Acórdão nº 50346247220218210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 28-04-2022

Data de Julgamento28 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50346247220218210008
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002050608
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5034624-72.2021.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO

APELANTE: EVERTON RIBEIRO COELHO (RÉU)

APELADO: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (AUTOR)

RELATÓRIO

ÉVERTON RIBEIRO COELHO interpôs recurso de apelação contra sentença proferida nos autos da ação de busca e apreensão que é movida pelo AYMORÉ CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A., que julgou o pedido nos seguintes termos (evento 20:

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE a ação de busca e apreensão interposta por AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. contra EVERTON RIBEIRO COELHO para tornar definitiva a liminar antes referida, consolidando a posse e a propriedade do veículo descrito na petição inicial em nome da parte autora, com fundamento nos artigos 373, 487, inciso I, ambos do CPC, e art. 3o Decreto-Lei no 911/1969, com a redação conferida pela Lei no 13.043/2014.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas judiciais e dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa.

Em suas razões recursais o consumidor alegou a existência de cláusulas abusivas no contrato firmado e requereu a análise contratual com base nas regras previstas no Código de Defesa do Consumidor. Asseverou que ante a cobrança de encargos abusivos pela instituição financeira, notadamente os juros remuneratórios excessivos e a capitalização, a mora resta descaracterizada no caso dos autos, razão pela qual não se justifica a procedência da ação de busca e apreensão. Afirmou, ainda, a irregularidade da notificação para constituição em mora. Requereu a improcedência do pedido de busca e apreensão, com a determinação de restituição do valor do bem conforme cotação da tabela Fipe, além da multa prevista no §6º do art. 3º do Decreto-Lei 911/69. Postulou o provimento do apelo.

O apelado apresentou contrarrazões ao recurso (evento 35).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de apelação contra sentença que julgou procedente o pedido da ação de busca e apreensão que a instituição financeira move em face do consumidor/demandado.

O pedido da ação de busca e apreensão, decorrente de contrato de outorga de crédito com garantia de alienação fiduciária, tem suas normas de processo estabelecidas no Decreto-Lei nº 911/69.

A previsão legal para o credor buscar o bem que serve de garantia do contrato e aliená-lo a terceiros, para aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito, está expresso nos arts. 2º e 3º, do Decreto-Lei nº 911/69. In verbis:

Art. 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014).

Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2º do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)

§ 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)

§ 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004).

Assim, nos termos desses dispositivos e da jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária.

A tese derivada do julgamento do Recurso Repetitivo nº 1.418.593 - MS (2013/0381036-4) reflete esse entendimento:

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECRETO-LEI N. 911/1969. ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N. 10.931/2004. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA NO PRAZO DE 5 DIAS APÓS A EXECUÇÃO DA LIMINAR.

1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: "Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária.

A mora do devedor, condição primeira da ação em exame, vem delineada no §2º do art. 2º do referido Decreto, esclarecendo que ela decorrerá do simples vencimento do prazo para o pagamento.

Em que pese a clareza desse dispositivo, importante consignar que em algumas circunstâncias a mera impontualidade ou a inadimplência do contratante não conduz, necessariamente, a caracterização da mora.

Nesse sentido, é a hipótese de constatação de que a instituição financeira fez incidir encargos abusivos quando da composição das parcelas, no chamado período da normalidade, pois é entendimento que essa situação acaba por dificultar que o consumidor efetue o pagamento das parcelas na data ajustada, que ainda é penalizado com a cobrança dos encargos previstos pela impontualidade.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça julgou os recursos repetitivos Resp. n° 1.061.530/RS e Resp. nº 1.639.320-SP, respectivamente abaixo transcritos:

ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA

I. Afasta a caracterização da mora:

(i) a constatação de que foram exigidos encargos abusivos na contratação, durante o período da normalidade contratual.

II. Não afasta a caracterização da mora:

(i) o simples ajuizamento de ação revisional;

(ii) a mera constatação de que foram exigidos encargos moratórios abusivos na contratação.

TEMA 972/STJ.

(...);

2.3 - A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora.

Como visto, o reconhecimento da abusividade de encargos da normalidade na ação própria ou, a probabilidade de o julgamento do mérito vir a ser nesse sentido, descaracteriza a mora contratual.

A par da tese aludida, imprescindível registrar que o enunciado da Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.

Em síntese, a verificação de encargos capazes de descaracterizar a mora depende, necessariamente, de alegação do consumidor, sob pena de afronta a Súmula antes citada.

No ponto, salvo melhor juízo, entendo que a constatação da incidência de encargos abusivos capazes de afastar a caracterização da mora (juros remuneratórios e capitalização) pode se dar nos próprios autos da ação de busca e apreensão, sem ocorrência de afronta a Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça, desde que alegado pelo consumidor como matéria de defesa.

Essa compreensão está em sintonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, onde se observa claramente que inexiste óbice para o enfrentamento das questões alegadas pelo consumidor em sede de busca e apreensão, notadamente porque a existência da mora é o próprio fundamento da ação.

Para ilustrar a argumentação, segue informativo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

Quarta Turma

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DISCUSSÃO DA ILEGALIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS NO ÂMBITO DA DEFESA.

É possível a discussão sobre a legalidade de cláusulas contratuais como matéria de defesa na ação de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária. Consolidou-se o entendimento no STJ de que é admitida a ampla defesa do devedor no âmbito da ação de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária, sendo possível discutir em contestação eventual abusividade contratual, uma vez que essa matéria tem relação direta com a mora, pois justificaria ou não a busca e apreensão do bem. Precedentes citados: REsp 267.758-MG, DJ 22/6/2005; AgRg no REsp...

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