Acórdão nº 50332116320228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 28-04-2022

Data de Julgamento28 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo50332116320228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001920677
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5033211-63.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATOR: Desembargador JAYME WEINGARTNER NETO

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo em Execução interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra decisão a Juíza de Direito do 1º Juizado da 1ª VEC de Porto Alegre, que deferiu o pedido de retificação do RESPE do apenado.

Foram apresentadas contrarrazões. Em juízo de retratação, a decisão foi mantida.

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O apenado Fagner de Abreu Hoffmann, PEC n.º 1892869-38.2009.8.21.0039, cumpre pena privativa de liberdade 14 (quatorze) anos de reclusão pela prática dos crimes de tráfico de drogas e posse de arma.

A defesa, na origem, em razão da nova redação do art. 112 da LEP, aduziu que ante a ausência de previsão legal expressa acerca do conteúdo dos crimes equiparados a hediondo, bem como diante da impossibilidade de criação de figura mais gravosa por interpretação extensiva ou analogia (princípio/regra da reserva legal penal), o tráfico ilícito de entorpecentes deve ser considerado, para efeitos de progressão de regime, como crime comum.

A Magistrada a quo, em 01 de novembro de 2021, deferiu o pedido, salientando que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, não dispõe sobre os crimes hediondos e que coube à Lei 8.072/90 enunciar rol taxativo. Entretanto, a Lei 13.964/19 revogou expressamente o dispositivo [artigo 2º, § 2º] que equiparava o tráfico de drogas a delito hediondo para fins de progressão de regime. A Magistrada sustenta, ainda, que nenhuma legislação elenca quais delitos são equiparados aos hediondos, pelo que, diante da reserva legal (CF, art. 5º, incs. XXXIX e XL; CP, art. 1º), "(...) imperioso concluir que o apenado condenado pela prática de 'tráfico de drogas' deverá progredir conforme os critérios objetivos dos delitos comuns, ou seja, após o cumprimento de 16% , 20%, 25% ou 30% (salvo se cometido antes de 23/01/2020) da pena, pois ausente previsão legal sobre delitos 'equiparados a hediondo'. Da mesma forma, pelo esvaziamento da 'equiparação' à hediondez, não remanesce fundamento legal para o artigo 33 da Lei de Drogas gerar reincidência específica em delito hediondo.". Em face da alteração dos percentuais, foi concedida ao apenado a progressão de regime.

Pese a substancial fundamentação da decisão, tecida com argumentos cuidadosos, interessantes e razoáveis, com a devida vênia, o agravo deve ser provido, como resultado da melhor interpretação sistemática para o problema posto.

Em consulta à certidão de antecedentes criminais, observo que o agravante ostenta condenação por crime de tráfico de drogas.

A Constituição Federal elencou o tráfico de drogas como inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, ao lado dos crimes de tortura, do terrorismo e dos "definidos como crimes hediondos". O mandado de criminalização específico indica o tratamento mais gravoso conferido a tais delitos pelo constituinte originário. Em certa medida, pode-se afirmar que, num primeiro plano, a Constituição demarcou os três delitos que "merecem" maior repressão [tortura, tráfico e terrorismo], de modo que, a rigor, estão fora da esfera primordial de disponibilidade do legislador infraconstitucional, diferente dos "hediondos", cujo rol, esse sim, pode ser ampliado ou restringido de acordo com a política criminal escolhida. Em outras palavras, a equiparação, no fundo, é dos crimes hediondos, de livre escolha legislativa, à tortura, ao tráfico e ao terrorismo, já selecionados singularmente pelo constituinte, como está literalmente escrito no inciso XLIII do artigo da Constituição. Trata-se de mera constatação. Pessoalmente, tenho sérias reservas, empíricas e axiológicas, ao que se convencionou chamar de "war on drugs" - e que talvez estivesse no auge quando dos trabalhos constituintes. E não desconheço que expressivo contingente da população carcerária brasileira, especialmente a feminina, venha do endurecimento adotado pela Lei nº 11.343/2006. Mas não há como, em termos lógico-normativos, negar que o texto é claro e implica tratamento mais gravoso a tais crimes do que aos crimes ditos comuns. Por outro lado, se vingasse a ratio do juízo a quo, seria forçoso concluir que as frações para progressão em casos de tortura e terrorismo, em situações notoriamente graves e desvaliosas, também estariam no espectro de 25% a 30% da pena (na metade inferior do espectro previsto no artigo 112 da Lei de Execuções Penais), a delibar-se a proteção insuficiente de bens jurídicos tão fundamentais.

Em sentido similar, precedente deste Tribunal de Justiça:

AGRAVO EM EXECUÇÃO. PROGRESSÃO DE REGIME. CONCESSÃO DE REDUÇÃO DE 60% PARA 20% DO CUMPRIMENTO DA PENA PARA FINS DE PROGRESSÃO DE REGIME. MAGISTRADO SINGULAR QUE AFASTOU A HEDIONDEZ DO DELITO DE TRÁFICO DE ENTOECENTES. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. O DELITO DE TRÁFICO DE ENTOECENTES, AINDA QUE COMETIDO SEM VIOLÊNCIA À PESSOA OU GRAVE AMEAÇA EQUIPARA-SE A HEDIONDO POR FORÇA DE PREVISÃO LEGAL CONTIDA NO ARTIGO 5, INCISO XLIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NOVA REDAÇÃO DADA AO ARTIGO 112 DA LEP COM O ADVENTO DA LEI 13.964/2019 QUE PREVÊ PERCENTUAL ESPECIFICO PARA O CASO POSTO SUB JUDICE. RÉU CONDENADO PELA PRÁTICA DOS DELITOS DE TRÁFICO DE ENTOECENTES, LAVAGEM DE DINHEIRO, RECEPTAÇÃO, TRÁFICO DE ENTOECENTES (SEGUNDA INCIDÊNCIA) E ROUBO, SENDO REINCIDENTE EM CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA. PERCENTUAL DE CUMPRIMENTO DE PENA APLICÁVEL DE 60%. RÉU QUE CONTA APENAS COM 24% DA PENA CUMPRIDA. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA PROGRESSÃO DE REGIME. DECISÃO CASSADA. AGRAVO PROVIDO.(Agravo de Execução Penal, Nº 50060212820228217000, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em: 18-02-2022).

E o STJ tem ecoado a mesma conclusão, em diversos provimentos monocráticos. A título de ilustração: Decisão Monocrática no HC 726166/SC, Min. Olindo Menezes, em 03 de março de 2022; Decisão Monocrática no HC 723462/SC, Min. Antonio Saldanha Palheiro, em 17 de fevereiro de 2022.

Por outro lado, reconhecida a reincidência em crime hediondo em um dos processos pelo qual cumpre pena, a circunstância agravante incide na...

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