Acórdão nº 50314095620148210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 09-05-2022
Data de Julgamento | 09 Maio 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50314095620148210001 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Quinta Câmara Criminal |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20001853684
5ª Câmara Criminal
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Criminal Nº 5031409-56.2014.8.21.0001/RS
TIPO DE AÇÃO: Furto (art. 155)
RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL
APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA
APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
ALEXSANDER SILVA DA SILVA, 37 anos na data do fato (DN 03/11/1977), foi denunciado por incurso no artigo 155, §4º, inciso II, do Código Penal.
O fato foi assim descrito na denúncia, recebida em 25/08/2014:
No dia 06 de julho de 2014, aproximadamente às 8h30min, na Rua Cândido Mariano da Silva Rondon, nº 18, Bairro Restinga, nesta Capital, o denunciado ALEXSANDER SILVA DA SILVA subtraiu, para si, mediante escalada, uma serra circular marca Bosch, uma serra corta mármore marca Maquita e uma serra corta mármore marca Black Decker, pertencentes a João Alex Moreira Papke. Na ocasião, o denunciado escalou dois muros de aproximadamente dois metros de altura cada um deles e ingressou numa casa em obras, localizada no endereço supracitado. Ato contínuo, Alexsander subtraiu os referidos objetos e, quando pulava o muro do imóvel, foi visto por policiais militares. Os agentes abordaram-no e apreenderam a res furtivae em poder do denunciado. Posteriormente, em contato com João Alex, este reconheceu como sendo de sua propriedade os objetos subtraídos por Alexsander. O denunciado é reincidente específico. |
Ultimada instrução, foi proferida sentença de procedência da ação penal para condenar ALEXSANDER por incurso no artigo 155, §4º, inciso III, do Código Penal.
A DEFESA apelou, pretendendo, preliminarmente, a não configuração dos crimes, ante a presença de causa excludente da culpabilidade. Sustenta que o acusado é dependente químico e que cometeu o ato visando unicamente o custeio de seu vício. No mérito, requer a absolvição, por insuficiência probatória. Subsidiariamente, busca o reconhecimento da forma tentada do delito, o afastamento da qualificadora da escalada e da pena de multa imposta.
Oferecida contrariedade.
Parecer pela rejeição da preliminar e improvimento.
É o relatório.
VOTO
- PRELIMINAR. INIMPUTABILIDADE.
A pretensão nuclear do apelo é a ausência de dolo, em virtude da alegada, e não demonstrada, dependência química.
O Código Penal, ao tratar da inimputabilidade, lista duas situações:
Inimputáveis Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Redução de pena Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) |
Fácil perceber que a inimputabilidade, total ou parcial, passa pelo reconhecimento de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Já a Lei de Drogas também trata do assunto, mas não de forma idêntica:
Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado. Art. 46. As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por força das circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. |
Então, embora semelhantes, e confundidos reiteradamente, aplicam-se a situações diversas.
No caso dos artigos 45 e 46 da Lei de Drogas, frequentemente buscado como escudo para alcançar isenção diante de comportamentos contrários à lei, cuida-se de conferir a eventual dependência ou sob o efeito - em ambos os casos, de drogas – ‘ao tempo da ação ou omissão’.
Por consequência, a verificação deve acontecer imediatamente após a ocorrência do fato, e não depois de instaurada a ação penal.
E mais, ainda para estar sob o abrigo dos artigos 45 ou 46, encontram-se duas situações distintas, sendo a primeira a referida dependência, o que significa que o usuário eventual, que não é dependente, não merece o escudo da inimputabilidade.
E a segunda, sob o efeito, onde aparentemente estaria o usuário eventual, depende da presença do caso fortuito ou força maior, o que é bem diferente da situação daquele que faz uso voluntário da droga.
Já o Código Penal, ao cuidar da inimputabilidade, refere doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Também aqui é preciso que sejam feitas distinções, pois o desenvolvimento mental incompleto ou retardado é uma condição congênita, de causa natural, em regra, enquanto a doença mental pode ser adquirida.
Então, se o sujeito apresenta um comportamento que, à primeira vista, é normal, não há motivo para instauração do incidente de insanidade mental.
Percebe-se, desta forma, que o uso de entorpecentes só possui o condão de afastar a culpabilidade penal quando decorrer de caso fortuito ou força maior, sendo ônus da defesa comprovar a inimputabilidade do acusado nestas condições, o que não ocorreu no caso em tela.
Voto por rejeitar a preliminar.
- MÉRITO.
Esta a fundamentação da sentença:
Trata-se de ação penal pública incondicionada que versa sobre a prática do delito de furto qualificado. De acordo com a denúncia, o réu foi avistado pulando o muro de uma residência com três serras. Os objetos pertenciam à vítima João Alex Moreira Papke, que fazia uma obra em sua casa, e estavam no pátio. Em juízo, o Policial Militar Ricardo Wilhelm Pinheiro afirmou ter visto o réu pulando o muro com os materiais da obra. O Policial Militar João Paulo Viegas Proppe disse não recordar ter visto o réu pulando o muro, mas o viu com os objetos na via pública. A vítima, por sua vez, disse que ouviu os cachorros latindo e, ao olhar pela janela, avistou um vulto pulando o muro para a rua. O acusado foi pego em flagrante delito, momentos após o fato. Desse modo, não há dúvidas a respeito da materialidade e autoria delitivas. Com relação à qualificadora da escalada, embora ausente a perícia, admite-se a prova por outros meios, conforme sedimentada jurisprudência do STJ[1]. A vítima afirmou, em juízo, que para ingressar no pátio da casa, é preciso pular dois muros, cada um com 2m de altura. Desse modo, resta configurada a qualificadora da escalada. Quanto ao pedido da defesa de reconhecimento da excludente de culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa, não merece prosperar. Isso porque, embora o réu seja viciado em crack e tenha cometido o furto com a finalidade de sustentar seu vício, evidentemente, havia outras opções de ação, mesmo em seu contexto socioeconômico. Efetivamente, o direito penal pátrio possibilita a analogia in bonam partem para que se exclua a responsabilidade do agente por causa geral de exculpação, conhecida como inexigibilidade de conduta diversa latu senso. No entanto, para sua configuração, faz-se necessário que haja uma situação que se assemelhe à de necessidade ou coação, em que as opções de comportamento ficam seriamente comprometidas, impedindo ao agente a atuação conforme o direito. É indispensável, ainda, para tanto, que o agente se depare com situação diante da qual haja perigo atual a seu bem jurídico ou de terceiro, e para evitar a lesão, necessite praticar a ação antijurídica. Deve-se levar em consideração o princípio da proporcionalidade para delimitar a ação do agente. Exemplificam a causa geral de exculpação os atos de desobediência civil não incluídos no âmbito do exercício regular de um direito ou, quanto aos sem-teto, a ocupação de terreno improdutivo ou imóvel abandonado. Por certo, não é aceitável o ato de furtar para pagar dívida de drogas ou para conseguir comprar mais substâncias psicotrópicas, ainda que o agente tenha desenvolvido dependência química. Isso porque o próprio acusado, voluntariamente, gerou a situação à qual alega estar submisso, e não há necessidade ou proporcionalidade no sacrifício de bens jurídicos de terceiros para continuar usando drogas. Conforme Tavares, para aferir a causa geral de exculpação, […} na avaliação dessa conduta devem ser levados em conta os seguintes elementos: a) uma situação semelhante à de estado de necessidade ou de coação; b) um perigo atual de lesão de bem jurídico do agente ou de terceiro; c) a necessidade de atuação para debelar o perigo e evitar, assim, a lesão de bem jurídico; d) a execução da ação, atendendo ao princípio da proporcionalidade em relação aos bens em conflito; e) o contexto da atuação do agente e sua disponibilidade para executar uma conduta conforme o direito; f) o confronto entre a lesão do bem jurídico e a finalidade do ato no sentido de salvar bem equivalente.[2]
Portanto, rejeito a hipótese de causa excludente da culpabilidade. Tem-se, por conseguinte, comprovadas a materialidade e a autoria do delito, estando presentes todos os elementos do tipo previstos no art. 155, parágrafo 4º, inciso III, do Código Penal. Presente também a tipicidade material, porquanto não verificada nenhuma causa de sua exclusão. Não... |
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