Acórdão nº 50315714320228210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 16-02-2023

Data de Julgamento16 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50315714320228210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003093216
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5031571-43.2022.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATOR: Desembargador JORGE LUIS DALL AGNOL

APELANTE: CRISTOFER SANGALLI (AUTOR)

APELADO: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por CRISTOFER SANGALLI da sentença que, nos autos da ação revisional proposta em face de AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A., julgou improcedentes os pedidos. No tocante à sucumbência, condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, ficando suspensa a exigibilidade por litigar sob os auspícios da gratuidade de justiça (Evento 19 do processo originário).

Em suas razões, o apelante sustenta a abusividade dos juros remuneratórios. Defende sua limitação à taxa média divulgada pelo Bacen. Argumenta que a mora deve ser descaracterizada. Refere ser abusiva a multa moratória, bem como os juros de mora. Assevera que deve ser vedada, no caso em tela, a capitalização de juros. Atesta que a comissão de permanência não pode ser cobrada. Requer a condenação da ré à repetição do indébito. Pugna pela vedação da sua inscrição/manutenção em órgãos de proteção de crédito, bem como pela manutenção da posse do bem. Postula o provimento do recurso (Evento 24 do processo originário).

Ausentes as contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de revisão de contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Oportuno esclarecer, de início, que se aplicam as disposições do Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados com instituições financeiras, como in casu, considerando o que dispõe a Súmula nº 297 do STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

JUROS REMUNERATÓRIOS

A matéria acerca da limitação dos juros remuneratórios em contratos bancários foi pacificada no Colendo Superior Tribunal de Justiça, na sistemática dos recursos repetitivos, conforme decisão proferida em sede de REsp n. 1.061.530-RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 2ª Seção, julgado em 22.10.2008, DJe 10/03/2009RSSTJ vol. 34 p. 216RSSTJ vol. 35 p. 48, ficando assim estabelecido:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO Constatada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, foi instaurado o incidente de processo repetitivo referente aos contratos bancários subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos da ADI n.º 2.591-1. Exceto: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado. (...). I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS. a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (...). Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, para declarar a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios, como pactuados, e ainda decotar do julgamento as disposições de ofício. Ônus sucumbenciais redistribuídos (REsp: 1061530 RS 2008/0119992-4, Relator Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008, Segunda Seção, DJe 10/03/2009) – grifei.

A respeito, as seguintes súmulas:

Súmula n. 596 do STF: As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.

Sumula n. 382 STJ: A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Consoante se extrai da supracitada ementa, a revisão contratual é devida em situações excepcionais e desde que a abusividade aferida esteja apta a impor ao consumidor desvantagem exagerada. A intervenção estatal se justifica devido à discrepância entre as taxas de juros contratuais e a de mercado, à luz do que dispõe o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Depreende-se que o entendimento da Corte Superior é no sentido de não adotar um patamar fixo ou inflexível para caracterizar a abusividade (STJ - REsp: 1061530 RS 2008/0119992-4, Relator: Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008, Segunda Seção,DJe 10/03/2009). Vejamos:

Todavia, esta perquirição acerca da abusividade não é estanque, o que impossibilita a adoção de critérios genéricos e universais. A taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, constitui um valioso referencial, mas cabe somente ao juiz, no exame das peculiaridades do caso concreto, avaliar se os juros contratados foram ou não abusivos.

Assim, a caracterização de abusividade – em aplicação do Código de Defesa do Consumidor – é análise a ser realizada em cada caso concreto, mediante o cotejo com a taxa média de mercado registrada pelo BACEN quando da pactuação do contrato e de acordo com a natureza do crédito alcançado. E, quando comprovada referida exorbitância, afasta-se o percentual de juros avençado pelos contratantes.

No caso concreto, trata-se de revisão de contrato de alienação fiduciária, firmado em 09.03.2022, prevendo juros remuneratórios de 2,60% a.m. e 36,04% a.a. (CONTR2 - Evento 13).

Em consulta ao site do Banco Central1, constata-se que a "Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Aquisição de veículos" - série 20749 - divulgada pelo BACEN é de 2,02% a.m. e 27,15% a.a. Portanto, não há significativa discrepância entre a taxa média de mercado e os juros contratados, não caracterizando abusividade.

A propósito, esta Câmara entende que "pactuada taxa de juros em patamar superior ao dobro da média de mercado apurada para o período da contratação, cabe a intervenção do Judiciário para revisar dita taxa, adaptando-a à média apurada pelo BACEN no período da contratação" (Apelação Cível nº 50144884620208210022, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Desembargador André Luiz Planella Villarinho, julgado em 30-06-2022).

No mesmo sentido:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REVISIONAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BEM MÓVEL. (...) CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. APLICÁVEL O CDC AOS CONTRATOS BANCÁRIOS NOS TERMOS DA SÚMULA 297 DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.. VEDADO O CONHECIMENTO DE OFÍCIO ACERCA DAS ABUSIVIDADES (SÚMULA N.º381 DO STJ) JUROS REMUNERATÓRIOS ABUSIVOS. CONSTATADA SIGNIFICATIVA DISCREPÂNCIA ENTRE OS JUROS CONTRATADOS E A MÉDIA DE MERCADO DO PERÍODO DA CONTRATAÇÃO. REVISÃO DOS JUROS DE ACORDO COM A TAXA DE MERCADO APURADA PELO BACEN. CAPITALIZAÇÃO MANTIDA. POSSÍVEL A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS EM PERIODICIDADE INFERIOR À ANUAL, NOS TERMOS DA MEDIDA PROVISÓRIA N.º 2.170-36/2001, DESDE QUE EXPRESSAMENTE PACTUADA. ORIENTAÇÃO DO STJ, ORIUNDA DO RESP N.º973.827/RS E SÚMULA N.º539. CONSTITUCIONALIDADE DA MP 2.170-36/2001 RECONHECIDA PELO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MORA. PARADIGMA - RESP Nº 1.061.530/RS – NO CASO CONCRETO, CONSIDERADO ILEGAL ENCARGO DA NORMALIDADE, FICA AFASTADA A MORA. SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EXTRAJUDICIAIS. INOVAÇÃO RECURSAL. PEDIDOS NÃO DEDUZIDOS NA ORIGEM. APELO NÃO CONHECIDO, NOS PONTOS. COMPENSAÇÃO E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. PERMITIDOS. EM SENDO CONSTATADO PAGAMENTO A MAIOR, DEVE OCORRER A COMPENSAÇÃO DE VALORES ENTRE AS PARTES. APÓS A COMPENSAÇÃO, SOBEJANDO CRÉDITO EM FAVOR DA PARTE FIDUCIANTE, DEVERÁ OCORRER A REPETIÇÃO, SIMPLES, DO INDÉBITO, ATENTANDO-SE À CORREÇÃO MONETÁRIA PELO IGP-M E JUROS MORATÓRIOS DE 1% AO MÊS. RECURSO ESPECIAL PARADIGMA Nº1388972/SC. APELAÇÃO CÍVEL DO AUTOR PARCIALMENTE CONHECIDA E, NO QUE CONHECIDA, DESPROVIDA. APELAÇÃO CÍVEL DO RÉU DESPROVIDA (Apelação Cível nº 50569285220228210001, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora Desa.: Elisabete Correa Hoeveler, julgado em 29-09-2022).

Dessa forma, os juros remuneratórios devem ser mantidos nos termos em que contratados.

Assim, nego provimento ao apelo, no ponto.

CAPITALIZAÇÃO DE JUROS

Como sabido, a capitalização de juros, também chamada de anatocismo, ocorre quando os juros são calculados sobre os próprios juros devidos.

O Superior Tribunal de Justiça analisou o tema sob a sistemática de recurso repetitivo e firmou o seguinte entendimento: “A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação” (STJ. 2ª Seção. REsp 1.388.972-SC,...

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