Acórdão nº 50310847120208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 23-03-2022

Data de Julgamento23 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50310847120208210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001797809
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5031084-71.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Família

RELATORA: Desembargadora VERA LÚCIA DEBONI

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, atuando como curadora especial do interditando, Estafanos O.K. (quarenta e sete anos de idade, nascido em 1º/07/1974), por inconformidade com sentença da Vara de Curatelas do Foro Central de Porto Alegre, que julgou procedente a ação de interdição ajuizada pela esposa do incapaz, Anelise M.M., ora apelada, nomeando-a para o exercício da curatela do interdito.

Sustentou a recorrente, em síntese, que a incapacidade que acomete o requerido é temporária, razão por que a sentença deveria ter fixado prazo para o exercício da curatela. Colacionou excertos do laudo pericial. Sustentou que deve ser estabelecido prazo para reavaliação do curatelado. Asseverou, também, que não há mais falar-se em decretação de interdição, após a edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Pugnou, nesses termos, pelo provimento da apelação, a fim de que seja fixado prazo para reavaliação do requerido, bem como seja “suprimir do texto o decreto de interdição, mantendo-se tão somente a nomeação de curador(a)” (sic).

Aportaram contrarrazões (evento 127).

O Ministério Público opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (evento 8).

Vieram os autos conclusos em 1º/12/2021 (evento 9).

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas:

O recurso é apto, tempestivo e estão presentes os demais requisitos de admissibilidade.

Não há preliminares a serem analisadas, razão porque é possível adentrar-se, de imediato, ao exame do mérito.

Adianto que não prospera a irresignação.

Primeiramente, no que diz respeito à pretensão de limitação temporal da curatela ou dos efeitos da interdição, convém estabelecer a devida distinção entre os institutos da interdição e da curatela, que são relacionados, mas não se confundem.

Toda a pessoa maior de dezoito anos de idade é presumidamente capaz de autogestão nos atos da vida civil, segundo se depreende do artigo 5º1 do Código Civil.

Não obstante, essa capacidade pode sofrer modificação em razão de condição ou enfermidade que importe na redução da capacidade de discernimento ou a impeça de exprimir a própria vontade.

Assim, nos termos do artigo 1.7672 do Código Civil, já com a redação que lhe deu a Lei nº 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência –, estão sujeitos a curatela aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, os ébrios habituais e os viciados em tóxico e os pródigos.

Logo, essas pessoas estão sujeitas, em verdade, a serem interditadas, porque ninguém pode ser curatelado sem prévia ou concomitante decretação de sua interdição.

A interdição implica, dentro dos próprios limites de sua decretação, na presunção, erga omnes, de invalidade dos atos praticados pessoal e diretamente pelo incapaz.

Logo, a sentença de interdição tem esse efeito, que é o de tornar desnecessária a discussão, caso a caso, dos atos que poderiam ser inválidos em função da redução de discernimento.

Evidentemente, uma vez decretada a interdição, é imprescindível a nomeação de um curador (artigo 755, inciso I3, do Código de Processo Civil), que representará o incapaz conforme os limites da incapacidade reconhecida na sentença.

Ou seja, os limites da curatela, em geral, são os mesmos da incapacidade.

Mas nem sempre é o que ocorre, porque há direitos que são personalíssimos e, mesmo que o interdito não tenha capacidade para exercê-los pessoalmente, não poderão ser exercidos por intermédio do representante legal.

É o caso, v.g., da atuação profissional: sobrevindo estado de incapacidade ao médico, ao dentista, ao advogado ou qualquer outro profissional liberal, não poderá prosseguir no exercício da profissão por meio de seu curador; a atuação profissional é, na hipótese, intuitu personae.

A lei estende a autoridade do curador aos filhos do curatelado (artigo 1.7784 do Código Civil), mas isso não significa, evidentemente, que a relação de filiação não seja personalíssima, porque não é no vínculo de parentesco e poderes a ele inerentes que o curador representa o curatelado, mas tão somente em eventual ato jurídico que esteja relacionado com os limites da curatela.

De qualquer modo, demonstrado está que a interdição tem a potencialidade de operar efeitos sobre direitos personalíssimos cujo exercício restará obstado, porque insuscetíveis de serem exercidos por meio do representante legal.

Daí resulta que a limitação imposta pela interdição não se confunde com a curatela, podendo ser mais ampla do que esta.

Além disso, oportuno anotar que, por vezes, a pessoa interditada pode restar sem curador, ainda que transitoriamente, como acontece quando o próprio curador perde a capacidade civil ou vem a óbito. Nessas hipóteses, não deixa de existir a interdição, mas apenas a curatela, até que outra pessoa seja nomeada para exercer tal múnus.

Portanto, a rigor não faz sentido delimitar-se temporalmente a curatela, porque a pessoa interditada deve ter curador enquanto prevalecer o estado de interdito.

Há que se interpretar tal pedido, então, como a pretensão de limitação temporal da própria interdição.

Mesmo assim, não cabe tal limitação temporal da interdição no caso em tela.

O expert que subscreveu o laudo psiquiátrico do evento 87 concluiu que o periciando encontra-se temporariamente incapaz para os atos da vida civil no que se refere à administração de seu patrimônio e de sua vida financeira, sugerindo reavaliação em dois anos a contar da data da perícia.

No entanto, essa reavaliação não pode ser realizada de ofício, tampouco é cabível a decretação de interdição a prazo certo, pois somente será levantada a interdição quando efetivamente cessar a causa que a determinou (artigo 756, caput5, do Código de Processo Civil).

O pedido de levantamento da interdição poderá ser feito pelo interdito, por seu curador ou pelo Ministério Público e correrá em autos próprios, seguindo-se o procedimento previsto em lei (artigo 756, parágrafos 1º, e 3º6, do Código de Processo Civil).

O levantamento da interdição pode, inclusive, ser parcial, quando demonstrada a capacidade do interdito para praticar alguns dos atos da vida civil (artigo 756, § 4º7, do Código de Processo Civil).

Não é possível, consequentemente, adotar como sentença a mera presunção de que o interditando recobrará a capacidade e dia e hora certa.

Tampouco é cabível que se fixe data para reavaliação, pois o processo de interdição finda com a prolação da sentença e, como já dito, a legitimidade para postular o levantamento da interdição é do interdito, de seu curador ou do Ministério Público.

Em outros termos, inexiste previsão legal para que o juiz, ao decretar a interdição, o faça por prazo certo, o que vai de encontro ao caráter protetivo desse instituto, concessa venia àqueles que eventualmente tenham outro entendimento na matéria.

A decretação da interdição não é medida de caráter permanente, mas sim indeterminado.

Ainda que a enfermidade que acomete o interditando seja permanente e irreversível, a sentença de interdição não faz coisa julgada material, podendo ser intentada a ação de levantamento de interdição a qualquer tempo, desde que cesse a causa da incapacidade.

Também não se pode confundir o caráter eventualmente transitório da doença mental incapacitante com a extensão dos efeitos da interdição, pois a enfermidade pode ter efeitos severos quanto à capacidade civil, ainda que transitórios, assim como pode ter efeitos mais brandos (incapacidade apenas para alguns atos da vida civil), porém permanentes e irreversíveis.

Por conseguinte, a transitoriedade...

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