Acórdão nº 50325238320218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50325238320218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002966585
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5032523-83.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: CRISTIANO VIEIRA HEERDT (DPE)

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra DIEGO ROBERTO DA SILVA LIMA, com 28 anos de idade na data dos fatos, dando-o como incurso nas sanções do artigo 14, caput, da Lei nº 10.826/03, c/c artigo 61, incisos I e II, alínea “j”, do Código Penal, pelo seguinte fato delituoso:

"No dia 20 de agosto de 2020, por volta das 23h15min, na Rua Manoel Faria da Rosa Primo, proximidades do nº 1205, via pública, Bairro Restinga, nesta capital, o denunciado, DIEGO ROBERTO DA SILVA LIMA, portava e transportava uma pistola marca “HK USP”, calibre 9mm, nº “24-071431”, sem autorização e em desacordo com determinação legal, consoante Auto de Apreensão (evento 01).

Na ocasião, o denunciado estava portando a arma de fogo em região conhecida por ser ponto de tráfico de drogas, tendo sido abordado por Policiais Militares, que o avistaram em atitude suspeita. Em revista pessoal, os agentes públicos encontraram a referida pistola na cintura de DIEGO, municiada com 15 cartuchos de igual calibre.

O denunciado foi preso em flagrante.

O denunciado é reincidente, consoante certidão de antecedentes de evento 03.

O denunciado praticou o delito descrito durante a vigência do Decreto n.º 55.128/2020, editado pelo Governo Estadual em 19 de março de 2020, o qual decretou estado de calamidade pública em todo o território do Estado do Rio Grande do Sul para fins de prevenção e enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo corona vírus)."

A denúncia foi recebida em 07.04.2021 (evento 3, DESPADEC1).

Pessoalmente citado (evento 6, CERTGM1), o acusado apresentou resposta à acusação por intermédio da Defensoria Pública (evento 10, DEFESA PRÉVIA1).

Durante a instrução processual, foram ouvidas três testemunhas e interrogado o réu (evento 34, TERMOAUD1).

Encerrada a instrução, os debates orais foram substituídos por memoriais que foram apresentados pelas partes (evento 37, MEMORIAIS1 e evento 40, MEMORIAIS1).

Atualizados os antecedentes criminais do acusado (evento 41, CERTANTCRIM1).

Sobreveio sentença de lavra da Juíza de Direito, Drª Claudia Junqueira Sulzbach, de procedência da ação penal para condenar Diego Roberto da Silva Lima como incurso nas sanções previstas no artigo 14, caput, da Lei nº 10.826/03, com a incidência do disposto no artigo 61, inciso I, do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos e 07 (sete) meses de reclusão, em regime semiaberto, e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa à razão mínima (evento 43, SENT1).

A sentença foi disponibilizada em 11.08.2022.

A defesa apelou tempestivamente (evento 51, APELAÇÃO1). Em suas razões, alegou a ilicitude da prova em razão da ausência de fundadas razões para a busca pessoal realizada. Também requereu a absolvição do acusado apontando a insuficiência probatória. Subsidiariamente, postulou a isenção da pena de multa. Por fim, prequestionou a matéria (evento 58, RAZAPELA1).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (evento 61, CONTRAZAP2), e os autos foram remetidos a esta Corte.

Em parecer, a ilustre Procuradora de Justiça, Drª. Sandra Goldman Ruwel, opinou pelo desprovimento do recurso defensivo (evento 7, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Conheço do recurso, uma vez que adequado e tempestivo.

Preliminar de ilegalidade na busca pessoal

De início, a defesa aventa tese preliminar de ilegalidade na busca pessoal realizada, por ausência de fundadas suspeitas.

Sem razão.

De acordo com o relato dos policiais militares presentes na ocorrência, a abordagem foi realizada porque ao se deparar com a guarnição, o acusado mudou sua trajetória de forma repentina, apresentando atitude suspeita, além de já ser conhecido dos policiais.

Ademais, de ressaltar que a abordagem se deu em conhecido ponto de tráfico de drogas.

Como se vê, os policiais militares justificaram a abordagem em fundadas suspeitas de que o acusado estivesse cometendo algo ilícito, considerando que é pessoa conhecida da guarnição policial.

Assim, a abordagem ocorreu nos termos do artigo 244 do Código de Processo Penal, que refere que "a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar”.

E, tanto é que os policiais lograram êxito em apreender o armamento, que estava em desacordo com determinação legal ou regulamentar, dando azo à presente ação penal.

Desse modo, afasto a preliminar arguida.

No que tange ao pedido de absolvição, não assiste razão à defesa do acusado.

Com efeito, a materialidade vem delineada no auto de prisão em flagrante (fls. 06-11), no registro da ocorrência policial nº 8810/2020/100805 (fls. 13-16), no auto de apreensão (fls. 17-18), todos do processo 5053601-70.2020.8.21.0001/RS, evento 1, P_FLAGRANTE1. Bem como no laudo pericial nº 178366/2020 (evento 23, LAUDO1), que concluiu que a arma se encontra em condições de uso e funcionamento e que os cartuchos foram eficazes.

No que se refere à autoria do delito, também está bem delineada nos autos, e a tese escusativa não convence e não ficou devidamente comprovada.

A prova oral assim restou sintetizada na sentença:

"Interrogado, DIEGO ROBERTO DA SILVA LIMA negou a autoria do delito afirmando que estava em casa dormindo com a esposa Fernanda, quando um rapaz entrou correndo no seu pátio. Os policiais acharam que estaria facilitando alguma coisa para o rapaz, foram hostis e os desacatou, tendo havido um mal entendido. Não estava na rua. Não sabe onde os policiais acharam a arma. Explicou que acordou com o barulho da porta, arrombada pelos policiais. O rapaz estava escondido no escuro, no pátio. Os policiais revistaram a casa. O adolescente que entrou no pátio chamava-se Taylor e o conhecia de vista.

O policial militar Thales Ari Silva dos Santos referiu que já havia abordado o réu, vulgo "Cabelo", anteriormente. Disse que estava em patrulhamento na região, local conhecido pelo comércio de entorpecentes e que, à época, estava em disputa territorial. Quando entrou com a viatura, o réu, que vinha em sua direção, mudou a trajetória ao avistá-los, o que chamou sua atenção. Realizou a abordagem e, em revista pessoal, encontrou na cintura do acusado uma pistola 9mm carregada com quinze munições intactas. No local, havia disputa entre as facções "Os madeireira" e "Os carros velhos". A abordagem foi tranquila, sem resistência. Não foi à casa do réu. Acredita que ele reside nas proximidades do local da abordagem.

O policial militar Willian Vieira de Paula referiu que já abordou DIEGO anteriormente. Disse que estava em patrulhamento tático em local conhecido como ponto de venda de entorpecentes, a "boca dos madeireira". De praxe, faz esse patrulhamento todos os dias, passando em diversos pontos de tráfico. Visualizou o réu, conhecido como "Cabelo", em via pública, a pé. Quando o réu visualizou a viatura policial, "titubeou", pois vinha em uma direção, parou e tentou retornar, chamando a atenção da guarnição. Fez a abordagem e seu colega fez a revista pessoal, encontrando uma pistola municiada em poder dele. Não lembra de ter entrado na casa do réu.

Fernanda Tanger da Rocha, ex-companheira de DIEGO, disse que no dia do fato estava dormindo com o réu e, em torno de 1h, ouviu barulhos e as cachorras começaram a latir no pátio. A Brigada invadiu a casa porque viram um rapaz correndo para o pátio. Pegaram o rapaz, que era menor de idade, armado, e DIEGO desacatou os policiais. Acha que os policiais incriminaram DIEGO porque tinha antecedentes e os desacatou bem como porque o rapaz que estava armado era menor de idade. Os policiais revistaram a casa, porque acharam que o réu e a depoente tinham escondido o rapaz. Explicou que os policiais entraram na casa e procuraram o rapaz dentro do imóvel, mas ele tinha ido para os fundos do pátio, que era escuro, apreendendo a arma depois de revistar a casa."

Pois bem, os elementos dos autos são contundentes e apontam para o réu como sendo o autor do fato.

Decerto, não há nenhum adminículo de prova capaz de descredibilizar o depoimento dos agentes de segurança.

Ademais, a testemunha presencial Fernanda, então companheira do apelante ao tempo do fato, por evidente possui interesse na absolvição do acusado.

De qualquer sorte, o exame conjunto de todos os elementos juntados nos autos, permitem concluir que Diego foi abordado em via pública, e estava na posse da pistola calibre 9mm, municiada com 15 cartuchos, tal como afirmaram os policiais em ambas as fases processuais.

É de se destacar que os depoimentos prestados pelos agentes de segurança merecem especial relevância quando não verificada qualquer razão plausível a justificar um possível falso testemunho.

Ademais, é o Estado quem lhes atribui a autoridade e o dever de combater a criminalidade. Portanto, seria contraditório credenciá-los como agentes de segurança pública e, depois, não aceitar seus testemunhos como meio de prova.

Neste particular, é firme a jurisprudência no sentido de que as narrativas de quaisquer dos agentes de segurança pública, associados aos demais elementos de convicção são válidos e hábeis para embasar veredicto condenatório, consoante orientação do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. 1...

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