estado: ‘a solidariedade constitucional não concebe um interesse superior ao pleno e livre desenvolvimento da pessoa.”3

A partir desta concepção de constitucionalização da teoria da responsabilidade civil e da solidariedade, é que o abuso de direito deve ser concebido na órbita da alteridade e da situação jurídica subjetiva. O abuso de direito não é um simples limite ao exercício dos direitos subjetivos, mas o descumprimento de um dever jurídico genérico de não se valer de situações jurídicas subjetivas4 para impor restrições indevidas aos outros, além daquelas que normalmente devem suportar.5

Entendo, portanto, superada a vetusta discussão entre subjetivistas e objetivistas6, na configuração do abuso de direito. O fundamental é verificar a presença da antijuridicidade decorrente da violação da solidariedade, materializada nos exercício incompatível de uma posição jurídica com os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, aliás, nos termos do texto do artigo 187 do Código Civil. Portanto, a ilicitude constitui-se no descumprimento de um dever jurídico genérico, seja por ação ou por omissão.

Como alude Carlos Fernandez Sessarego:

“Consideramos que, en substancia, El critério fundamental para caracterizar el acto abusivo es aquel que recurre a la moral social que, jurídicamente, se traduce en el valor solidaridad. Lo antisocial, lo anormal, lo irregular es lo contrario a La vigência de La solidaridad, cuya raíz es moral, y se refleja en los princípios de la buena fe y de las buenas costumbres. Lo antisocial o irregular es, en este caso, lo ilícito. Lo ilícito es, finalmente, lo prohibido, lo no permitido de conformidad con el ordenamiento jurídico vigente."7

A ilicitude objetivamente considerada para fins de caracterizar o abuso de direito resulta da conduta intersubjetiva contrária a um dever genérico, no caso, de exercício normal dos direitos, conforme os princípios já aludidos. No âmbito da doutrina nacional, vale citar o entendimento de Sérgio Cavalieri Filho:

“Depreende-se da redação desse artigo, em primeiro lugar, que a concepção adotada em relação ao abuso de direito é a objetiva, pois não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico do direito; basta que se excedam esses limites. Filiou-se o nosso Código à doutrina de Saleilles, a quem coube definir o abuso do direito como exercício anormal do direito, contrário à destinação econômica ou social do direito subjetivo, que, reprovado pela consciência pública ou social, excede, por conseqüência, o conteúdo do direito...”8

Desta forma, podem ser indicados como elementos a serem investigados no caso concreto: a) o exercício de um direito a partir de uma determinada...

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