Decisão Monocrática nº 50320723720218210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 06-02-2023

Data de Julgamento06 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50320723720218210008
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003052980
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5032072-37.2021.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: DIEGO FELDMANN BORBA (AUTOR)

APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por DIEGO FELDMANN BORBA em face da sentença que julgou improcedente a pretensão deduzida na ação indenizatória ajuizada contra BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A (Evento 31), cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos:

Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE a presente Ação Indenizatória ajuizada por Diego Feldmann Borba contra Banco Pan S/A, partes já qualificadas.

Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios dos procuradores da parte adversa, os quais fixo em R$ 1.300,00, corrigidos, pelo IGP-M, desde a data da publicação da sentença, até o efetivo pagamento, forte no art. 85, § 8º, do CPC.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Em suas razões, postula o apelante a reforma da sentença recorrida, alegando, em síntese, ter sido vítima de propaganda enganosa veiculada pelo banco réu. Salienta que houve uma campanha publicitária da instituição financeira ré ofertando a adesão ao cartão de crédito consignado, na qual refere que foram oferecidos benefícios e vantagens como juros reduzidos, possibilidade de pagamentos flexíveis e não onerosos aos clientes. Pondera ter contratado o cartão de crédito consignado em questão, autorizando os descontos em sua folha de pagamento. Preconiza ter acreditado na proposta realizada pelo banco réu, de que os descontos nos termos contratados (valor mínimo), não geraria uma "bola de neve". Alude que, passados dez meses do pagamento nos termos da publicidade, observou que a sua dívida havia aumentado, ao invés de ter sido abatida, conforme assevera ter sido informada na propaganda em discussão. Aduz que, inconformado com a situação, realizou reclamação junto ao PROCON. Afirma ter ajuizado a presente ação com o intuito de ser reconhecida a abusividade dos juros cobrados pela parte ré, bem como a ilicitude da propaganda enganosa. Pugna pela aplicação da disciplina prevista no art. 37 do CDC. Reitera que, mesmo sem utilizar o cartão consignado, o valor do seu débito aumentou progressivamente. Requer seja declara ilícita a publicidade promovida pelo demandado. Postula a condenação da instuição financeira ré ao pagamento de indenização por danos morais. Manifesta interesse em prequestionar a matéria. Subsidiariamente, pede a redução dos honorários sucumbenciais fixados em prol do procurador da parte adversa. Pede provimento (Evento 37).

Foram apresentadas contrarrazões pela parte ré (Evento 41).

É o relatório.

VOTO

A apelação interposta no Evento 37 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 13/09/2022 e findou em 04/10/2022 (Evento 33) e o recurso foi interposto em 04/10/2022 (Evento 37). Além disso, a parte autora comprovou o recolhimento do preparo (Evento 38). Dessa forma, considerando que o recurso é próprio, tempestivo e foi recolhido o preparo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco, da administradora do cartão de crédito e do estabelecimento comercial é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos1.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Pois bem.

Cuida de ação na qual o autor sustenta a ocorrência de publicidade enganosa veiculada pelo banco réu, acerca do contrato de cartão de crédito consignado, motivo pelo qual requer a condenação deste ao pagamento de indenização por danos morais, bem como à devolução em dobro dos valores adimplidos no período de janeiro a outubro de 2020.

Vejamos.

Por ter o escopo de estimular e de influenciar aquisição de produtos e de serviços, entende-se que a publicidade se relaciona diretamente com o mercado de consumido, motivo pelo qual fora disciplinada no âmbito da legição consumerista, com o intuito de proteção do consumidor quanto à publicidade enganosa e abusiva.

Do exame do Código de Defesa do Consumidor, extrai-se que, em seu art. 37, §1º, há regramento normativo no sentido de que é enganosa toda a publicidade capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços, in verbis:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

No caso em apreço, entretanto, não se observa a ocorrência de publicidade enganosa, consoante passo a expor.

Isso porque, da análise da publicidade colacionada pelo autor com a inicial, se depreende que as informações nela contidas são claras quanto à modalidade contratual ofertada, cartão de crédito consignado, consubstanciada no pagamento mínimo do valor da fatura deste descontado diretamente da folha de pagamento do consumidor, com a possibilidade também de ser adimplido o valor total da fatura (Evento 1 - Out10):

Neste contexto, como consabido, na ausência de pagamento do valor da fatura do cartão de crédito consignado, incidirão juros, como no cartão tradicional, sendo, contudo, as taxas de juros da modalidade consignado inferiores às deste, informação esta que, inclusive, constou na publicidade discutida no feito (Evento 1 - Out10):

Veja-se que, na resposta encaminhada pela parte ré ao autor sobre o funcionamento do cartão de crédito consignado, também há menção expressa de que, caso não fosse por ele efetuado o pagamento do valor integral da fatura, seria realizado o desconto do valor mínimo da fatura diretamente de sua folha de pagamento (Evento 1 - Out9):

Em outros termos, na hipótese de não ser realizado o pagamento complementar da fatura, somente os descontos em folha de pagamento, no percentual de 5% da margem consignável, o valor restante da fatura é refinanciado, estando sujeito, por consequência, aos encargos devidos em razão de tal refinanciamento.

Nota-se, assim, que na publicidade debatida nos autos, foi suficientemente explicitada a sistemática de funcionamento do cartão de crédito.

Ocorre que, embora não tenha restado demonstrada a ocorrência de publicidade enganosa, se depreende que a modalidade de pagamento pactuada pelas partes, consubstanciada no pagamento mínimo do valor da fatura do cartão de crédito consignado, fez com que a dívida assumida pela parte demandante passasse a consistir em um crédito eterno ao banco requerido, pois o percentual consignado amortizava somente uma quantia reduzida do valor devido, garantindo, assim, lucros excessivos à instituição financeira ré, decorrentes dos refinanciamentos mensais do débito.

À luz desta sistemática de cobrança empregada pela parte ré, afere-se que restou configurada desvantagem exagerada ao consumidor, a qual é vedada expressamente pelo art. 51, inc. IV, do CDC, de modo que cabível a declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado pela parte demandante com a parte ré é a medida que...

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