Acórdão nº 50338813020148210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 24-11-2022

Data de Julgamento24 Novembro 2022
Classe processualApelação
Número do processo50338813020148210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002994025
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5033881-30.2014.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO

APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU)

APELADO: DORILDE FATIMA DE FREITAS (AUTOR)

RELATÓRIO

BANCO BRADESCO S.A. interpôs recurso de apelação contra sentença proferida nos autos a ação revisional movida por DORILDE FÁTIMA DE FREITAS, que julgou o pedido do consumidor nos seguintes termos (evento 3 - PROCJUDIC3, fls. 89/91):

Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos da ação movida por DORILDE FATIMA DE FREITAS para revisar o contrato ora analisado, para o fim de limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado à época da contratação, afastar a cobrança de juros capitalizados, bem como afastar a incidência da comissão de permanência, condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores, rejeitando os demais pedidos.
Sucumbência parcial e recíproca, autoriza a divisão, metade para cada parte, das custas processuais.
Honorários de cada patrono, fixados em R$1000,00 (um mil reais) custeados pela parte adversa.

Em suas razões recursais alegou, preliminarmente, o equívoco da nota de expediente que intimou as partes do resultado da sentença, tendo em vista que constaram apenas os nomes dos procuradores da parte autora. Sustentou que ante a nulidade da intimação deve ser anulada a certidão de trânsito em julgado da sentença. No mérito, afirmou o descabimento da pretensão revisional com base no Código de Defesa do Consumidor. Sustentou que os juros remuneratórios não podem ser limitados, que é permitida a capitalização na periodicidade contratada, que não é caso de descaracterização da mora, que deve ser mantida a cobrança da comissão de permanência e que não é caso de permitir a compensação e a repetição de indébito. Requereu a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido revisional. Pugnou pelo provimento do apelo. (acostou documentos)

O consumidor apresentou contrarrazões (evento 3 - PROCJUDIC5, fls. 197/204.

Vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso onde se discute a validade das cláusulas e dos encargos incidentes no contrato de outorga de crédito garantido com cláusula de alienação fiduciária (contrato de cédula de crédito bancário).

QUESTÃO PRELIMINAR.

IRREGULARIDADE DA INTIMAÇÃO DA SENTENÇA. NULIDADE DA CERTIDÃO DE TRÂNSITO EM JULGADO.

De pronto adianto que assiste razão ao Banco quanto a irregularidade da intimação do resultado da sentença.

Com efeito, da análise dos autos se observa que a carta de citação foi entregue ao destinatário em 25/05/2019 e o mandado foi juntado em 29/05/2019, (evento 3 - PROCJUDIC3 - fl. 88 dos autos originais), sendo certificado o decurso do prazo sem apresentação de contestação em 12/08/2019.

A sentença aplicou os efeito da revelia ao Banco e julgou parcialmente procedente o pedido do consumidor.

À fl. 93 dos autos originais (evento 3 - PROCJUDIC3) foi certificado a publicação da nota de expediente (nº 306/2020) que intimou as partes do resultado da sentença, entretanto, constaram somente os procuradores da parte autora.

Curiosamente, após manifestação do autor requerendo a intimação da instituição financeira para pagar voluntariamente a condenação dos honorários advocatícios sucumbências, foi juntado aos autos a contestação enviada pelo Correio em 29/08/2019, acompanhada de cópia do contrato e das procurações (evento 3 - PROCJUDIC3, fls. 95/147).

Sobreveio despacho do magistrado nos seguintes termos (fl. 151 dos autos originais):

Vistos.

A contestação foi juntada aos autos somente após a prolação de sentença, pois, embora protocolada, não havido sido juntada aos autos e sequer informada a sua existência no sistema, equívoco que se atribui ao volume de trabalho e a Pandemia, que exigiu uma adaptação da equipe a novo sistema de trabalho. (grifei)

As partes, por sua vez, após a publicação da sentença não ingressaram com recurso e/ou embargos declaratórios, permitindo que se implementasse a preclusão consumativa do decisum.

Assim, ao Cartório para que certifique o trânsito em julgado da sentença.

Após, remetam-se os autos à origem, pois esgotada a competência do PROGRAM para processamento do pedido de cumprimento espontâneo da obrigação.

Intimem-se.

Dils. legais.

Foi atendida a determinação do magistrado e certificado o trânsito em julgado, sendo as partes intimadas pela nota de expediente de fl. 152 (autos originais).

Pois bem.

Da narrativa das ocorrências já se antevê a irregularidade processual que impõe a nulidade da certidão de trânsito em julgado da sentença.

Isso porque o próprio magistrado reconheceu o erro do Cartório que não juntou a contestação e os documentos enviados pelo Correio em data anterior a sentença.

Desse modo, em que pese a intempestividade da contestação, os procuradores legalmente habilitados deveriam ter sido cadastrados anteriormente a publicação do resultado da sentença.

Por decorrência óbvia, a parte não foi regularmente cientificada do resultado da sentença, o que levou ao decurso do prazo sem interposição de recurso.

Considerando que na primeira oportunidade a instituição financeira arguiu a nulidade e o contexto exposto corrobora com essa alegação, vai declarada a nulidade da certidão de trânsito em julgado e, ainda, admitido o recurso de apelação interposto.

DOS EFEITO DA REVELIA.

Na petição inicial o consumidor requereu a inversão do ônus da prova no sentido de que a instituição financeira fosse compelida a apresentar o contato firmado entre as partes, sob a alegação de que não lhe forneceram a cópia no momento da contratação.

O magistrado a quo acolheu pedido do autor (decisão do evento 3 - PROCJUDIC2, fl. 84), entretanto, a instituição financeira não apresentou a contestação tempestivamente e a sentença declarou os efeitos da revelia.

Diante disso, deixo de admitir os documentos novos em relação a contratação, e mantenho a sentença que considerou como verdadeiros os fatos articulados pelo autor na inicial.

De acordo com o descrito na petição inicial o contrato objeto do pedido revisional foi firmado em maio de 2013, no valor de R$ 23.790,00 para pagamento em 60 parcelas no valor de R$ 638,49.

APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E POSSIBILIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO CONTRATUAL.

É inegável tratarem-se as relações contratuais entabuladas entre as pessoas tomadoras de crédito e as instituições financeiras, de relações de consumo.

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...);.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Conforme lição de Adalberto Pasqualotto, “dentre os serviços de consumo, o parágrafo 2º do artigo 3º inclui expressamente os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A oposição destes setores econômicos ao dispositivo é manifesta. Embora o dinheiro, em si mesmo, não seja objeto de consumo, ao funcionar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito e cheques” (citado por CELSO MARCELO DE OLIVEIRA, in Alienação Fiduciária em Garantia, 2003, Ed. LZN, p. 215).

Essa compreensão foi referendada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula nº 297 (datada de 09/09/2004), cujo enunciado segue transcrito:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Uma vez que não se discute que as instituições financeiras estão sujeitas as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, cabe avaliar a possibilidade do pedido de revisão dos termos da avença, se ilegais ou abusivas as condições contratadas, conforme argumentos apresentados pelo consumidor.

O art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor arrola, como direitos básicos do consumidor, duas possibilidades de ingerência judicial sobre os termos da avença, o de modificar as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações originariamente desproporcionais e o de revisar o contrato em razão de onerosidade excessiva, por fato superveniente.

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...);

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; ”

No caso em testilha, tendo como base as razões do consumidor, se está diante da primeira hipótese, ou seja, de pedido de modificação em razão de alegada abusividade contemporânea à contratação.

Ainda nesse sentido, destacam-se os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...);

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”;

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...);

IV - estabeleçam obrigações consideradas...

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