Acórdão nº 50303051920208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50303051920208210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002278927
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5030305-19.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR: Desembargador JORGE MARASCHIN DOS SANTOS

APELANTE: RITA DE CASSIA SILVEIRA DE OLIVEIRA (AUTOR)

APELADO: BANCO DO BRASIL S/A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por RITA DE CASSIA SILVEIRA DE OLIVEIRA, em face da sentença proferida nos autos da ação de restituição de valores c/c indenização por danos morais, movida contra BANCO DO BRASIL S/A, cujo dispositivo assim constou:

DIANTE DO EXPOSTO, fulcro no artigo 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES, os pedidos formulados por RITA DE CASSIA SILVEIRA DE OLIVEIRA em face de BANCO DO BRASIL S/A

Condeno a parte autora ao pagamento das custas, bem como de honorários em favor da parte adversa, parcela que fixo em 10% (mínimo legal) sobre o valor atribuído à causa, com base nos vetores contidos no artigo 85, §2º, incisos I até IV, do CPC, suspendendo a exigibilidade das parcelas em razão da gratuidade judiciária concedida.

Intimem-se.

Transitado em julgado, dê-se baixa.

(Dra. ANA PAULA BRAGA ALENCASTRO, Juíza de Direito da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre).

Em suas razões, a parte autora postula a reforma da sentença, sob o fundamento de que são ilegais os descontos realizados em conta corrente, vez que ocorreram sobre a pensão alimentícia dos filhos. Esclarece que, diante da realidade em que vivemos, impossibilitada a identificação dos depósitos. Justifica que os descontos somente cessaram quando enviado ofício, pelo Juízo da Vara da Família, ao empregador, para que os valores fossem depositados em outra conta. Explana que não nega a existência da dívida, mas que tal questão não é o caso dos autos. Discorre quanto à apropriação indevida dos valores, restando comprovado que tais valores são referentes aos alimentos dos filhos. Pugna pela devolução dos valores em dobro.

Apresentadas contrarrazões (evento 54), subiram os autos, vindo, então, conclusos para julgamento.

Cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 935 do CPC.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE.

As partes foram intimadas eletronicamente da sentença em 04/02/2022 (eventos 51 e 52), findamento o prazo para interposição de recurso de apelação em 09/03/2022. O recurso da autora foi interposto no dia 03/03/2022, dispensado de preparo (evento 54). Assim, tempestivo o recurso, pois protocolado dentro do prazo recursal de 15 dias.

RELATO DOS FATOS

Trata-se de ação de restituição de valores c/c indneização por danos morais, na qual a parte autora sustenta que é técnica de enfermagem, laborando no Grupo Hospitalar Conceição, desde março de 2014. Refere que, diante da sua aprovação em concurso público, abriu conta salário junto ao demandado, sendo esta transformada pelo réu em conta corrente comum, com cartão de crédito, cheque especial e demais serviços. Revela que passou por problemas financeiros após a separação, passando a utilizar o limite do cheque especial e do cartão de crédito para prover os filhos. Justifica que a fonte pagadora desconta diretamente na folha de pagamento do genitor e deposita na conta de titularidade da autora. Discorre que todos os valores que entravam na conta eram retidos pelo banco para pagamento do débito. Defende que entrou em contato com sua gerente, via whatsapp, sendo induzida a renegociar a dívida dentro de suas possibilidades, bem como a adiantar seu 13º salário, sem que o débito fosse quitado. Alega que, apesar de informar a gerente que os descontos estavam ocorrendo sobre a pensão alimentícia de seus filhos, os descontos somente cessaram com a transferência dos valores à Caixa Econômica Federal. Argumenta que, ao sofrer acidente de trabalho, foi encaminhanda ao INSS, sendo-lhe deferido o benefício por apenas dois dias, estando o processo em fase de recurso. Explana quanto à sua situação de superendividamento e da má-fé do banco demandado. Requer sejam devolvidos os valores descontados indevidamente da conta corrente e indenização por danos morais no valor de vinte salários mínimos.

Em sede de contestação, a parte demandada afirma que a autora possui operações financeiras em aberto inadimplidas. Preliminarmente, postula pelo reconhecimento da inépcia da petição inicial e impugna o valor dado à causa. No mérito, argumenta que as contratações ocorreram por livre manifestação de vontade da parte autora. Discorre quanto à legalidade dos descontos em conta corrente. Defende da inexistência do dano material e da ausência dos requisitos autoriozadores da responsabilidade civil. Caso fixada indenização, postula sejam observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Pugna pela improcedência da demanda.

Sobreveio sentença de improcedência dos pedidos.

Feito um breve relato dos fatos, passo à análise do mérito.

RETENÇÃO INDEVIDA. INOCORRÊNCIA. DESCONTO CONTA CORRENTE. VALIDADE.

De início, cabe referir que se trata de ação de restituição de valores, na medida em que alega a parte autora que o banco reteve indevidamente quantia que se refere à pensão alimentícia de seus filhos.

Todavia, embora se reconheça da impenhorabilidade dos valores, nos termos do art. 833, IV, do CPC, deve-se atentar acerca da validade do desconto ocorrido em conta corrente, diante da análise da sua origem.

Explico.

A cláusula que autoriza o desconto em conta corrente é lícita, pois é da própria essência do contrato celebrado entre as partes.

Há que esclarecer que esta Câmara, em linha com o STJ (REsp 1.863.973 - SP - REsp 1.877.113 - SP - REsp 1.872.441 - SP), adota o entendimento de que a limitação dos descontos sobre os proventos de verba salarial somente se aplica à folha de pagamento ou conta salário, não se confundindo com a autorização de desconto em conta corrente.

Quanto à questão, em 15 de março de 2022, publicada tese referente ao Tema 1085 do STJ, que assim restou firmada:

"São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento”.

Cito o aludido julgado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PRETENSÃO DE LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS DAS PARCELAS DE EMPRÉSTIMO COMUM EM CONTA-CORRENTE, EM APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI N. 10.820/2003 QUE DISCIPLINA OS EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, COM FIXAÇÃO DE TESE REPETITIVA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. PREJUDICADO O RECURSO ESPECIAL DA DEMANDANTE, QUE PLEITEAVA A MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA.
1. A controvérsia inserta no presente recurso especial repetitivo está em definir se, no bojo de contrato de mútuo bancário comum, em que há expressa autorização do mutuário para que o pagamento se dê por meio de descontos mensais em sua conta-corrente, é aplicável ou não, por analogia, a limitação de 35% (trinta e cinco por cento) prevista na Lei n. 10.820/2003, que disciplina o contrato de crédito consignado em folha de pagamento (chamado empréstimo consignado).
2. O empréstimo consignado apresenta-se como uma das modalidades de empréstimo com menores riscos de inadimplência para a instituição financeira mutuante, na medida em que o desconto das parcelas do mútuo dá-se diretamente na folha de pagamento do trabalhador regido pela CLT, do servidor público ou do segurado do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), sem nenhuma ingerência por parte do mutuário/correntista, o que, por outro lado, em razão justamente da robustez dessa garantia, reverte em taxas de juros significativamente menores em seu favor, se comparado com outros empréstimos.
2.1 Uma vez ajustado o empréstimo consignado em folha de pagamento, não é dado ao mutuário, por expressa disposição legal, revogar a autorização concedida para que os descontos afetos ao mútuo ocorram diretamente em sua folha de pagamento, a fim de modificar a forma de pagamento ajustada.

2.2 Nessa modalidade de empréstimo, a parte da remuneração do trabalhador comprometida à quitação do empréstimo tomado não chega nem sequer a ingressar em sua conta-corrente, não tendo sobre ela nenhuma disposição.
Sob o influxo da autonomia da vontade, ao contratar o empréstimo consignado, o mutuário não possui nenhum instrumento hábil para impedir a dedução da parcela do empréstimo a ser descontada diretamente de sua remuneração, em procedimento que envolve apenas a fonte pagadora e a instituição financeira.
2.3 É justamente em virtude do modo como o empréstimo consignado é operacionalizado que a lei estabeleceu um limite, um percentual sobre o qual o desconto consignado em folha não pode exceder.

Revela-se claro o escopo da lei de, com tal providência, impedir que o tomador de empréstimo, que pretenda ter acesso a um crédito relativamente mais barato na modalidade consignado, acabe por comprometer sua remuneração como um todo, não tendo sobre ela nenhum acesso e disposição, a inviabilizar, por consequência, sua subsistência e de sua família.

3. Diversamente, nas demais espécies de mútuo bancário, o estabelecimento (eventual) de cláusula que autoriza o desconto de prestações em conta-corrente, como forma de pagamento, consubstancia uma faculdade dada às partes contratantes, como expressão de sua vontade, destinada a facilitar a operacionalização do empréstimo tomado, sendo, pois, passível de revogação a qualquer tempo pelo mutuário. Nesses empréstimos, o desconto automático que incide sobre numerário existente em conta-corrente decorre da própria...

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