Acórdão nº 50319883620218210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50319883620218210008
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002288896
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5031988-36.2021.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU)

APELADO: DELCIO DE VARGAS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por BANCO BMG S.A. em face da sentença prolatada nos autos da ação de obrigação de fazer em que contende com DELCIO DE VARGAS. Constou na sentença apelada (Evento 16):

“[...] Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para determinar que o réu ajuste o contrato objeto da lide a fim de que tenha a natureza e execução de contrato de Empréstimo Consignado para Aposentados e Pensionistas do INSS, com o mesmo valor financiado R$ 2.145,00 e taxa de juros à média de mercado à época da contratação, dezembro/2018 (1,90% a.m.), amortizando os valores já pagos pela autora mediante desconto decorrente do contrato de cartão de crédito consignado, nas datas dos respectivos créditos, condenando a ré à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Caso remanesça saldo devedor, eventuais descontos poderão ser efetuados na folha de pagamento da parte autora até que seja atingida a nova quantia da dívida (após recálculo), sempre devendo ser observada a margem de empréstimo consignável que a parte autora ainda dispõe.

Considerando a sucumbência que toca à parte autora, decorrente da ausência de prova da má-fé, o decaimento é mínimo, a ensejar a condenação da parte demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, fixados em R$1000,00 (um mil reais).

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões recursais, a parte apelante alega a validade da contratação eletrônica. Aponta a ocorrência de litigância de má-fé dos procuradores do apelado, tendo em vista que estes teriam ajuizado várias ações praticamente idênticas, apenas com alteração no nome das partes e número do contrato. Requer que seja expedido mandado de intimação à parte autora, para que informe se possui conhecimento acerca do ajuizamento da presente ação. Pede a expedição de ofícios à OAB/RS, ao Ministério Público e à Autoridade Policial competente, para que apure os indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta típica. No mérito, alega ter comprovado a contratação de cartão de crédito consignado mediante a juntada de contrato firmado pelas partes, o qual tem previsão expressa dos descontos consignados. Destaca que o apelado realizou diversos saques e, na hipótese de acolhimento dos pedidos iniciais, deve ser determinada a devolução dos créditos recebidos. Ressalta a importância da boa-fé objetiva na relação entre as partes. Menciona não haver comprovação, por parte do autor, do fato constitutivo de seu direito. Defende que os descontos efetuados são legais, uma vez que respeitam as normas previstas para a modalidade de cartão de crédito consignado. Pontua não poder ser condenado ao ressarcimento dos valores que lhe são devidos, pois os descontos decorrem de contratação legítima realizada pelo próprio autor. Postula a condenação da parte recorrida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Requer o provimento da apelação (Evento 23).

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 26.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação interposta no Evento 23 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 24/01/2022 e findou em 14/02/2022 (Evento 17), sendo que o recurso foi interposto no dia 27/01/2022 (Evento 23). Além disso, a parte apelante comprovou o recolhimento do preparo (Evento 22).

Dessa forma, considerando que é própria e tempestiva, recebo a apelação, a qual passo a examinar.

1. PRELIMINAR RECURSAL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.

Requer, a parte apelante, a aplicação das penas de litigância de má-fé ao procurador da parte autora, uma vez que este teria ajuizado várias ações praticamente idênticas, apenas com alteração no nome das partes e número do contrato.

Pois bem.

Caracteriza-se litigância de má-fé, nos termos do artigo 80 do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI - provocar incidente manifestamente infundado;

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

A despeito disso, não prospera o pedido de condenação do procurador da parte demandante, como pretende a parte ré, porquanto eventual conduta indevida pelo advogado deve ser averiguada em ação própria, conforme determina o art. 32 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB):

Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.

Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.

Nesse sentido, consolidou-se a jurisprudência do STJ:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS INTEOSTOS PELA OAB/SP E PELO AUTOR DA AÇÃO POSSESSÓRIA E SEUS PATRONOS.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. DANO PROCESSUAL. INDENIZAÇÃO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. MULTA. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO PROMOVENTE E SEUS ADVOGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AÇÃO PRÓPRIA.

ACOLHIMENTO DAS TESES RECURSAIS.

1. Não há como, na via estreita do recurso especial, afastar a configuração da litigância de má-fé (CPC, arts. 17 e 18), reconhecida nas instâncias ordinárias com base na interpretação do acervo fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.

2. É permitido ao Juiz decretar de ofício a litigância de má-fé, podendo condenar o litigante faltoso a pagar multa e a indenizar a parte contrária pelos prejuízos causados (CPC, art. 18, caput e § 2º).

3. Na fixação da indenização, considerada sua natureza reparatória, é necessária a demonstração do prejuízo efetivamente causado à parte adversa, em razão da conduta lesiva praticada no âmbito do processo, diferentemente do que ocorre com a multa, para a qual basta a caracterização da conduta dolosa.

4. Reconhecida a litigância de má-fé nas instâncias ordinárias, sem demonstração do prejuízo causado à ré, mostra-se cabível a aplicação ao autor da multa não excedente a 1% sobre o valor da causa, afastando-se a indenização do art. 18 do CPC.

5. Os embargos declaratórios opostos com o intuito de prequestionamento não podem ser considerados procrastinatórios (Súmula 98/STJ).

6. Em caso de litigância de má-fé (CPC, arts. 17 e 18), descabe a condenação solidária da parte faltosa e de seus procuradores. A conduta processual do patrono da parte é disciplinada pelos arts. 14 do CPC e 32 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - EAOAB (Lei 8.906/94), de maneira que os danos processuais porventura causados pelo advogado, por dolo ou culpa grave, deverão ser aferidos em ação própria.

7. Recurso especial da OAB/SP provido.

8. Recurso especial do autor e seus patronos parcialmente provido.

(REsp 1331660/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 11/04/2014) – grifei.

Nesse sentido, cito precedentes desta Câmara, inclusive de minha relatoria:

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO ORDINÁRIA DE DESCONSTITUIÇÃO DE DÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATAÇÃO E DÉBITO COMPROVADOS. INSCRIÇÃO NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. 1. PRELIMINARES CONTRARRECURSAIS. Inovação recursal. Pedidos de cunho revisional. Ocorrência. A pretensão de revisão das cláusulas do contrato somente veio a ser formulado nas razões da apelação, o que configura inovação recursal. Preliminar acolhida. Apelo não conhecido no ponto. Razões dissociadas da sentença. Inocorrência. Ainda que a apelação não tenha utilizado a melhor técnica para contrapor os fundamentos da sentença, é possível depreender as motivações de inconformidade do apelante, que ataca a decisão quando sustenta que não restou devedor do valor anotado nos cadastros de inadimplentes, não restando configurada, desse modo, hipótese de não conhecimento do recurso, merecendo ser afastada a preliminar. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INOCORRÊNCIA. A parte ré comprovou a existência da contratação e o débito inadimplido, objeto da inscrição negativa. Destarte, a inscrição do nome da parte autora nos cadastros de inadimplentes é exercício regular de um direito, de modo que não há falar em desconstituição do débito, cancelamento da inscrição e indenização por danos morais, porquanto não há como imputar qualquer falha na prestação dos serviços à parte demandada. Ademais, estando o autor prévio e legitimamente inscrito em cadastros restritivos de crédito, descabida é a indenização por danos morais, nos termos da Súmula 385 do STJ. 3. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. OCORRÊNCIA. Tentativa, pela parte autora, de alterar a verdade dos fatos, mediante argumentação que não condiz com a prova produzida nos...

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