Acórdão nº 50339051420218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50339051420218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001523465
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5033905-14.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Cédula de crédito bancário

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: IOLANDA MARIA BARBOSA CRISTANI (AUTOR)

APELANTE: ASSOCIACAO GAUCHA DE PROFESSORES TEC.DE ENSINO AGRICOLA (RÉU)

APELANTE: FACTA INTERMEDIACAO DE NEGOCIOS LTDA (RÉU)

APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações cíveis interpostas por IOLANDA MARIA BARBOSA CRISTANI e FACTA INTERMEDIAÇÃO DE NEGÓCIOS LTDA E ASSOCIAÇÃO GAÚCHA DE PROFESSORES TEC. DE ENSINO AGRICOLA em face da sentença prolatada nos autos da ação de obrigação de fazer proposta pela primeira contra o segundo. Constou na sentença apelada (Evento 59):

“[...] DIANTE DO EXPOSTO, com base no art. 487, I, do CPC, julgo, confirmando a tutela de urgência, PROCEDENTES os pedidos formulados por IOLANDA MARIA BARBOSA CRISTANI em face de BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL, ASSOCIAÇÃO GAUCHA DE PROFESSORES TEC.DE ENSINO AGRÍCOLA e FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, para determinar:

a) a limitação dos descontos em 30% dos rendimentos brutos da parte autora; e

b) homologar os valores indicados na petição do evento 44.

Condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte autora, os quais fixo em R$ 400,00, em respeito ao disposto no art. 85, §8º, do Código Processual Civil, especialmente em razão da extrema simplicidade da demanda, por se tratar de ação de massa.

Interposto(o) o(s) recurso(s), restará ao Cartório, por meio de ato ordinatório, abrir vista à parte contrária para contrarrazões, e, consequentemente, remeter os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça. Igual procedimento deverá ser adotado na hipótese de recurso adesivo.

Transcorrido o prazo recursal sem movimentação das partes, certifique-se o trânsito em julgado e, nada sendo requerido, dê-se baixa e arquive-se.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”

Em suas razões recursais, a parte autora se insurge quanto ao valor de irrisório de R$ 400,00 fixado na sentença a título de honorários advocatícios em favor do seu procurador. Pede a majoração da verba honorária entre 10% a 20% sobre o valor da causa ou do proveito econômico obtido, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. Subsidiariamente, em caso de manutenção da fixação da verba honorária por apreciação equitativa, pugna pela sua majoração. Requer o provimento da apelação (Evento 65).

A parte ré, por sua vez, pretende a extinção da presente ação, sem julgamento do mérito, uma vez que, havendo litisconsórcio necessário, deveriam todos as instituições que realizam descontos facultativos compor a lide. Alega que a competência do feito é de uma das Varas da Fazenda Pública, em razão da necessidade de participação do ente estatal no feito. Ressalta que, em se tratando de servidor público estadual, deve ser aplicado o disposto no Decreto Estadual nº 43.574/2005, no sentido de que os descontos em folha de pagamento não podem ultrapassar 70% sobre sua remuneração mensal bruta. Menciona a inexistência de amparo jurídico quanto ao pedido de limitação dos descontos em folha de pagamento ao patamar de 30%, o que impõe a improcedência de tal pleito. Menciona ser impossível a aplicação analógica da Lei Federal nº 10.820/03. Salienta que a parte autora, deliberadamente, contraiu os empréstimos em questão. Sustenta que a sentença proferida, ao afastar a consignação firmada entre ambas as partes, chancela o abuso de direito e a intenção de inadimplência. Requer a reforma da sentença a fim de extinguir o processo, sem resolução de mérito. Alternativamente, pede que seja reconhecida a limitação em 70% para descontos em geral e em 30% exclusivamente para empréstimos bancários. Subsidiariamente, pede que os descontos sejam efetuados de forma proporcional entre as instituições financeiras. Pede provimento (Evento 71).

Foram apresentadas contrarrazões nos Eventos 79, 82 e 83.

É o relatório.

VOTO

As presentes apelações são tempestivas, pois o prazo para a parte autorarecorrer da sentença iniciou em 22/09/2021 e findou em 13/10/2021 (Evento 62), sendo que o seu recurso foi interposto em 21/09/2021 (Evento 65); e o prazo para a parte ré recorrer iniciou em 28/09/2021 e findou em 19/10/2021 (Eventos 60 e 61), ao passo que o seu apelo foi interposto em 19/10/2021 (Evento 71). Além disso, ambas as partes comprovaram o recolhimento do preparo (Eventos 66 e 70).

Dessa forma, considerando que são próprias e tempestivas, recebo as apelações, as quais passo a examinar.

APELAÇÃO DA PARTE RÉ.

1. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO.

O litisconsórcio necessário pode advir de expressa disposição de lei ou da natureza incindível da relação jurídica de direito material afirmada em juízo.

Consoante sustentado por Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Arenhart e Daniel Mitidiero1, A existência de um feixe de relações, ainda que entrelaçadas, não dá lugar à formação do litisconsórcio necessário.”

No caso dos autos, não há litisconsórcio passivo necessário, pois o único ponto em comum entre as instituições financeiras seria os descontos em folha de pagamento que, na sua totalidade (considerando todos os contratos), deveriam, consoante a alegação da parte autora, ser limitados ao percentual de 30%.

No entanto, tal fato, por si só, não implica na natureza incindível das relações jurídicas, considerando que cada contratação é uma relação diversa e independente das demais.

À vista disso, no caso em apreço, verifica-se que consistia em faculdade da parte autora, ante a causa de pedir e os pedidos formulados na presente demanda (limitação de descontos em folha de pagamento), ter ajuizado a ação em face de um único credor ou de todos os credores, na medida em que o litisconsórcio passivo em discussão é facultativo, não sendo, portanto, a sua formação obrigatória, nos termos da disciplina presente no art. 113 do CPC.

A próposito do tema, colaciono precedente do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. DEMAIS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.
NÃO CABIMENTO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
CONFIGURAÇÃO. TARIFA DE LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA DE OPERAÇÕES DE CRÉDITO. LEGALIDADE LIMITADA. CONTRATOS CELEBRADOS ANTES DE 10/12/2007. RESOLUÇÃO CMN Nº 3.516/2007.
1. Ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo com a finalidade de ver reconhecida a nulidade de cláusulas contratuais que contenham a obrigação de pagamento de tarifa pela quitação antecipada de dívida.
2. A existência de obrigação contratual semelhante à exigida pela recorrente não é capaz de gerar o litisconsórcio passivo necessário com as demais instituições financeiras existentes no país. Para tanto, é indispensável, salvo nos casos em que a lei o imponha, que os litisconsortes sejam partes de uma peculiar relação de direito material, única e incindível, que determina, como imperativo lógico necessário, um julgamento uniforme para todos (art. 47 do CPC/1973).
Precedente.
3. O Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública a fim de debater a cobrança de tarifas/taxas bancárias supostamente abusivas, por se cuidar de tutela de interesses individuais homogêneos de consumidores/usuários do serviço bancário (art. 81, III, da Lei nº 8.078/1990). Precedentes.
4. A análise acerca da legalidade da cobrança de tarifas bancárias deve ser analisada à luz da Lei nº 4.595/1964, que regula o sistema financeiro nacional e determina que compete ao Conselho Monetário Nacional limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros e ao Banco Central do Brasil cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional (artigos 4, IX, e 9º).
5. Durante a vigência da Resolução CMN nº 2.303/1996 era lícita a cobrança pela prestação de quaisquer tipos de serviços pelas instituições financeiras, entre eles o de liquidação antecipada de operação de crédito, desde que efetivamente contratados e prestados, salvo àqueles considerados básicos. Em 8 de setembro de 2006 entrou em vigor a Resolução CMN nº 3.401/2006, que dispôs especificamente a respeito da possibilidade de cobrança de tarifas sobre a quitação antecipada de operações de crédito e arrendamento mercantil, matéria que até então vinha sendo disciplinada de maneira genérica pela Resolução CMN nº 2.303/1996. Somente com o advento da Resolução CMN nº 3.516, de 10 de dezembro de 2007, é que foi expressamente vedada a cobrança de tarifa em decorrência de liquidação antecipada de contratos de concessão de crédito e de arrendamento mercantil financeiro.
6. Para as operações de crédito e arrendamento mercantil contratadas antes de 10/12/2007 podem ser cobradas tarifas pela liquidação antecipada no momento em que for efetivada a liquidação, desde que a cobrança dessa tarifa esteja claramente identificada no extrato de conferência.
7. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1370144/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/02/2017, DJe 14/02/2017) - grifei.

Na mesma linha, cito precedentes deste Tribunal de Justiça, inclusive, de minha relatoria:

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PÚBLICA. DESCONTOS EM FOLHA DECORRENTES DE EMPRÉSTIMOS. DECRETO ESTADUAL Nº 43.337/04 COM REDAÇÃO CONFERIDA PELO DECRETO Nº 43.574/05. LIMITAÇÃO A 70% DA PENSÃO. LEGITIMIDADE DO IPERGS. NÃO CONFIGURAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO COM AS ENTIDADES CONSIGNATÁRIAS. Legitimidade passiva. É reconhecida a legitimidade...

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